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Governos petistas adotaram incentivos a montadoras para aquecer economia no passado. Retomada de desonerações, porém, contraria discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Governos petistas adotaram incentivos a montadoras para aquecer economia no passado. Retomada de desonerações, porém, contraria discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.| Foto: Bigstock

O governo federal deve anunciar na quinta-feira (25), Dia da Indústria, um pacote de medidas para baratear carros ditos populares e estimular a cadeia automotiva, reciclando uma política adotada em gestões anteriores. Entre as ações previstas está a redução de impostos para o setor, na contramão do que defende o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, crítico do volume de incentivos tributários no país.

Desonerações para montadoras estiveram entre as principais ferramentas de governos petistas para aquecer a economia, e são mais uma iniciativa do passado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decide retomar na atual gestão.

No segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff (PT), o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, tornou-se praticamente um garoto-propaganda do setor. Em entrevistas coletivas, chegou a incitar consumidores a correr às concessionárias antes que terminasse o incentivo tributário.

Hoje o principal interlocutor do setor é o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e reabriu as portas do governo às demandas das montadoras.

Por "carro popular", governo avalia crédito à indústria, corte de imposto e juro subsidiado ao consumidor

Segundo as informações que vieram a público até agora, o principal objetivo do novo pacote é viabilizar modelos no mercado com valores entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. Hoje, os veículos de passeio mais baratos à venda no Brasil são os compactos Fiat Mobi e o Renault Kwid, com motor 1.0, ambos comercializados por R$ 69 mil na versão mais básica.

Conforme informações já apuradas por diferentes veículos de imprensa, o plano incluiria linhas de crédito para a indústria, corte no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e estímulo à nacionalização de bens manufaturados. O governo estaria ainda tentando convencer governadores a reduzirem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual.

Para o consumidor, devem ser anunciados juros subsidiados para o financiamento de veículos, além de prazos mais longos para o pagamento das parcelas. Uma das ideias em discussão é permitir o uso de parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como uma espécie de garantia em caso de inadimplência.

No fim de 2021, a equipe econômica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estudou lançar um programa de microcrédito que utilizaria recursos do FGTS como garantia, mas a iniciativa não foi adiante. À época, membros do Conselho Curador se disseram surpresos com a proposta, para a qual não haviam sido consultados previamente.

A ideia do governo Lula de recorrer ao Fundo de Garantia para movimentar o comércio de automóveis embute uma contradição. Ela é ventilada ao mesmo tempo em que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, fala abertamente em acabar com a antecipação do saque-aniversário, uma das modalidades de crédito mais baratas do país e que usa justamente o FGTS como garantia.

No pacote que será anunciado nesta semana, o governo cogitou dar incentivos à produção de modelos movidos exclusivamente a etanol, mas a ideia teria sido rejeitada pelas montadoras, que alegaram dificuldade para novos investimentos e que motores flex, em produção, já podem rodar movidos apenas a álcool combustível.

Apesar disso, o pacote deve contemplar estímulos à produção local de carros menos poluentes, incluindo híbridos e elétricos, utilizando a eficiência energética como um dos critérios para a concessão de benefícios tributários. Ainda como forma de incentivar a fabricação em território nacional desses modelos, o Imposto de Importação sobre carros elétricos, que está zerado desde 2015, seria retomado gradualmente.

O plano não se limitaria a modelos de entrada, podendo baratear automóveis de até R$ 100 mil, que retirariam o mínimo possível de itens opcionais.

Durante a primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, no início do mês, Lula criticou os preços dos automóveis no Brasil. “Qual pobre que pode comprar carro popular por R$ 90 mil? Um carro de R$ 90 mil não é popular. É para a classe média”, disse.

As medidas devem ser anunciadas em um evento marcado para as 9h de quinta-feira, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). No dia 15, durante participação no 5.º Fórum Paulista de Desenvolvimento, Alckmin disse que o governo preparava “boas notícias” para o dia 25.

