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Para o deputado Vinicius Poit (SP), líder da bancada do Novo na Câmara, aprovação de relatório com “jabutis” mostra falta de habilidade política do governo “[É] refém do Centrão em uma bola de neve que só tende a aumentar”, diz.
Para o deputado Vinicius Poit (SP), líder da bancada do Novo na Câmara, aprovação de relatório com “jabutis” mostra falta de habilidade política do governo “[É] refém do Centrão em uma bola de neve que só tende a aumentar”, diz.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Quando a Câmara dos Deputados aprovou a medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras, em 19 de maio, um fato foi recebido com surpresa por diferentes alas: deputados do partido Novo, tidos como os mais favoráveis a privatizações, votaram contra a proposta. Entre eles, podem ser citados Paulo Ganime (RJ) e Vinicius Poit (SP), líder da bancada.

A MP 1.031 deve ser analisada pelo Senado nesta quarta-feira (16), possivelmente com modificações em relação ao texto que passou pela Câmara. Se for aprovada com mudanças, voltará para a análise dos deputados.

Procurados pela Gazeta do Povo, Ganime e Poit citaram os motivos que influenciaram o Novo a se posicionar contra a MP da Eletrobras. Durante a sessão, a bancada tentou adiar a votação da medida, com o objetivo de discutir melhor o texto e aprimorar o parecer apresentado pelo relator, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), acreditando que havia tempo hábil para realizar o processo sem os "jabutis" incluídos por ele. A expressão é utilizada quando há inserção, em um texto legislativo, de tópico alheio ao tema central. Uma segunda via pensada pelos deputados era votar o texto original da MP, endereçado pelo Executivo à Casa em fevereiro deste ano, e tido como mais "viável".

Quando há uma MP em tramitação, os deputados votam, num primeiro momento, o texto do relator. Caso haja destaque de preferência, se o texto do relator não for aprovado, os parlamentares votam, na sequência, o texto original da medida.

"Nosso voto foi contrário justamente porque queríamos derrubar o texto do relator, que era muito ruim, para votar, então, o texto da MP original – que não era perfeito, mas ao menos avançava no sentido correto", explica Ganime. O deputado explica que a sigla não iria se "sujeitar aos absurdos incluídos [na MP] pelo relator".

"Somos favoráveis ao processo [de privatização], mas isso não pode se dar com os absurdos colocados no relatório, que vão contra a nossa visão de país e visão para o setor elétrico", diz Ganime.

Na perspectiva da bancada, o texto do relator extrapola os objetivos iniciais da MP ao tratar de incentivos a gasodutos, aumentar o leque de políticas regionais e criar novos subsídios. Segundo os deputados do Novo ouvidos pela Gazeta do Povo, os pontos mais negativos dizem respeito à contratação de termelétricas movidas a gás natural, à concessão do que veem como privilégios a empregados da Eletrobras e o engessamento de recursos futuros da Itaipu.

Agora, a expectativa deles é que o Senado vote o texto original, faça modificações ou mesmo derrube a MP. Essa última opção impossibilitaria o governo de editar nova medida provisória de mesmo teor neste ano. O Plenário da Casa deve apreciar a proposta nesta quarta-feira (16), a partir das 16h.

A MP precisa ter o texto final votado até 22 de junho para não perder a validade. Há tempo "hábil" para apreciar, diz Ganime. "Esperamos que o Senado perceba o problema, reveja e consiga sanar a MP".

Apesar de ver riscos, a bancada do Novo havia aceitado votar o texto original da MP. "Votaríamos a favor do texto original, apesar do risco, sabendo que poderia vir junto uma espécie de 'fantasma', como ocorreu no processo de privatização da Infraero. O objetivo era privatizar, mas acabou sendo criada a Nav Brasil, apenas para deixar as coisas 'embananadas'. Resultado: criou-se a Nav e não privatizaram a Infraero. A impressão é que isso também pode acontecer com a Eletrobras", diz Vinicius Poit. A Nav deve custar, no ano fiscal de 2021, ao menos R$ 25 milhões do Orçamento federal.

