Em discussão na Câmara dos Deputados, um novo marco do setor elétrico pode pesar no bolso do consumidor, diz Instituto de Defesa do Consumidor| Foto: Valdenir Daniel Cavalheiro/AENPr
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Prestes a ser votado em comissão especial da Câmara dos Deputados, o PL 1.917/2015, ou novo marco do setor elétrico, pode não contar mais com a chamada portabilidade da conta de luz, que permitiria aos consumidores optar pelo seu fornecedor de eletricidade de modo similar ao que acontece com as operadoras de telefonia móvel. O relator, deputado federal Edio Lopes (PL-RR), retirou a possibilidade do seu parecer, mantendo apenas a expansão do mercado livre de energia. O tema entraria em discussão nesta quarta-feira (17), mas, a exemplo de adiamentos anteriores, só deve ser retomado na próxima semana.

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O texto atual prevê que a partir de seis anos da sanção da futura lei (caso aprovada) qualquer usuário — independentemente de o quanto consome — poderá adquirir a energia elétrica no mercado livre. Nele, negociações e pactuação de preços são realizadas diretamente entre consumidor e produtor, por vezes com o auxílio de agentes de comercialização.

Hoje, esta possibilidade está restrita à indústria e empreendimentos de grande porte (como shoppings), mais intensivos em carga. Consumidores com demanda inferior a 500 quilowatts (KW) estão limitados ao mercado cativo, em que a energia é oferecida obrigatoriamente pela distribuidora da região. Com a portabilidade seria um pouco diferente. Nela, uma pessoa que está no mercado da Copel (do Paraná), por exemplo, poderia optar por ser atendida pela Cemig (de Minas Gerais), mas continuaria sujeita aos preços que são autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica.

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Para o ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, a retirada da portabilidade não é, por si, prejudicial, uma vez que o principal ponto a ser alcançado pelas propostas de revisão do setor elétrico em tramitação na Câmara é um mercado livre mais amplo.

"Tendo a maior abertura do mercado livre o próximo passo é a mobilidade", avalia Santana, ainda que perceba dificuldades no emprego da portabilidade de modo similar ao adotado pelo mercado de telefonia, em que o consumidor insatisfeito pode simplesmente trocar de operadora. "Acho inclusive que é a situação ideal, o consumidor poder mudar a qualquer instante, mas é muito conceitual. O setor elétrico é diferente das telecomunicações, com custos de entrada e de saída muito grandes", exemplificou.

Mudança no setor elétrico pode pesar no mercado cativo

De acordo com o relator do projeto, seu parecer acatou sugestões "que contribuem para a modernização do setor elétrico, limitam subsídios suportados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e eliminam redundâncias e conflitos”, disse Lopes à Agência Câmara.

As mudanças, entretanto, preocupam o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Segundo o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, Clauber Leite, há pontos sensíveis que precisam ser discutidos com mais profundidade, uma vez que "é um projeto estruturante" e que trata de temas polêmicos para o setor, como subsídios. Há ainda o risco de que definições de um novo marco possam pesar mais no bolso de alguns, apesar da expectativa de redução na conta para aqueles que migram.

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O entendimento de Leite é de que a abertura do mercado livre de energia barateia, sim, as contas para o consumidor que escolhe a solução, mas que uma expansão sem o devido planejamento poderia produzir o efeito contrário para o conjunto de consumidores que permanecerem no mercado cativo. Seriam vantagens individuais, mas com espaço para prejuízo coletivo.

"Ela pode trazer distorções. A migração do consumidor cativo para consumidor livre precisa que haja um equilíbrio entre os encargos que existem no setor. Um consumidor que sai do cativo para o livre acaba deixando alguns custos para o [mercado] cativo. Conforme vai havendo essa migração quem vai ficando vai ficando com mais custo. Isso precisa ser remediado. O ideal é que haja essa liberalização, mas sem deixar o prejuízo, fazê-lo de forma equilibrada", resumiu.

Na própria comissão especial levantaram-se preocupações com a chance de eventuais prejuízos de distribuidoras ou concessionárias de energia caírem na conta dos consumidores. Com contratos de geração e oferta já firmados para o médio e até longo prazo, elas poderiam ser financeiramente afetadas por uma migração ampla e desordenada para o mercado livre. O rombo, neste caso, poderia ser empurrado para a ponta da linha.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Mercado livre de energia

Outra proposta similar também está em tramitação na Câmara dos Deputados. De autoria do Senado, o PL 414/2021 (anterior 232/2016) prevê a portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras, alterando o marco regulatório do setor elétrico para alcançar um mercado totalmente livre no país. Pelo texto, os consumidores de cargas superiores a 3 mil quilowatts poderiam escolher o fornecedor de imediato e a opção chegaria a todos os consumidores em três anos e meio após a sanção da futura lei, prazo menor do que o previsto no projeto 1.917.

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O texto em discussão na comissão especial tramita em caráter conclusivo, ou seja, a versão aprovada pelo grupo poderá seguir diretamente para o Senado a não ser que haja recurso que peça a análise no plenário da Casa. O projeto trata, ainda, de pontos adicionais sobre o setor, como um regramento específico para as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e medidas de estímulo da geração de energia a partir de resíduos sólidos.

Cronograma do Ministério de Minas e Energia prevê reduções na carga mínima para acesso ao mercado livre de energia a partir de 1º de janeiro de 2022 (para 1.000 kW) e 2023 (500 kW). Vale destacar que consumidores destes portes já têm acesso parcial ao ambiente livre, ainda que com restrições, como a compra de energia gerada de fontes exclusivamente renováveis. O cronograma em questão trata da liberdade geral de atuação, independentemente da fonte da energia e fala em abertura paulatina para os consumidores ainda não contemplados até alcançar totalidade em 1º de janeiro de 2024.

Dados parciais da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apontam que o mercado livre de energia (ou Ambiente de Contratação Livre) contava até o mês de agosto de 2021 com 9.580 consumidores livres e especiais, número que já poderia ser bem maior caso todos os consumidores que se enquadram nas regras deixassem o mercado cativo. O total poderia ultrapassar os 70 mil caso todas as unidades contempladas pela norma atual migrassem, levando a participação de mercado dos atuais 32% para 40% do Sistema Interligado Nacional (SIN).