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O Estado deve atuar como provedor de educação pública? Muitos defendem que sim, baseados na ideia de que ao prover educação para um indivíduo, externalidades positivas são produzidas; ou seja, não apenas aquele que recebe a educação é beneficiado, mas também a sociedade como um todo. 

Uma dessas externalidades positivas seria uma sociedade mais produtiva, mais participativa politicamente e mais comprometida com o futuro da nação. Para os que defendem a educação pública, através da provisão estatal de escolarização, as externalidades positivas seriam tão impactantes que seria irresponsabilidade de um governo simplesmente se abster e delegar à iniciativa privada a função de construir e gerir escolas.

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A partir dessa conclusão, qualquer um que se opusesse à provisão estatal de escolarização não estaria apenas contra escolas públicas, mas também e principalmente, contra o fortalecimento de uma nação democrática, mais produtiva e baseada no respeito aos deveres cívicos e no real engajamento político de todos. Ser contra a escola pública seria, portanto, defender que apenas uma elite pudesse participar e se beneficiar da construção da nação. 

Mas e se recursos públicos utilizados na rede privada resultarem em externalidades positivas mais significativas do que as que advém de escolas públicas? E se, ao contrário das expectativas dos estatistas, escolas públicas se mostrarem incapazes de prover o retorno educacional, cívico e social à sociedade com a eficiência que escolas privadas podem fazer? 

Ora, se o que se busca é a garantia dessas externalidades positivas, qual deveria ser a ação responsável de um governo diante da possibilidade de obtê-las em maior escala e gastando menos recursos da sociedade? Qual deveria ser o posicionamento coerente daqueles que dizem defender uma sociedade melhor para todos? 

Pois bem, já há estudos que mostram que sistemas em que recursos públicos são utilizados para financiar escolas privadas, através de vouchers, por exemplo, produzem mais externalidades positivas que aqueles em que tais recursos são obrigatoriamente usados em escolas públicas.  

Corey deAngelis, analista de política educacional do Cato Institute’s Center for Educational Freedom, publicou recentemente uma pesquisa que traz uma análise sobre externalidades positivas e negativas resultantes da provisão de educação através de escolas públicas comparadas com aquelas obtidas em escolas privadas, através de um sistema de vouchers. 

Na comparação entre esses dois sistemas, o estudo cobre três aspectos: o nível do desempenho acadêmico, os custos sobre os pagadores de impostos e a coesão social. Embora o autor traga recomendações que vão além da simples adoção de um sistema de vouchers, que limita o financiamento da educação ao financiamento de escolas, vou me ater ao mais simples aqui.  

Em relação ao primeiro aspecto, o desempenho acadêmico, a externalidade que se espera, é cidadãos melhor capacitados para fornecer serviços e produtos de alta qualidade. Escolas de alto nível, ao final do processo, produzirão, por exemplo, melhores médicos e melhores professores que, por sua vez, servirão melhor à população. Pode-se deduzir que esta externalidade — a capacidade de oferecer melhores serviços e produtos — será proporcional à qualidade das escolas. O que se observou quanto a este aspecto é que o sistema de vouchers permite o acesso a escolas melhores do que as públicas.

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Um dos estudos citados, publicado em 2016 é uma meta-análise sobre os efeitos do uso de vouchers em escolas privadas em diversos países ricos e pobres. Concluíram que, na média, programas de voucher para escolas privadas têm um impacto estatisticamente positivo na performance de alunos tanto em leitura quanto em matemática. E mais: a magnitude do impacto positivo aumenta à medida em que os alunos participam por mais tempo no programa.  

Custos para o pagador de impostos em si mesmos sempre são um aspecto negativo. Ocorre que, na prática, em países como os Estados Unidos ou o Brasil, cidadãos que se recusem a pagar impostos precisam ou buscar cidadania em outro lugar — o que não é uma opção sempre viável — ou encarar problemas com a justiça. 