A própria base do governo abriu mão do texto do Executivo para apoiar o relatório de Elmar Nascimento. Para Poit, isso revela falta de habilidade política do governo de Jair Bolsonaro, que, em sua perspectiva, é "refém do Centrão em uma bola de neve que só tende a aumentar".

"No fim das contas, o governo precisa comprar governabilidade com esse tipo de coisa, já que não dialoga, não tem trato com as pessoas e só consegue passar as coisa na base de emenda e cargos. [A substituição do texto original pelo relatório do Elmar] acaba sendo um tiro no pé", diz Poit.

Ganime acredita que o Executivo não teve força para "conter o problema e teve que aceitar", já que a possibilidade de não conseguir avançar com nenhuma privatização preocupa Bolsonaro. Em dois anos e meio de gestão, o governo não vendeu nenhuma das 46 estatais de controle direto, as mais importantes; apenas algumas subsidiárias e ativos foram repassados ao setor privado. "Muita gente, nos bastidores, disse que era melhor avançar com isso do que não ter nada", afirma o deputado.

Termelétricas e engessamento de recursos da Itaipu

Quanto ao modelo proposto – de capitalização, a partir da emissão de novas ofertas públicas de ações da estatal que vão reduzir a participação do governo federal na companhia –, os parlamentares do Novo dizem que esperavam algo "mais agressivo", que já garantisse a privatização e tirasse o poder das mãos do Estado. "Mas aceitamos e respeitamos a visão política de quem estava gerenciando o processo", diz Ganime.

Se aprovado o texto da Câmara, os atuais acionistas terão seu capital diluído e o governo federal perderá a posição de acionista controlador. Mesmo assim, a União terá direito a uma golden share – ação de classe especial que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas.

"Na minha perspectiva, é preciso privatizar, mas capitalizar já é um passo. Com isso, as ações da empresa têm chance de valorizar muito e o governo poderia vender o resto, lá na frente, por muito mais dinheiro. E isso seria bom para o Brasil", opina Poit.

No perímetro definido para a golden share em questão, o governo teria, no máximo, o poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. Mas haveria risco de o Congresso deixar uma brecha para que o poder seja ampliado futuramente. "Preferiríamos que essa ação não existisse, pois cria insegurança para o investidor e mantém o papel do Estado na empresa. Contudo, se for bem limitado, o impacto negativo é reduzido", diz o parlamentar.

Mais do que isso, o que realmente preocupa os parlamentares é a previsão, na MP, de contratação de termelétricas movida a gás nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A medida cria uma reserva de mercado ao determinar que sejam contratados, nos próximos anos, 6 mil megawatts (MW) de usinas térmicas e 2 mil MW de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

A proposta, segundo o relator na Câmara, tem o objetivo de "conferir maior segurança energética no cenário de transição decorrente da desestatização da Eletrobras". Para alguns analistas, contudo, essas medidas podem acabar encarecendo as tarifas para os consumidores.

"Mais enviesado que isso, impossível. E, coincidentemente, são termelétricas na região do relator [Elmar Nascimento]", provoca Poit. "Só existem termelétricas na Bahia? E apenas na região do relator? Deveria poder ser no Brasil todo. É preciso deixar livre, para comprar de onde for mais barato, onde houver maior qualidade de serviço. Só por conta disso, já seríamos contra o relatório. Não podemos compactuar."

O governo e o relator também defendem que a MP deve diminuir o custo da energia para os consumidores residenciais. Mas isso é visto pelos deputados com ressalvas. Na semana passada, o Ministério de Minas e Energia publicou uma nota em que afirma que a privatização da Eletrobras pode reduzir em até 7,4% a tarifa de energia.

A informação, porém, foi interpretada como uma tentativa de amenizar críticas de que a medida aumentaria a conta de luz no país. A previsão do governo vai na contramão das estimativas de associações e especialistas do setor, que apontam para um aumento da tarifa de até 10%, equivalente a R$ 41 bilhões.

