Ministros brasileiros durante apresentação dos estudos “A Caminho da Era Digital no Brasil” e “Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil”, elaborados pela OCDE.| Foto: Kenny Olee/Divulgação
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Passado o auge da pandemia, o Brasil voltou a trabalhar na sua campanha para virar um membro efetivo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o chamado "clube dos países ricos". Ministros brasileiros participaram no fim de outubro da reunião virtual do Conselho Ministerial da organização e defenderam enfaticamente o ingresso formal do país na associação.

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Eles reforçaram que o Brasil é o país não-membro mais engajado com as causas defendidas pela OCDE e que o governo tem feito todos os esforços para se adequar aos instrumentos legais – normas, acordos e princípios – pedidos pela organização. Também ressaltaram que o Brasil conta com o apoio de todos os 37 países que compõem a entidade, em especial dos Estados Unidos.

“A acessão do Brasil à OCDE é um dos objetivos estratégicos do governo Bolsonaro. A adesão à OCDE irá contribuir significativamente ao processo de retomada do Brasil", afirmou o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. “O Brasil, no momento, desfruta do apoio de todos os membros para dar início a tais procedimentos. Estamos convencidos de que a plena adesão será importante para as reformas brasileiras, intensificando a integração brasileira à economia internacional”, completou o ministro da Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

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Apoio dos Estados Unidos

Neste ano, o Brasil deu um passo importante na sua candidatura à OCDE: conseguiu o apoio dos Estados Unidos. Depois de causar uma saia justa em 2019 – quando enviou à OCDE uma carta em que destacava que Washington apoiava apenas a candidatura da Argentina e da Romênia –, os Estados Unidos voltaram atrás e passaram a priorizar o Brasil em detrimento da Argentina.

Uma carta foi enviada ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, em janeiro deste ano, mudando a posição dos Estados Unidos, que passou a apoiar Brasil e Romênia. Na época, o Departamento de Estado dos EUA explicou que “a decisão de priorizar a candidatura do Brasil como o próximo país a iniciar o processo é uma evolução natural do nosso compromisso, como reafirmado pelo secretário de Estado [Mike Pompeo] e pelo presidente [dos EUA, Donald] Trump em outubro de 2019".

Para conseguir o apoio dos Estados Unidos, o Brasil fez uma série de concessões aos americanos. Além de isenções em tarifas de importações de determinados produtos deles, como milho e alumínio, o governo brasileiro abriu mão de receber o tratamento especial de “país em desenvolvimento” na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca do apoio americano à candidatura brasileira à OCDE. O tratamento diferenciado garantia ao Brasil condições mais favoráveis na assinatura de acordos comerciais e acesso facilitado a crédito.

O apoio americano é fundamental porque os Estados Unidos são o maior contribuinte financeiro da organização, além de ter poder de veto nas negociações. Os norte-americanos também vinham se opondo à entrada de novos membros na organização, sob o argumento que o bloco estaria muito inchado. Essa posição estava travando o processo de acessão (nome técnico para adesão) de novos países.

Eleição muda cenário?

Uma eventual vitória do candidato democrata Joe Biden à Casa Branca não deve atrapalhar os planos brasileiros. Especialistas consultados pela Gazeta do Povo foram unânimes em dizer que o processo até pode ficar mais lento, mas que Biden, se eleito, não deve retirar o apoio à candidatura brasileira.

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“O Biden pode até ter uma posição ideológica mais próxima da Argentina, mas a Argentina tem a economia do tamanho do estado de São Paulo. Eles [democratas] vão ponderar que o Brasil deve mesmo receber preferência pelo tamanho do mercado e porque a Flórida, em especial, depende muito do turismo e do investidor brasileiro”, diz o economista e analista político Carlo Barbieri. “Não haverá mudança de posição. Pode haver mudança no empenho, mas não interessa beligerância entre eles [Brasil e EUA]. É uma questão de Estado”, completa.

O embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, também afirmou que não espera mudança na posição americana. “Se você olhar os países que estão fora da OCDE, o Brasil de longe é o que mais já incorporou instrumentos. O Brasil está pronto para começar o processo negociador propriamente dito. Eu esperaria, sinceramente, que num possível governo democrata esse apoio fosse mantido, porque há um interesse da organização, um interesse internacional e um interesse estratégico dos Estados Unidos em ter o Brasil como membro pleno da OCDE”, relatou o embaixador em entrevista recente à Gazeta do Povo.

Francisco Américo Cassano, professor de Comércio Exterior e pesquisador em Relações e Negócios Internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie, também afirma que não haverá mudança na posição americana, mas acredita que o processo de acessão vai atrasar, devido à crise econômica do Brasil.

