Meta de zerar déficit em 2024, proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi sancionada por Lula há apenas dois meses| Foto: André Borges/EFE
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Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter atribuído à ganância do mercado a cobrança por uma meta “que eles sabem que não vai ser cumprida”, o objetivo de zerar o déficit primário em 2024 foi estabelecido por sua própria equipe econômica. O chefe do Executivo, aliás, sancionou a lei que cria o novo marco fiscal – e o alvo a ser perseguido no próximo exercício – há apenas dois meses, após muita negociação para sua aprovação no Congresso.

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Desde que propôs equilibrar o resultado primário já a partir do ano que vem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem sendo desacreditado por grande parte dos analistas econômicos, que consideram a meta inviável. Ele defende que atingirá o resultado a partir de uma série de medidas que visam elevar a arrecadação.

Na última sexta-feira (27), no entanto, foi próprio Lula que disse que “dificilmente” o resultado primário zero será alcançado em 2024. “Até porque eu não quero fazer cortes em investimentos”, justificou o presidente. “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras.”

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Não foi a primeira vez que Haddad foi alvo de “fogo amigo” dentro do governo ou do próprio partido. Nesta segunda-feira (30), ele foi questionado sobre as declarações de Lula, mas desconversou sobre a possibilidade de rever a meta fiscal. “Minha meta está estabelecida”, disse. “Vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias para que nós tenhamos um país melhor”.

O ministro ainda afirmou que algumas medidas de aumento de receita que estavam previstas para o próximo ano “talvez tenham que ser antecipadas” para o atual exercício. “Eu vou anunciar as medidas quando elas forem validadas para o presidente da República”, disse.

Uma das principais críticas de economistas em relação à política fiscal do governo Lula é a ausência de ações que reduzam as despesas públicas. No lugar do teto de gastos, a equipe econômica apresentou uma regra que estabelece uma espécie de “piso de gastos”, uma vez que prevê um crescimento anual, acima da inflação, de pelo menos 0,6% nas despesas, ainda que as receitas caiam.

“O freio é também um acelerador”, comparou Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à época em que a proposta veio à público.

Apesar de o orçamento federal para gastos discricionários estar em grande parte “engessado”, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontaram potencial de até R$ 700 bilhões de despesas que poderiam ser cortadas em dez anos.

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Fora a indiferença com o controle de gastos, o esforço da equipe econômica no sentido de elevar a arrecadação pode acabar se mostrando infrutífero, já que depende na maior parte dos casos da colaboração do Judiciário ou do Congresso, onde o Planalto tem lutado para conquistar maioria a cada votação.

Há pelo menos R$ 168 bilhões previstos no Orçamento de 2024 que dependem dos demais Poderes para se materializarem. Mas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considera que mesmo que as medidas de concretizem, as estimativas de aumento de arrecadação não seriam alcançadas.

Isso sem contar o fato de os gastos calculados para o ano que vem na peça orçamentária também fugirem da realidade, em sua avaliação. “Por baixo, são quase R$ 20 bilhões de despesas subestimadas, em um contexto em que a receita está superestimada”, disse o economista em entrevista recente à Gazeta do Povo.

Outro aspecto questionado por especialistas em contas públicas é a falta de rigidez em relação à necessidade de observância às metas. Mesmo após mudanças na Câmara e no Senado, a nova regra deixa o presidente da República livre de imputação de crime de responsabilidade caso descumpra os objetivos fiscais.

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Em vez disso, há previsão de gatilhos para ajuste ao longo do exercício e uma limitação maior ao crescimento dos gastos se a meta não for atingida. Mas caso não consiga zerar o déficit primário em 2024, conforme estabelece a lei que instituiu o novo arcabouço, Lula só precisará frear as despesas em 2026.

Nesta terça-feira (31), a Comissão Mista de Orçamento (CMO) deve votar o relatório preliminar do Projeto de Lei Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 e abrir prazo para emendas à proposta. Caso o documento inicial seja aprovado, o governo ainda poderá mudar a meta fiscal do ano que vem, porém por meio de envio de ofício ao relator, não mais por mensagem modificativa.

Em setembro, o relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), disse em audiência na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) ter “dó” de Haddad em razão de seu esforço para atingir a meta de zerar o déficit primário.

“Uma pessoa que eu tenho dó hoje no Brasil é do Haddad, porque ele faz o discurso de meta fiscal zero, mas todos sabem que é quase impossível meta fiscal zero diante de uma situação de conjuntura econômica difícil que nós estamos vivendo e ainda mais com essa quantidade enorme de gastos públicos que todo dia chegam na conta da gente”, disse o parlamentar.

Apesar disso, o deputado já sinalizou que não partirá do Congresso uma proposta de uma modificação na meta, que, segundo ele, deve surgir por iniciativa do Executivo.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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