Veja o que são posições vendidas e o que o Banco Central vai fazer| Foto:

Guerra cambial

Crise provocou disparidades

O Brasil não é o único país que se desdobra para encontrar soluções para a desvalorização do dólar ante a moeda local. Desde a crise econômica de 2008, as principais economias do mundo se veem às voltas com disparidades nas taxas de câmbio, e tentam encontrar fórmulas caseiras para o problema.

O processo foi apelidado pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega de "guerra cambial", durante entrevista ao jornal britânico Financial Times em setembro passado. A mesma expressão foi utilizada pela presidente Dilma Rousseff durante entrevista coletiva em novembro, dias após a vitória nas eleições. Além de garantir que o novo governo trabalharia para combater o problema na economia brasileira, a presidente eleita sugeria também que os atores globais coordenassem esforços para achar uma solução comum.

Um dos principais exemplos dessa "guerra" comumente citado por economistas é o comportamento dos Estados Unidos e da China. Enquanto os EUA imprimem mais dinheiro, desvalorizando o dólar, a China responde mantendo o yuan desvalorizado por decreto, forçando uma espiral para baixo. No meio da disputa, encontra-se a União Europeia. Apesar de ter uma moeda comum, o bloco é constituído por um quebra-cabeça de cenários econômicos distintos.

Para os países emergentes, ocorre ainda o excesso de moeda entrando sob a forma de investimentos. Como os bancos centrais das economias desenvolvidas estão emitindo moeda para combater os problemas causados pela crise, cresce também o aporte de capital de investimento aos emergentes, que passam por um momento de expansão de suas economias.

No último trimestre de 2010, o Brasil adotou medidas inéditas para conter a crescente valorização do real. No início de outubro, o Ministério da Fazenda aumentou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% para 4%, e duas semanas depois houve um novo aumento, para 6%. Além disso, o Banco Central segue realizando compras de dólar para enxugar o excesso da moeda na economia do país.

Osny Tavares

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Opinião

Entreguem suas armas, por favor

Nos filmes de Velho Oeste, havia algumas ocasiões em que todos os personagens tinham de entregar suas armas antes de entrar num recinto – julgamentos ou reuniões comunitárias, por exemplo. O objetivo, nas histórias, era evitar que alguém se exaltasse e impedisse a correta realização do evento. Sem armas, as autoridades presentes tinham mais liberdade para conduzir seus atos sem riscos.

O que o Banco Central fez ontem foi algo parecido. As posições adotadas por bancos no mercado futuro impediam a ação do BC e transformavam as intervenções da autoridade monetária numa espécie de teatrinho: ela não poderia baixar as cotações com medidas de força, porque tais medidas afetariam a saúde financeira de instituições excessivamente expostas aos derivativos. Como é função do BC zelar pela estabilidade do sistema financeiro, isso nunca poderia acontecer.

Ao criar limites para operações futuras com o câmbio, ele ganhou a liberdade de tomar medidas mais fortes para conter a valorização do real. Agora o xerife e o juiz podem tomar conta do recinto.

Franco Iacomini, colunista de Finanças Pessoais

Países atuam para desvalorizar suas moedas ante ao dólar. Veja no gráfico
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A criação de um depósito compulsório sobre as posições vendidas de câmbio no mercado futuro, anunciada ontem pelo governo federal, tende a conter quedas mais fortes do dólar nos próximos meses. Mas, segundo analistas, dificilmente conseguirá manter o câmbio em equilíbrio no médio e longo prazo.

No mercado futuro, o investidor está em "posição vendida" quando acredita que a moeda norte-americana vai cair. Esse tipo de aposta se intensificou nos últimos tempos, colocando ainda mais pressão sobre a cotação do dólar no mercado à vista.

Para aliviar essa pressão, o Banco Central determinou que bancos e fundos de investimento que operam no mercado futuro recolham compulsoriamente 60% do que exceder o menor dos seguintes valores: US$ 3 bilhões em posições vendidas ou o patrimônio da instituição. O dinheiro recolhido ficará no BC, sem receber qualquer remuneração – o que, espera a autoridade monetária, estimulará os bancos a reduzir suas apostas na queda do dólar. A medida entra em vigor em 4 de abril, dando às instituições financeiras cerca de três meses para se adaptar.

Segundo o BC, há 35 bancos com posição vendida e 55 com posição comprada em dólar. O saldo das posições vendidas somava US$ 16,8 bilhões no fim de dezembro, e a expectativa do BC é de que esse montante seja reduzido a US$ 10 bilhões até abril. Estimulado pela medida, o dólar subiu pelo quarto dia seguido, fechando em R$ 1,687.

"A medida tem a clara intenção de evitar ainda mais quedas do dólar. Como os bancos terão mais custos para as operações futuras, o efeito deve segurar a taxa de câmbio", afirma Aquiles Farias, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

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"Se a medida não valorizar a moeda, ao menos vai segurar a queda", opina o economista José Ricardo da Costa Silva, também do Ibmec. "Ela restringe a atuação dos bancos, já que exige recolhimento. A queda nas operações das posições vendidas vai diminuir a oferta de dólar futuro, fato que repercute no mercado à vista. Desta forma, acaba prevalecendo a lei da oferta e procura no dia e o valor da moeda estrangeira deve aumentar."

A avaliação, no entanto, é que a medida é paliativa, com efeito apenas temporário. "O ministro [da Fazenda, Guido Mantega] estragou o mercado quando disse que iria valorizar o dólar. Isso causa posição especulativa. Ele ameaçou, o mercado percebeu e os bancos começaram a trabalhar com provisões futuras. No primeiro momento, causa insegurança. Mas logo o mercado se acostuma e tudo volta ao normal", dispara Alexandre Assaf Neto, professor de finanças da Universidade de São Paulo (USP).

Contenção

Ao instituir o compulsório, o BC busca aliviar a valorização do real, que tem tirado o sono de exportadores e economistas do governo. Em 2010, o BC comprou US$ 41,4 bilhões no mercado à vista de câmbio – bem mais que o "ingresso líquido" de dólares registrado no ano, de US$ 24,3 bilhões – a fim de conter a queda da moeda norte-americana. O governo também triplicou, em outubro passado, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) das aplicações estrangeiras em renda fixa, que passou para 6%. Ainda assim, o dólar recuou quase 8 centavos, cerca de 4%, ao longo do ano.

Embora o dólar desvalorizado seja benéfico para o controle da inflação, ele reduz a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, e mesmo dentro do país, por causa do barateamento dos importados.

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