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Segundo o economista Erik Figueiredo, ex-presidente do Ipea, reforma tributária prejudica setor de serviços e pode causar perda de 500 mil empregos.
Segundo o economista Erik Figueiredo, ex-presidente do Ipea, reforma tributária prejudica setor de serviços e pode causar perda de 500 mil empregos.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

A proposta de unificação de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS em um Imposto de Valor Agregado (IVA) dual, apresentada pelo Grupo de Trabalho (GT) da reforma tributária na Câmara dos Deputados na terça-feira (6), pode ter como consequência direta o aumento do desemprego e, assim, impactar negativamente a atividade econômica do país.

A conclusão é do economista Erik Figueiredo, que presidiu o Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) em 2022 e hoje é diretor-executivo do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), ligado ao governo de Goiás. Uma das críticas do economista ao relatório do GT da Câmara é que a proposta afeta diretamente o atual modelo de recolhimento de impostos de entes subnacionais.

De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional, a carga tributária do país em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 32,51% em 2020. Naquele ano, a União foi responsável por 67% dos impostos. A reforma proposta no GT e apoiada pelo governo federal, enquanto isso, deve impactar principalmente os tributos recolhidos por estados e municípios.

Segundo cálculos de Figueiredo, para cada R$ 1 de imposto passível de ser modificado pela reforma proposta, R$ 0,65 são da arrecadação estadual e municipal. “Claramente o governo federal propõe um sacrifício de todos os entes, sem fazer o próprio dever de casa. O governo federal não corta na própria carne”, diz.

“Quando avaliamos a reforma sob a ótica da importância do imposto alterado para a arrecadação de cada ente envolvido, notamos que a proposta pretende modificar 82,3% da arrecadação dos estados, 42,5% da arrecadação dos municípios, e somente 20,6% da arrecadação federal”, explica.

O economista discorda da proposta de se eliminar ao máximo incentivos e renúncias fiscais, concedidos principalmente por estados.

“Costuma-se dizer que os estados dão muito benefício fiscal, mas por que se opta por esse modelo? Porque o custo Brasil é elevadíssimo”, diz. “Então, na verdade, os estados estão meio que atenuando o custo Brasil, que vem, em parte expressiva, do governo federal, responsável por 67% da carga tributária no Brasil”.

“Estão invertendo causa e efeito. Não existe benefício fiscal porque os estados são bonzinhos, mas porque você tem um custo Brasil muito alto e se os estados não agirem para atrair o investimento, eles não vão conseguir gerar emprego nas suas regiões”, afirma. “A reforma não está levando isso em consideração”.

Economista põe em dúvida tese de que economia vai crescer após adoção do IVA

No relatório do GT da Câmara, apresentado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), considera-se ainda que a reforma teria o potencial de acelerar o crescimento do PIB, de modo que o aumento da atividade econômica compensaria a diminuição percentual do bolo arrecadatório da maioria dos estados e municípios que teriam redução nas receitas. “É evidente que os municípios mais pobres vão ganhar mais que os mais ricos. Mas o mais rico também vai ganhar”, declarou Ribeiro.

Segundo uma nota técnica publicada pelo Ipea no fim de maio, caso a regra de transição da reforma seja "longa s suave" e as novas regras gerem crescimento econômico acima da média histórica do país, até 98% dos municípios do país, onde vive 99% da população brasileira, tendem a ganhar arrecadação num período de 20 anos. Mas, se a reforma não gerar avanço adicional do PIB, o estudo estima que os ganhos de arrecadação vão ocorrer em 84% dos municípios do país, onde reside 61% da população.

Figueiredo põe em dúvida a hipótese de que a reforma vai necessariamente incrementar o PIB. “Isso é baseado em um modelo que ninguém sabe de fato se funciona, se foi calibrado da forma correta”, diz o ex-presidente do Ipea. “Quando você olha a evidência internacional, não consegue encontrar nenhuma experiência concreta que de fato observe isso”.

O economista comparou a taxa de crescimento de países que usam o IVA cinco anos antes da adoção do imposto e cinco anos depois. Em média, o crescimento no quinquênio anterior foi de 1,7%, enquanto que no pós-IVA o ritmo de aumento no PIB foi de 1,1%. No caso da Argentina, o avanço do indicador nos dois períodos foi de 4,6% e de 2,1%, respectivamente.

“Então, na verdade, houve uma desaceleração nesses países. Só no Brasil que está garantido esse crescimento?”, questiona. “Evidente que não estamos discutindo uma relação de causa e efeito aqui. Há muitas particularidades que podem determinar o sucesso ou não do IVA nos diferentes países. Mas são justamente essas particularidades que estão sendo colocadas de lado neste momento”, ressalta.

“Nosso principal ponto de crítica é que se está conduzindo um tema extremamente complexo sem levar em consideração uma série de efeitos”, afirma. “Nesse ponto, não estamos propondo um modelo alternativo, mas trazendo uma discussão ao que está sendo proposto hoje sem o aprofundamento devido a partir de evidências reais, concretas”.

Setor de serviços deve ser o mais afetado pela reforma tributária

Uma das diretrizes definidas pelos deputados para nortear o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária diz que a alíquota do IVA deve ser única, com permissão para diferenciações em casos específicos.

“Dessa forma, adota-se um sistema eficiente, fundamentado nas melhores práticas do IVAs internacionais, mantendo-se a simplificação e a segurança jurídica e afastando o contencioso sobre a correta classificação fiscal de diversos bens e serviços”, diz trecho do relatório do GT da Câmara.

O documento defende que alíquotas diferenciadas devem ser aplicadas apenas a determinados casos, porém evitando-se “sua aplicação a setores da economia como um todo”.

Hoje a incidência de impostos varia significativamente de setor para setor da economia. Enquanto o de serviços tem carga tributária inferior, produtos como energia elétrica, gás natural, petróleo e combustíveis e produtos do fumo arcam com mais tributos.

Considerando a manutenção da carga tributária total atual, setores como educação privada, saúde privada, água esgoto e gestão de resíduos, além de outros serviços, seriam muito prejudicados com elevação de impostos. No total, os setores considerados “perdedores” na reforma empregam hoje 37,2 milhões de pessoas.

Partindo de um modelo que correlaciona a elasticidade do emprego em relação à carga tributária, calculada para 30 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Figueiredo calculou que haveria uma perda de cerca de 500 mil empregos formais. “Isso é saldo. Tem setores que vão ganhar e vão contratar mais, enquanto os que perdem vão demitir”, explica.

“Fora toda a cadeia de efeitos que isso gera: demissão em massa gera menos consumo, o que gera mais desemprego, e assim você entra em um ciclo vicioso”, diz. “Tem que ter em mente que a área de serviços, que é quem gera o grosso do emprego no Brasil, vai ser impactada”.

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