Nos Estados Unidos, onde leis valem para todos, é cadeia mesmo. Desta forma, vamos ser pragmáticos e entender que precisamos buscar é um sistema que custe o menos possível para o cidadão. Economia de recursos é a externalidade positiva que se mede aqui: qual sistema — o de escolas públicas ou o de escolas privadas financiadas com recursos públicos — é mais barato. 

Segundo uma compilação publicada em 2016, 25 de 28 estudos confirmam que sistemas em que famílias podem usar recursos públicos na escola de sua escolha são mais econômicos do que os que limitam o uso dos recursos às escolas públicas. Os outros três estudos por ele analisados não produziram efeitos fiscais significativos. Desde esta revisão, diversos outros estudos (citados no artigo) confirmaram que tais sistemas efetivamente usam menos dinheiro do pagador de impostos.  

Quanto à coesão social, o que se espera é que indivíduos com melhor nível de escolarização serão mais respeitadores de regras de convivência, mais inclusivos, mais capazes de interagir com a sociedade de maneira pacífica e tolerante. Aqui também, pesquisas mostram a superioridade de sistemas em que escolas privadas podem ser acessadas através de vouchers. 

Uma revisão de 11 estudos feita pelo próprio DeAngelis no ano passado concluiu que o aumento desses valores cívicos nos Estados Unidos ocorre justamente nos estados onde existem sistemas em que famílias podem usar recursos públicos na escola de sua escolha. Em nenhum dos estudos achou-se um resultado negativo para esta externalidade. Em relação à externalidade ‘diminuição da violência’, existe apenas um estudo (DeAngelis & Wolf, 2016) e ele mostra que o programa de escolha de escola privada leva a uma redução, ainda que pequena, de crimes e contravenções.  

Após concluir que sistemas de vouchers para escolas privadas resultam em mais externalidades positivas para a população, deAngelis vai um passo além: ele quantifica a magnitude das externalidades negativas impostas à população dos Estados Unidas, como resultado do quase monopólio das escolas públicas sobre os recursos. 

O que ele descreve é assustador: a estimativa de perda é de pelo menos US$1.3 trilhões ao longo do tempo em que os alunos passam em escolas públicas, se comparadas com o que seria gasto caso estivessem em escolas privadas mantidas através de vouchers.  

Claro que não podemos simplesmente transplantar as conclusões deste estudo para a nossa realidade. Principalmente as externalidades relativas à coesão social deveriam ser avaliadas localmente, dadas as nossas diferenças culturais e legais em relação aos Estados Unidos. Seriam necessários estudos no Brasil para que pudéssemos fazer comparações e quantificar as perdas que temos tido ao investir apenas na escola pública. E, logicamente, para que pudéssemos fazer tais estudos, precisaríamos antes por em prática um sistema de vouchers que pudesse ser usado na comparação. 

No entanto, não podemos desconsiderar que o artigo trata da quantificação de externalidades negativas resultantes de um sistema de escolas públicas que, se está longe de ser ideal, é infinitamente melhor do que o que temos no Brasil. Parece-me bastante razoável supor que dificilmente nosso sistema público de escolas, gerenciado pelos nossos burocratas, servindo basicamente à população mais pobre — pouco escolarizada e sem poder de pressão — produza resultados melhores do que os que foram obtidos nos Estados Unidos. 

Se concordamos que externalidades positivas são justificativas válidas para o uso de recursos públicos na educação no Brasil, então que busquemos gastá-los de modo a garantir tais externalidades. E já que vamos limitar nossa educação à escolarização, que pelo menos seja a melhor disponível; que os recursos da população sejam gastos em escolas que trarão os melhores retornos possíveis para a população que as financia. Não há pois justificativa ética para que não adotemos de imediato sistemas de financiamento público para a rede privada.

*Anamaria Camargo, Mestre em Educação com foco em eLearning pela Universidade de Hull, é diretora do Instituto Liberdade e Justiça e líder do projeto Educação Sem Estado.

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