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São Paulo é uma das capitais que mais se beneficiou do socorro federal. Saldo em caixa chega a R$ 19 bilhões.
São Paulo é uma das capitais que mais se beneficiou do socorro federal. Saldo em caixa chega a R$ 19 bilhões.| Foto: Pixabay

Contrariando as expectativas de que este seria um ano de penúria, como resultado dos gastos com a pandemia e a queda na arrecadação de impostos, os municípios vão terminar 2020 com mais dinheiro do que começaram. A explicação está no socorro prestado pelo governo federal para mitigar o impacto da Covid-19.

O pacote, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em maio, assegurou cerca de R$ 120 bilhões aos cofres municipais: foram R$ 60 bilhões de repasses diretos para compensar as perdas de arrecadação e financiar as medidas de combate à Covid-19 e outros R$ 60 bilhões indiretos, oriundos da suspensão do pagamento de dívidas de estados e municípios.

Todos esse dinheiro “engordou” os cofres das prefeituras ao ponto de, em alguns casos, o saldo em caixa representar hoje mais que 50% da receita corrente líquida (RCL), indicador que mede toda a arrecadação das prefeituras.

O maior exemplo é o de João Pessoa, que tem cerca de R$ 1 bilhão em caixa, o equivalente a 66% da receita corrente líquida, de R$ 1,5 bilhão no ano. No ano passado, o caixa correspondia a 49% da RCL.

Entre as 16 capitais com dados levantados pelo economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, Curitiba tem a segunda melhor relação entre saldo em caixa e RCL – 58%. Um ano atrás a relação era de 46%. A prefeitura paranaense tem R$ 3 bilhões nos cofres e uma receita corrente líquida de R$ 5,2 bilhões.

Incremento semelhante ocorreu em São Paulo. A gestão do reeleito Bruno Covas (PSDB) conta com uma receita corrente líquida de R$ 40 bilhões e R$ 19 bilhões em caixa, equivalente a 48%. Em 2019, a relação era de 36%. O Orçamento da capital paulista, o maior do país, é de R$ 69 bilhões.

Manaus apresenta um saldo em caixa equivalente a 48% da receita corrente líquida. No ano passado, o índice era de 29%.

Aumentos significativos se registram também em Belo Horizonte, cujo saldo em caixa representa 42% da receita corrente líquida, e em Salvador, com 51%. Um ano atrás, esses percentuais eram de 26% e 43%, respectivamente.

A prefeitura do Rio de Janeiro, a segunda do país por Orçamento, tem fôlego menor. O saldo em caixa equivale a 13% da receita corrente líquida. A nova gestão de Eduardo Paes (DEM) vai herdar R$ 2,1 bilhões nos cofres e R$ 16 bilhões de receita corrente líquida.

Mendes, do Insper, levantou a situação fiscal dos 29 municípios mais populosos do país, dos quais 16 capitais, a partir de dados do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), do Tesouro Nacional.

As cidades mais beneficiadas pelo socorro

São Luís é a cidade que, em termos percentuais, mais se beneficiou da ajuda da União. A capital do Maranhão conta com um saldo em caixa de R$ 585 milhões, montante 398% superior ao que tinha no fim de 2019. A segunda colocada, sempre em termos percentuais, é Recife que registrou aumento de 204% em 12 meses e hoje tem R$ 666 milhões nos cofres.

Quando se analisa a situação pelo indicador da receita corrente líquida, a maior beneficiada é Goiânia. A capital de Goiás deu um salto de 16,7% em relação ao ano anterior. O prefeito recém-eleito, Maguito Vilela (MDB), vai herdar R$ 3,5 bilhões em 2021.

Entre as capitais, a segunda colocada em aumento percentual é Campo Grande, onde a receita corrente líquida subiu 13,9% e chegou a R$ 2,5 bilhões. Na sequência aparecem Belo Horizonte, com aumento de 13,5% e R$ 7,8 bilhões de receita corrente líquida, e João Pessoa com 12,5% e R$ 1,5 bilhão, respectivamente.

O estudo de Marcos Mendes contempla também cidades populosas como Guarulhos e Campinas, no estado de São Paulo, e São Gonçalo e Duque de Caxias, no Rio, entre outras. Na média, os 29 municípios analisados tiveram aumento de 8,1% na receita corrente líquida e de 77% no caixa.

As cidades mais “pobres”

Apesar de o caixa estar mais gordo na maioria dos municípios, alguns vão enfrentar dificuldades. Fortaleza, por exemplo, tem saldo em caixa de R$ 1,3 bilhão, 10% menos que no ano passado. Belém não registrou nenhuma variação e continua com a mesma quantia no caixa, R$ 230 milhões.

Olhando para a receita corrente líquida, Curitiba é a que registrou a menor variação entre as capitais: o indicador subiu 2,2% na comparação com 2019. A seguir vem Rio de Janeiro com um aumento de 3,6% e Recife, com alta de 3,8%.

Cenário de vacas gordas é ilusão

A radiografia do pesquisador do Insper mostra que o repasse feito pelo governo federal superou em R$ 24 bilhões o impacto da calamidade sobre as contas das prefeituras. O socorro compensou a perda de receitas e o que os prefeitos de fato gastaram no combate da doença.

Mas o cenário de vacas gordas, segundo o economista, é só aparente. "Isso é claramente uma situação transitória. Os novos prefeitos vão assumir em janeiro com o caixa cheio, mas quem resolver queimar esse caixa vai fazer um mau negócio porque existe uma incerteza muito grande no futuro da gestão fiscal das prefeituras", alerta o autor do estudo.

Incertezas pedem cautela

Boa parte do dinheiro de sobra nos caixas municipais se deve à suspensão do pagamento de dívidas com a União e com os bancos. Mendes, porém, alerta que em 2021 os municípios terão que quitar as parcelas desse ano e do próximo. Por isso, é preciso cautela na gestão dos recursos.

Uma das propostas mais populares na última campanha eleitoral foi a implementação do auxílio emergencial municipal para a população afetada pela perda de renda na pandemia. Esse tipo de benefício já é pago em Salvador e Porto Alegre e pode ser implementado em outras cidades, como São Paulo.

Diante do esgotamento do auxílio emergencial federal – que vai pagar a última parcela neste mês –, a tentação de alguns prefeitos é assumir esse compromisso. O que pode resultar numa despesa onerosa para as prefeituras, segundo o especialista.

“A gente não tem a menor ideia de qual vai ser a atividade econômica no ano que vem: se vai ter renovação do auxílio emergencial, se a economia vai entrar em crise por conta da retirada dos incentivos fiscais ou se vai ter algum problema por não conseguir aprovar medidas de reequilíbrio fiscal no Congresso. Corre-se o risco de ter uma perda de receita em 2021”, avalia Mendes.

O economista aponta ainda que o socorro do governo federal aos municípios foi necessário, embora o valor estabelecido – que foi barganhado no Congresso – tenha sido muito elevado, como mostra o estudo. O resultado, avalia, é uma grave deterioração da situação fiscal da União, que gastou demais e corre o risco de não conseguir reequilibrar as contas para honrar a dívida pública no ano que vem.

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