Segundo a Fiesp, estão confirmadas as presenças de Lula, Alckmin, Haddad e do presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Também estará presente o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite. O evento será encerrado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Incentivo a montadoras contraria intenção de Haddad de cortar benefícios fiscais

A desoneração ao setor vai contra o que defende o ministro da Fazenda, que, na busca por novas fontes de receita, já disse ter a meta de cortar um quarto das renúncias fiscais concedidas a determinados setores, o que geraria aproximadamente R$ 150 bilhões em arrecadação adicional.

Os resultados da medida também são controversos. Benefícios fiscais concedidos a montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste por meio das chamadas Políticas Automotivas de Desenvolvimento Regional (PADR), já custaram mais de R$ 50 bilhões aos cofres públicos desde 2010, sem os efeitos esperados, segundo auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria Geral da União (CGU).

O programa foi implantado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e sucessivamente prorrogado pelo Congresso, e agora tem validade até o fim de 2025. Segundo a auditoria conjunta do TCU e da CGU, as políticas “tiveram impacto pequeno e localizado no PIB per capita, no emprego geral e no emprego técnico-científico, não contribuindo assim para o desenvolvimento regional, seu maior objetivo”.

Entre 2017 e 2021, a renúncia foi de mais de R$ 5,6 bilhões por ano com as PADR, em média. “Um custo que é redistribuído para todos os demais pagadores de impostos”, apontaram os auditores.

A indústria automobilística, no entanto, defende as iniciativas e espera que o novo pacote de medidas ajude a recuperar setor, em estagnação desde o início da pandemia, em 2020. No momento, várias montadoras estão com a produção suspensa temporariamente ou cortaram turnos de trabalho nas fábricas em razão de problemas de fornecimento de componentes e da baixa demanda.

“Tudo o que for feito para aquecer o mercado é muito bem-vindo, respeitando-se requisitos importantes”, disse ao jornal O Estado de S.Paulo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite.

Montadoras contam com incentivos do governo há quase 70 anos

Incentivos à indústria automotiva são prática de governos brasileiros desde a década de 1950, quando o então presidente Juscelino Kubitschek concedeu tratamento cambial diferenciado para a importação de máquinas e equipamentos para a Ford se instalar no país.

Desde a redemocratização, medidas nesse sentido foram adotas ainda pelos ex-presidentes Fernando Collor, que isentou impostos para montadoras para conter a inflação, e Itamar Franco, que zerou o IPI de modelos básicos e, em 1993, fez a Volkswagen retomar a produção do Fusca, que estava suspensa desde 1986.

Anos mais tarde, reduções temporárias do IPI para veículos foram adotadas pelo governo Lula como políticas "anticíclicas" para sustentar a economia do país após o choque da crise financeira global do fim da década de 2000.

Em dezembro de 2008, Guido Mantega anunciou cortes no imposto que inicialmente durariam até março de 2009, mas foram sucessivamente prorrogados e só terminaram em março de 2010. O ministro repetiu a receita no governo Dilma, com novas reduções de IPI entre 2012 e 2014.

Essas desonerações ajudaram o setor a manter empregos e elevar a produção, que alcançou níveis recordes. Porém, as medidas foram ao mesmo tempo um caso típico de "escolha de vencedores". Em vez de promover uma redução geral e linear de impostos, o governo optou por estimular uma indústria específica, dona de um dos mais poderosos lobbies do país. "Viciado" em benefícios, nos anos seguintes o setor demonstrou grande dificuldade de crescer sem algum tipo de estímulo oficial.

Outra política pública para as montadoras foi o Inovar-Auto, lançado por Dilma em 2012. O programa concedia redução de IPI para empresas que se comprometessem com investimentos em pesquisa e desenvolvimento e com metas de eficiência energética.

Havia ainda requisitos mínimos de conteúdo local, o que levou a Organização Mundial do Comércio (OMC) a condenar o Brasil por prática ilegal de comércio exterior. As montadoras, porém, voltaram a pressionar o governo por uma nova "política industrial" e em 2018 Michel Temer (MDB) reeditou a iniciativa com ajustes, sob o nome de Rota 2030.

No governo Bolsonaro não foram editados novos benefícios específicos para o setor automotivo. A redução de 35% no IPI realizada em 2022 foi linear, válida bens industrializados em geral – e não apenas veículos.

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