A diminuição dos custos ocorreria, segundo o governo, principalmente porque R$ 25 bilhões dos recursos oriundos da privatização iriam para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo para o qual contribuem as distribuidoras e que é voltado ao custeio de políticas públicas e alívio das tarifas.

No processo de capitalização da Eletrobras, a hidrelétrica binacional Itaipu e a Eletronuclear não poderão ser privatizadas. Uma nova estatal ou empresa de economia mista deve ser criada para gerir as duas companhias. A partir de 2023, quando os empréstimos e financiamentos da Itaipu devem estar quitados, 75% dos resultados financeiros da companhia serão destinados à CDE. Na opinião dos deputados do Novo, deixar essas "verbas carimbadas" encarece e burocratiza o processo.

"Diante desse governo, só acredito vendo, pois é muita coisa prometida e pouca entrega. Tá cheio de trava, não há flexibilidade para a empresa. Isso, por si só, tira o poder de barganha para negociar no mercado. Não há nada melhor que o livre mercado. Estamos a favor de um setor elétrico que produza energia barata. Hoje, a energia que chega na ponta é cara, justamente por conta de outros absurdos que temos em nosso modelo, agora reforçado por esses jabutis incluídos na MP", afirma Ganime.

Mesmo que a conta "feche", diz o parlamentar, o conceito é ruim, uma vez que tira dinheiro de um lugar para "estancar" um outro buraco – neste caso, o possível ônus com a contratação das termelétricas.

"Isso não pode se dar à custa de interesses políticos e empresariais. Isso é um absurdo. E fazer com que consumidor pague investimento que gera benefício para empresários não faz sentido nenhum", diz ele.

Os outros 25% dos resultados financeiros da Itaipu a partir de 2023 serão direcionados a um programa de transferência de renda do governo federal, ainda não definido, segundo o que foi aprovado. A medida é vista como uma tentativa de burlar o teto de gastos, com a possibilidade de que isso seja copiado em outros processos. Ainda para os deputados, qualquer programa social do governo, em especial de transferência de renda, teria de estar dentro do Orçamento.

"Tem que ser claro, a população tem que entender de onde o dinheiro está saindo e para onde está indo. Quando temos transparência, diminui a possibilidade de medidas populistas", diz Ganime.

Projetos de revitalização e vantagens para funcionários da Eletrobras

Um outro ponto amplamente criticado no que foi aprovado na Câmara é o aumento do leque de beneficiários dos projetos de revitalização. Pelo menos R$ 8 bilhões oriundos da privatização serão destinados a programas regionais. O Ministério de Minas e Energia será responsável pela gestão e definição dos projetos. Serão beneficiárias: a bacia do Rio São Francisco, os reservatórios de Furnas, a bacia do Rio Parnaíba e o Rio Madeira.

Poit afirma tratar-se de ação totalmente política. "Sabemos que os projetos de revitalização são importantes, mas tá na cara que todo o dinheiro é obra política, politicagem eleitoreira já olhando para 2022", diz.

Ganime corrobora e diz que a ação atende a interesses de "feudos políticos". "Não se trata de uma questão democrática, isso é, na verdade, parte do jogo político", diz.

Vantagens para os funcionários da Eletrobras também são criticadas. Sob justificativa de "insegurança jurídica" aos trabalhadores da Eletrobras, o texto aprovado determina que a União reserve parte das ações representativas do capital da estatal a eles.

Funcionários que tenham se desligado da empresa nos últimos dois anos também poderiam ter direito. Os empregados desligados terão o prazo de seis meses após a sua rescisão de vínculo trabalhista, desde que o seu desligamento ocorra durante o ano subsequente ao processo de capitalização, para exercer esse direito.

"Já chega de privilégio que funcionário público tem no Brasil. Vai dar mais?", provoca Poit. O deputado, contudo, vê a medida como uma "concessão" para equilibrar o processo, sendo algo menos nocivo do que a questão das termelétricas, por exemplo.

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