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Lançada há poucas semanas, a campanha Sou Agro ainda não disse a que veio. Movimento pluralista, bancado por empresas e entidades representativas do agronegócio no Brasil, a iniciativa busca o reconhecimento da sociedade organizada para um setor decisivo na composição do PIB e na geração de divisas ao país. Mais do que isso, tem como objetivo integrar e envolver urbano e rural a partir de um conceito de que o agronegócio é campo, mas também é cidade. Que do produtor ao consumidor existe um enorme caminho a ser percorrido, que envolve outras pessoas e segmentos, agentes que compõem a chamada cadeia produtiva.

Mas quem são essas pessoas? Onde elas estão? O que elas fazem? Do que elas precisam? Perguntas, aparentemente fáceis de serem respondidas, mas que se transformaram num dilema. O setor carece ser conhecido e reconhecido como um importante e indispensável instrumento de desenvolvimento econômico e social.

Demanda justa e legítima a julgar o total desconhecimento de certos estratos urbanos da relevância do agro em suas vidas. Por incrível que possa parecer, ainda é preciso explicar que sagu não dá em árvore, que o leite não vem da caixinha e que há vida além da selva de pedra, dos shop­pings, congestionamentos e dos arranha-céus.

Até aí, totalmente válida uma campanha que se propõe a tornar o agro perceptível da rotina do cidadão. Mas a partir daí, rotular o setor não me parece uma estratégia muito simpática, coerente e eficaz. Em um ambiente plural e ao mesmo tempo singular, quando paramos para olhar os diversos e tão diferentes segmentos da cadeia produtiva, pode ser um tiro no pé. Destacar e preservar a essência do processo, que é o produtor, que está no campo e deve ser valorizado, é obrigação. Só é preciso tomar certo cuidado ao impor essa chancela aos demais agentes dessa cadeia. O carimbo Sou Agro é motivo de orgulho para o produtor, pode e deve ser usado por mim, por você e pelo Brasil, no público e no privado, desde que de maneira espontânea.

Entendo e defendo a necessidade da autoafirmação do agro no Brasil e do Brasil como agro. Temos apenas que tomar o cuidado de fazer isso de maneira inteligente, hábil e eficaz. Precisamos primeiro nos conhecer, para então nos fazer conhecidos. Quero dizer que ainda não temos muito claro nosso potencial e nossas estratégicas de posicionamento, nem mesmo de ação no mercado doméstico, imagine então no comércio internacional. Temos tecnologia, qualidade e sustentabilidade, mas não conseguimos ser competitivos. Somos eficientes dentro da porteira, mas nos falta habilidade fora dela. Falta união e mobilização, é verdade, mas também falta direção, clareza e objetividade.

E mais uma vez estamos partindo para a vala comum. Sou Agro! E daí? Eu também. Vivo o agronegócio, uso botina e ando de caminhonete. Ganho a vida tratando disso e me orgulho de atuar na área. Mas não vai ser usando o Lima Duarte e a Giovanna Antonelli como garotos-propaganda que vamos mudar a imagem do campo ou fazê-lo perceptível aos olhos urbanos. O site então tem mais receitas e agendas do que mobilização, conscientização e interação. Nos vídeos – temos de reconhecer – um texto de estufar o peito e gritar: Sou Agro. Mas no cenário e com os personagens a produção parecer ter esquecido onde tudo começa, no campo e com o produtor.

Vai ficar difícil estabelecer uma sinergia se não mostrarmos o produtor. Tudo é agro, diz um dos vídeos que mostra o pão, o queijo, o leite, o caderno, a roupa e o etanol. O material não mostra, porém, que o pão é trigo, que o queijo e o leite vêm da vaca, que o caderno é árvore, a roupa é algodão e o etanol é cana. O agro então sou eu, é você, está na escola e no trabalho, é o Lima Duarte e a Giovanna Antonelli, mas não podemos esquecer que por trás de tudo isso está o produtor. De qualquer forma, o destaque aos produtos agro no cotidiano da população é extremamente válido. Agora, a valorização da imagem do agronegócio deve começar com a valorização do homem do campo.

Aliás, um dilema que também estava presente no Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado na semana passada em São Paulo. As entidades, as campanhas e os governos se apoiam em percepções, por vezes equivocadas, que se traduzem em ações isoladas, sem unidade, limitadas e sazonais. Quem não se lembra da UDR, a União Democrática Ruralista, que na década de 80 liderou um movimento com a bandeira do direito à propriedade ou então do "Tratoraço", quando em 2005 produtores rurais de todo o país "invadiram" Brasília. Foram defesas e reações pontuais, não de causa. Experiências que mostram a força de mobilização do segmento, mas que também revelam a fragilidade em dar continuidade às ações.

Sou Agro, portanto, pode e deve ser uma nova referência, não de rótulo, mas de integração, envolvimento, reconhecimento e conscientização, inclusive da cadeia produtiva, que necessita se conhecer melhor. "O sucesso desta campanha depende da sua adesão. Pessoas como você, que acreditam e conhecem a importância do agro no nosso país. Você está pronto (a) para participar deste movimento?", provoca o site. Antes, porém, é preciso questionar se o movimento está pronto para responder, mobilizar e fazer algo em favor da causa.

Mas independentemente da resposta, uma coisa é certa. Não vai ser com receita de bolo que vamos conseguir fazer o negócio rodar.

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