Bolsa brasileira sofreu fuga de dinheiro estrangeiro em 2020| Foto: Divulgação/B3
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Em meio ao pânico nos mercados financeiros mundiais causado pelo coronavírus, a Bolsa brasileira registrou uma fuga desenfreada de capital estrangeiro nos dois primeiros meses deste ano e na primeira semana de março. Até terça-feira (3), data do último dado oficial disponível, os investidores externos haviam retirado R$ 32,5 bilhões da B3.

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Nesse montante estão computados os valores investidos em IPOs, isto é, dinheiro que veio de fora para aquisição de ações de empresas que pela primeira vez colocaram ativos à venda na bolsa. Considerando apenas as transações no mercado à vista, sem os R$ 11,3 bilhões investidos em IPOs, a saída de capital estrangeiro é maior, chegando a R$ 43,5 bilhões.

Uma análise dos números da B3 revela ainda que nos primeiros dias de funcionamento da bolsa em março a fuga do capital externo acelerou. Na segunda-feira (2) mais de R$ 2 bilhões deixaram o mercado acionário brasileiro. Na terça (3), mais R$ 1,5 bilhão foi embora, totalizando cerca R$ 3,5 bilhões em apenas dois dias. Isso foi registrado antes do estresse global registrado na quinta (5) e sexta-feira (6), quando o Índice Bovespa bateu abaixo dos 98 mil pontos pela primeira vez desde junho de 2019.

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A retirada de dinheiro estrangeiro da bolsa brasileira vinha ocorrendo nos dois últimos anos, mas em patamares muito inferiores ao que ocorreu a partir do final do ano passado. Em 2018 o balanço entre o capital do exterior que entrou e o que saiu da B3 ficou negativo em R$ 5,7 bilhões. Em 2019, o "déficit" melhorou um pouco, de R$ 4,7 bilhões. Quando comparados com 2020, os dados evidenciam uma explosão recente da saída do capital internacional.

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Essa saída em massa do estrangeiro foi na contramão do investidor nacional pessoa física. Com a queda de juros no país, muita gente saiu da renda fixa e decidiu arriscar na renda variável. Com isso, a participação das pessoas físicas na bolsa passou de 13,7% do volume negociado em 2015 para 18,7% em 2019.

Para quem atua do mercado financeiro, a fuga de dinheiro estrangeiro da bolsa brasileira neste começo de ano não se deve somente ao coronavírus, mas a disseminação da doença pelo mundo é a principal causa. O problema, segundo analistas, é que há muita incerteza sobre a eficácia das medidas para conter o vírus e também sobre os efeitos das medidas que até agora vêm sendo tomadas pelos diversos países para reduzir os efeitos na economia.

“Muito desse movimento hoje é de pânico pelo fato de não se saber o que vai acontecer, qual vai ser o impacto do coronavírus no PIB global. Todo mundo sabe que vai haver um impacto na economia mundial, mas é difícil precificar. Então o investidor prefere evitar o risco e procura ativos mais seguros”, avalia Marcos Iorio, da Integral Investimentos.

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Para o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, a incerteza é o que está causando as ondas de pânico. “Ninguém vê no momento um ponto final dessa questão do coronavírus, não há uma percepção clara da magnitude dos impactos econômicos. O fato é que não tem como precificar, não se sabe quanto tempo vai durar, se a doença será contida em semanas ou em meses”, diz.

Cenário na Bolsa não deve mudar rapidamente

Em meio a tantas incertezas, uma coisa é certa na opinião dos analistas: o cenário atual não vai mudar no curtíssimo prazo. “No curto prazo não deve mudar muito, não vai aumentar a entrada de dinheiro estrangeiro na bolsa brasileira. A não ser que as ações das empresas da B3 fiquem muito baratas”, prevê Iorio. “O que que veremos é a grande volatilidade, ora com quedas acentuadas ora com melhoras”, acrescenta Campos Neto ao concordar que não haverá mudanças no cenário tão rapidamente.

Na hipótese de que o coronavírus seja controlado, assim mesmo o país precisaria resolver questões internas, segundo os analistas, para que o capital internacional volte em peso à bolsa brasileira. “Superado o coronavírus, o foco do investidor vai ser dirigido para as questões internas. Nós vemos como difícil sair logo a reforma tributária, considerando que tem muitos setores resistentes às propostas em debate. É um tema difícil para avançar rapidamente, mas os encaminhamentos ajudam a melhorar a percepção. Um lado positivo são os juros baixos, o que pode tirar o investidor do juro fixo e levar para o investimento de renda variável”, avalia Campos Neto.

Marcos Iorio aponta os atritos políticos desnecessários como outro fator que vai pesar na decisão do investidor internacional assim que a questão do coronavírus for superada. “A gente não passa um dia sem ter notícias ruins no front político e essa instabilidade política afeta a atratividade do mercado financeiro brasileiro”, observa.