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“Jabutis” inseridos na MP da crise hídrica vão resultar em custo de R$ 46,5 bilhões a ser pago pelo consumidor. Desse total, R$ 33,2 bilhões financiariam a construção de gasodutos.
“Jabutis” inseridos na MP da crise hídrica vão resultar em custo de R$ 46,5 bilhões a ser pago pelo consumidor. Desse total, R$ 33,2 bilhões financiariam a construção de gasodutos.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

A conta de energia elétrica residencial – que ficou 25% mais cara nos últimos 12 meses, segundo o IPCA-15, do IBGE – pode aumentar ainda mais. Isso porque a medida provisória 1.055, conhecida como "MP da crise hídrica", pode gerar um custo adicional de dezenas de bilhões de reais que serão embutidos na conta de luz dos brasileiros. Mais especificamente R$ 46,5 bilhões, segundo estimativa da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace).

A medida está na pauta de votações da Câmara dos Deputados nesta semana. Chegou a constar da agenda desta segunda-feira (4), mas acabou não sendo discutida.

A MP 1.055 foi editada pelo governo federal com o objetivo de centralizar as medidas de enfrentamento à crise hídrica no país na Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), um comitê interministerial. O prazo de validade para apreciação da matéria no Congresso acaba em 7 de novembro. Se não for votada até lá, a medida "caduca", isso é, perde a validade. Quando isso ocorre, o governo fica proibido de editar proposta semelhante pelo prazo de um ano. Pelo menos 248 emendas foram propostas à MP 1.055.

Essa conta de R$ 46,5 bilhões, a ser paga por todos os consumidores, não existia na versão original da MP da crise hídrica. Ela é decorrente de alterações promovidas pelo relator, Adolfo Viana (PSDB-PA), que foram consideradas "jabutis" – jargão utilizado quando artigos sem relação alguma com a proposta original são inseridos em uma proposta legislativa.

O principal componente dessa fatura diz respeito ao financiamento de gasodutos para termelétricas. Sozinho, esse item pode custar R$ 33,2 bilhões, segundo a Abrace.

O incremento na conta de luz deve ocorrer pelo seguinte motivo: em seu relatório, Viana define que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) poderá "estabelecer mecanismos vinculados às tarifas de transmissão" para financiar os gasodutos associados à contratação de reserva de capacidade.

Embora a proposta não especifique que gasodutos são esses, há quem veja no dispositivo uma relação com outra medida provisória – a que autorizou a privatização da Eletrobras. Aprovada no Congresso Nacional e já sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a medida provisória – convertida na lei 14.182 – havia ganhado outros jabutis durante a tramitação no Legislativo. Um deles determinou a contratação de 8 mil megawatts (MW) de geração termelétrica movida a gás por 15 anos em regiões que hoje não contam com oferta de gás natural, sendo necessária, portanto, a construção de gasodutos para levar o combustível até lá.

Mas a MP da privatização da Eletrobras não definia quem seriam os responsáveis por financiar a construção dos dutos, relegando isso a uma regulamentação posterior. Na visão de alguns especialistas, o que o relator fez agora na MP da crise hídrica foi justamente definir quem deve bancar a conta: os consumidores de energia.

A manobra contraria discurso do governo federal, que, ao longo da tramitação da MP da Eletrobras no Parlamento, afirmou que a proposta geraria "alívio" nas tarifas, além de conferir maior segurança energética ao país. Pelos cálculos do governo, a privatização da Eletrobras, da forma como foi aprovada pelo Congresso, provocaria uma redução média de 7,4% na conta de luz.

Outros "jabutis"

O financiamento de gasodutos não é o único jabuti inserido na MP da crise hídrica. Há outras três medidas do gênero que, juntas, terão impacto aproximado de R$ 13,5 bilhões nas faturas, segundo a Abrace.

Em seu relatório, o deputado recupera um item que chegou a ser incluído na MP da Eletrobras durante a tramitação no Congresso, mas acabou sendo descartado após críticas: o aumento do prazo para subsídio ao carvão mineral para usinas termelétricas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) até 2035. Esse subsídio está previsto para terminar em 2027. Pelas contas da Abrace, isso deve gerar um custo de R$ 2,8 bilhões aos consumidores.

"Com o objetivo de propiciar uma transição gradual da indústria mineira de carvão e atenuar impactos econômicos e sociais em muitos municípios da região Sul, julgamos necessário estender o prazo para uso de recursos da CDE na promoção da competitividade da energia elétrica produzida a partir do carvão mineral nacional de 2027 até o final de 2035", diz Viana em seu parecer.

O relatório do deputado também modifica um outro item previsto na MP da Eletrobras, ele aumenta o prazo dos contratos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) de 20 para 25 anos. O impacto dessa medida deve ser de R$ 700 milhões, estima a associação.

Em outro ponto, Viana estabelece, em seu relatório, a extensão da prorrogação dos contratos das usinas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) por 20 anos sem redução imediata de preços. O programa incentiva a contratação de fontes alternativas de energia, como a eólica, mas o preço pago pela energia dos projetos do Proinfa está acima do de mercado, gerando custo adicional para os consumidores, segundo especialistas. A medida, segundo a associação, vai gerar um custo de quase R$ 10 bilhões.

"O impacto da extensão é de R$ 8 bilhões se comparado a lei de privatização da Eletrobras. Empreendedores poderão ainda aumentar a entrega de energia a preços fixados sem competição. Para cada 10% de aumento da entrega de energia, o custo do PROINFA aumenta em R$ 1,9 bilhão, se comparado com a realização de uma nova chamada pública a CME energia", diz a Abrace.

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