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Fato registrado em escola do interior de São Paulo em 2019
Fato registrado em escola do interior de São Paulo em 2019| Foto: Reprodução / Fantástico

As salas de aula do Brasil estão entre as mais indisciplinadas do mundo, mostram pesquisas. Automaticamente, os professores brasileiros são alguns dos que mais "perdem tempo" tentando manter a sala em ordem. E esse cenário tem uma relação direta com o desempenho dos alunos.

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Com um ambiente educacional nessas condições, o resultado é o que o Brasil já tem verificado ao longo de vários anos: fraco desempenho escolar e presença nos mais baixos patamares em rankings internacionais de educação. A última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, foi uma prova isso.

Segundo o relatório, ultrapassa os 40% o índice de alunos que reconhecem que, em todas ou na maioria das aulas, o professor precisa esperar muito tempo para ensinar, até conseguir que a turma pare de bagunçar. A média dos países membros da OCDE é muito menor: 26%.

Esse diagnóstico já vinha sendo indicado por outra iniciativa da OCDE, a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês) de 2018, que revelou ao mundo que os professores do Brasil estão entre os que mais perdem tempo com atividades não pedagógicas. Apenas 67% do período em sala de aula é utilizado pelos docentes para atividades ligadas ao ensino. "[O índice do Brasil] é bem abaixo da média da OCDE, de 78%", afirma Camila de Moraes, analista de educação da OCDE.

Péssimo desempenho

Mais importante do que refletir sobre esses números, é preciso entender, na prática, as consequências da indisciplina. Tempo bagunçando ou tempo tentando conter a bagunça significam tempo perdido para estudar.

Por exemplo, os mesmos alunos brasileiros que disseram ao Pisa que (em outras palavras) há indisciplina em sala de aula têm baixas pontuações no quesito leitura. Na verdade, eles têm 19 pontos a menos em leitura do que os alunos que disseram que isso "nunca acontece ou acontece apenas em algumas aulas".

Na outra ponta, estão as escolas privadas e federais, como as de modelo militar. Avaliadas pelo Pisa, essas instituições, além de não terem os mesmos índices de indisciplina, figuram positivamente em leitura, matemática e ciências. E poderiam, se analisadas isoladamente, ranquear o Brasil em ótimos patamares.

"O índice de indisciplina nas salas de aula do Brasil está entre os mais elevados de todos os países participantes do Pisa. E é interessante notar que essa questão da indisciplina elevada aparece tanto nas pesquisas respondidas pelos alunos (Pisa) quanto nas pesquisas respondidas por professores (Talis)", diz Camila.

A analista destaca que a indisciplina tem impacto negativo para qualquer campo de aprendizado, e não apenas em leitura. No entanto, o relatório trata da leitura porque esse é o foco da edição Pisa 2018, que muda ano a ano.

Professores despreparados

As causas da indisciplina são variadas. Mas é possível afirmar que, além de outros aspectos, um dos fatores que contribui para esse cenário é a falta de preparo dos professores para lidar com mau comportamento.

Um ano antes de ser realizada a última edição do Talis, 64% dos professores dos anos finais do ensino fundamental no Brasil tinham recebido algum tipo de treinamento relativo a comportamento de alunos e/ou administração de salas de aulas. Esse, inclusive, é um percentual bem acima da média da OCDE: 50%. Tempo depois, no entanto, 19% desses professores disseram ainda ter necessidade de treinamento na área.

A indisciplina também está ligada à falta de atenção. E, nesse sentido, outro aspecto que pode provocar ambientes indisciplinados é uma imersão não saudável no mundo digital. Segundo Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os jovens do século XXI, "mergulhados" nesse mundo, acabam tendo atenção limitada.

"A juventude está diferente. Nem melhor nem pior do que era há quinze anos", opina. "A juventude atual tem um tempo de atenção limitado, está mergulhada no mundo digital, que traz coisas boas e outras ruins. Isso faz com que o tempo de atenção seja limitado".

"É importante oferecer capacitação para professores que queiram desenvolver competências necessárias para melhor administrar uma sala de aula", diz Camila. Mas ela reforça que a responsabilidade sobre o clima de disciplina de uma escola não pode ser atribuída unicamente aos professores.

"Projeto de vida"

Claudia, que já conheceu inúmeros ambientes educacionais ao redor do mundo, diz se admirar com um modelo existente no sertão de Pernambuco que poderia "superar" ambientes indisciplinados.

"Eu fique impressionada como eu não ouvia, nas salas de aula, aquela 'barulhada'", conta. "As escolas de Pernambuco me chamam muito atenção; hoje, 60% da rede de ensino médio de lá está organizada. São escolas em tempo integral, inspiradas na ideia de um educador brasileiro já falecido, chamado Antonio Carlos Nunes da Costa. Ele dizia que, para que o jovem não abandone a escola e se envolva mais, é preciso uma educação que promova o protagonismo do jovem, expresso em um projeto de vida do aluno".

Para isso, ela sugere que as escolas poderiam ter professores mentores dos jovens, ajudando os alunos na elaboração dos projetos de vida e na reflexão de como a vida escolar se conecta com o projeto de vida deles.

"Não é só uma ideia bacana. Há muitas ideias que, na teoria, são bonitas, mas, na prática, não afetam em nada a aprendizagem dos alunos. Isso afetou e em um estado de nível socioeconômico muito mais baixo do que boa parte dos estados brasileiros", afirma.

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