“O processo ficou paralisado em função da pandemia. E o Brasil perdeu muito do conforto que tinha até o começo do ano, quando estava fazendo reformas econômicas, retornando a trajetória de crescimentos O nosso endividamento vai chegar neste ano a 100% do PIB [por causa dos gastos extras com a pandemia]. Tenho a impressão que a própria OCDE fará um movimento para aguardar o processo e revisar o planejamento, tendo em vista os níveis de endividamento brasileiro, que são muito altos para um país em desenvolvimento”, explica Cassano.

Por que o Brasil quer entrar na OCDE

O Brasil já é atualmente parceiro-chave da OCDE, ou seja, coopera voluntariamente com a organização, participando de reuniões e aderindo a recomendações de boas práticas. Porém, o país não está entre os 37 países-membros, que têm direito a voto e que fazem as políticas de recomendação, princípios, acordos e protocolos da entidade.

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O governo quer entrar oficialmente para o “clube dos países ricos” para ter participação mais ativa e ganhar uma espécie de “selo de qualidade”. Países-membros da OCDE tende a ser bem vistos por investidores, pois adotam boas e modernas práticas em várias áreas, como agricultura, economia, educação, emprego, energia, meio ambiente, finanças e investimentos, governança, indústria e serviços, ciência e tecnologia, telecomunicações, tributação e desenvolvimento social e regional.

Os países-membros precisam aderir a uma série de acordos ou recomendações feitas pela OCDE para propagação dessas boas práticas. Com isso, o governo brasileiro vê como um incentivo à implementação da agende de reformas econômicas e abertura comercial, já em curso, que bate com as práticas da OCDE. Também espera atrair mais investidores estrangeiros e ampliar o número de acordos internacionais.

Como está o processo de adesão

O Brasil pediu entrada oficial na OCDE em 2017, dando início ao longo processo de acessão. Desde então, vem trabalhando para aderir aos chamados instrumentos legais – normas, recomendações, protocolos e acordos –, de forma a mostrar que está alinhando às práticas dos países dos blocos.

Segundo a Casa Civil, o país já aderiu a 93 dos 245 instrumentos legais vigentes. Outros 47 encontram-se em processo de análise pelo órgão. Nenhum país candidato é obrigado a aderir a todos instrumentos, mas quanto mais, melhor.

Nesse meio tempo, o Brasil conseguiu também o apoio formal dos Estados Unidos. Porém, o Conselho Ministerial da OCDE, composto dos 37 países-membros, não analisou neste ano nenhum pedido de entrada de países. Isso só acontecerá em 2021.

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Caso o Brasil seja aceito previamente pelos países-membros, em votação que precisa ser unânime, dá-se início ao processo formal de acessão, estabelecendo prazos e termos específicos para o país, além de revisões técnicas e recomendações dos países-membros. Só depois desse processo, que tende a durar dois anos, é que o Conselho da OCDE vota para a adesão de fato – desta vez, final, seguida de votação nos Congressos locais e ratificação do acordo.

Segundo o governo brasileiro, é normal que o processo de acessão, depois da aprovação prévia do Conselho, demore uns dois anos. A velocidade depende diretamente da celeridade para fornecer informações aos Comitês Técnicos da Organização e da capacidade de resposta às recomendações para mudanças na legislação e práticas domésticas. Já a aprovação prévia, pleiteada pelo Brasil, depende de o país conseguir o apoio de todos os membros da OCDE, em especial dos EUA.

“Durante o processo, serão levantados os pontos sensíveis, como aqueles que apresentam conflitos entre a legislação nacional e as diretrizes da OCDE, ou diferenças de visão, que podem ser difíceis de conciliar, a princípio. Nesses casos, poderão ser negociadas reservas, rejeições e/ou observações aos instrumentos legais da OCDE, ou um horizonte de tempo para que o governo se adapte às recomendações. Essa negociação deverá ocorrer durante as conversas entre os comitês e os órgãos técnicos responsáveis”, explica o Planalto.

Veja o passo a passo para entrada de um país na OCDE:

  • Pedido formal de candidatura à OCDE – feito pelo governo brasileiro em 2017;
  • País candidato vai se adequando aos instrumentos legais pedidos pela OCDE. Quanto mais, mais chances de ser aceito previamente no bloco – em andamento;
  • Conselho da OCDE vota para a adesão prévia – sem data, possível que ocorra em 2021;
  • Se aceita à candidatura, é feito um documento chamado “Accession Roadmap”, em que a OCDE estabelece os termos e prazos para adesão, específicos para cada país;
  • Revisões técnicas pela OCDE e encontros com representantes do país para adequações e reservas;
  • Decisão final, por unanimidade, pelo Conselho da OCDE, para acessão do país à organização;
  • Assinatura do Acordo de Adesão à Convenção da OCDE;
  • Aprovação pelo Congresso Nacional e Ratificação do Acordo; e
  • Depósito do Acordo de Adesão (efetivação da filiação junto à OCDE).
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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]