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Entre os 277 atletas que compõem a delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Pequim, 65% competem em esportes cujas confederações usam patrocínio de empresas estatais ou de economia mista. Apenas 15% dos esportistas são de modalidades com apoio privado, enquanto em 20% dos casos os atletas representam confederações esportivas que não dispõem de nenhum tipo de patrocínio.

Os números são de um levantamento realizado pelo G1 em todas as 24 confederações esportivas brasileiras que mandaram atletas para as Olimpíadas de Pequim e revela que, com exceção do futebol, todos os demais esportes de destaque no país são patrocinados pelo Estado (veja tabela no site do G1).

Por outro lado, metade das confederações não tem patrocínio e depende principalmente de repasses da chamada Lei Agnelo/Piva – que encaminha 2% da arrecadação das loterias federais aos esportes olímpicos – para manter suas atividades. Isso atinge principalmente esportes com menor número de adeptos, como esgrima, remo ou tiro com arco.

Domínio estatal

Em números totais, 181 atletas da delegação brasileira defendem nove esportes com patrocínio estatal. Os esportes com apoio privado são apenas três – futebol, tiro esportivo e tênis de mesa –, que reúnem 42 esportistas. Metade das confederações esportivas com representantes em Pequim – 12 – não possuem patrocinadores oficiais. Esse número representa um contigente de 54 atletas.

O levantamento considerou apenas os patrocinadores oficiais das confederações brasileiras, não levando em conta acordos de fornecimento de material esportivo ou cessão de espaço para treinamento. O fato de atletas disputarem modalidades sem patrocínio também não significa que eles não sejam profissionalizados: a maior parte dos esportistas de ponta possui contratos individuais de patrocínios com empresas ou então recebem uma bolsa de sua confederação ou do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

No entanto, a predominância do patrocínio estatal em modalidades de ponta significa não só a falta de oportunidades para empresas privadas exporem suas marcas em eventos de grande audiência. Isso também limita a expansão das categorias menos populares, de acordo com especialistas ouvidos pelo G1.

Monopólio estatal

"Hoje as empresas públicas têm praticamente um monopólio das grandes seleções nacionais. Acho que, como controlador dessas empresas, o governo exerce seu poder para manter isso, e não dá as mesmas oportunidades para as privadas. Não é ilegal, mas é imoral na minha opinião", afirma o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Emílio Carneiro.

Para Antônio Afif, autor do livro "A Bola da Vez - O Marketing Esportivo como Estratégia de Sucesso", o predomínio das estatais "acontece devido a uma ligação mais estreita entre os presidentes de confederações com pessoas ligadas ao governo". "O retorno desse patrocínio é altíssimo, especialmente em ano de Olimpíadas, e o governo reserva tudo para si", completa Carneiro.

Já para Claudinei Santos, coordenador do curso de marketing esportivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), existe nos órgãos governamentais uma visão de que o Estado deve ter um "grau de responsabilidade" no apoio aos esportes. "Evidentemente, isso também é bom para a imagem das empresas estatais", explica.

Os especialistas apontam que, conceitualmente, não é o fato de empresas públicas patrocinarem uma confederação esportiva que é problemático. "O esporte como instrumento de marketing é positivo, é uma parceria onde ganham os clubes e as empresas. Não vejo nada de mais que as empresas, mesmo que públicas, queiram usar os esportes olímpicos para se aproveitar disso", diz Carneiro.

Segundo o professor da Dom Cabral, o problema é outro: "Tem várias empresas privadas que investem em times, mas não conseguem chegar às seleções. O porquê disso para mim é uma caixa preta. O retorno de um selecionado é maior sob todos os aspectos, sobretudo em ano de Olimpíadas. E empresas que poderiam ajudar muito mais o esporte, e ter um retorno disso, estão obrigadas a ficarem de fora desse negócio", analisa.

Um negócio chamado esporte

E o patrocínio esportivo é, sem dúvida, um belo negócio. Embora não existam ferramentas consolidadas para calcular a taxa de retorno efetiva do valor investido, a unanimidade dos especialistas é que a associação empresas-esporte é altamente rentável. "A televisão transmite em média por ano 33 mil horas de esporte no Brasil. É um espaço enorme. Comparando, sai muito mais barato exibir a marca através do marketing esportivo do que comprar um horário correspondente na TV", diz o autor de "Bola da Vez".

"O marketing esportivo é associado a uma boa imagem. É sinônimo de força, de saúde. Junto com a música, o esporte é a forma que mexe com a emoção das pessoas. Isso faz com que ele consiga penetrar junto ao público-alvo de maneira muito boa, porque entra bem na hora que o torcedor está aberto para mensagens", ressalta Afif.

"Os patrocinadores buscam no esporte uma forma de estabelecer relação entre seus produtos e o esporte. Por exemplo, uma empresa de energéticos não vai patrocinar um esporte ‘calminho’, e sim um mais agitado. Isso gera uma identificação com o público-alvo da empresa", explica Claudinei Santos, da ESPM.

Outra vantagem apontada é o fato de que o patrocínio de uma seleção não cria antagonismo entre consumidores, como acontece algumas vezes nos clubes. Em Salvador, por exemplo, a mesma empresa patrocina tanto o Bahia quanto o Vitória – rivais no futebol – para evitar a perda de mercado junto aos torcedores adversários.

Segundo os especialistas, é com base nesses conceitos que o patrocínio de esportes olímpicos se torna uma grande oportunidade para empresas. "Eventos mundiais proporcionam uma exposição mundial", relata Santos. "Então, patrocinar um esporte olímpico é algo que gera um retorno quase garantido."

Apoio para crescer

De acordo com os analistas, o fato do governo priorizar o patrocínio dos esportes de ponta – aqueles que poderiam atrair patrocinadores privados – acaba por deixar sem apoio os esportes com menor exposição, que tem mais dificuldade em gerar interesse da iniciativa privada para poder crescer e aumentar seu número de praticantes.

"A lei de mercado também vale para o patrocínio. O espaço na mídia para esportes coletivos e mais conhecidos é maior do que para esportes individuais com menos adeptos. E, se não há um grau de exposição adequado, o patrocínio deixa de valer a pena", avalia Santos, da ESPM, explicando a razão pela qual metade das confederações esportivas não tem um patrocinador oficial.

É a mesma opinião de Afif. "Naturalmente, esportes mais populares acabam canalizando as ações de marketing. Eles proporcionam uma retorno na visualização, que é justamente o que as empresas buscam. É muito mais difícil patrocinar um atleta que faz arremeso de martelo, por exemplo, porque não se vê campeonatos desse tipo na televisão", exemplifica.

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