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Pesquisa brasileira em história perde impacto internacional
| Foto: Pixabay

Como nossos leitores devem imaginar, a área das Humanidades apresenta notáveis particularidades em relação às chamadas “Hard Sciences”. Por exemplo, a História preza a publicação de livros e tem uma percepção do valor das citações muito mais em longo prazo do que as ciências exatas. De qualquer modo, mantivemos a mesma metodologia que aplicamos para outras áreas, já que nosso olhar se dirige para o impacto dos trabalhos publicados em revistas especializadas.

Nos artigos anteriores, verificamos que a diferença de impacto entre as publicações do Brasil e as das melhores revistas do Hemisfério Norte era de 3 vezes na Saúde Pública16 vezes na Sociologia14 a 17 vezes na Educação, e 34 vezes no Direito.

Hoje, analisamos as revistas de História mais bem posicionadas no ranking SJR da plataforma Scimago (que classifica as revistas por impacto acadêmico). Com três grupos de revistas: dos Estados Unidos, do Reino Unido (UK) e do Brasil, e em três variáveis: 1) percentual de artigos citados no triênio 2016-2018, 2) índice de citações por publicação (CPP) no triênio – que mede o impacto dos artigos e 3) percentual de internacionalização das publicações.

Observemos a revista mais bem posicionada no ranking SRJ de História de UK, a Social Forces. Ela publicou 193 artigos citáveis no triênio 2016-2018, e 155 deles recebeu pelo menos 1 citação. Assim, o percentual de artigos citados foi de 80,3% (193 artigos com 660 citações). Seu índice CPP foi de 3,42. Trinta e dois dos 193 artigos teve autores externos ao Reino Unido, o que gerou um índice de 16,5% de internacionalização da revista. Após analisar as cinco revistas de maior SJR de UK, verificamos que, na média, 77% dos artigos foram citados, o valor de CPP foi de 2,97, e seu índice de internacionalização foi de 24,3%.

Realizamos a mesma análise nas cinco revistas norte-americanas de História de maior índice SJR. Uma ressalva: a revista em 3º lugar – Dementia – foi substituída pela 6ª colocada. Dementia é predominantemente de Medicina, o que iria alterar nossas análises caso fosse mantida na lista. O percentual médio de artigos com citação foi de 76%, com CPP médio de 2,65 e índice médio de internacionalização de 30,2%.

No caso de nossas cinco revistas de maior SJR em História no triênio 2016-2018, o percentual médio de artigos citados foi de 11,1%, com CPP médio de 0,17 e índice médio de internacionalização de 8,4%.

Os gráficos abaixo mostram as comparações das revistas de História dos três países (Brasil, UK e EUA) nesses três itens: CPP, % de artigos citados e internacionalização. As revistas brasileiras tiveram em média um CPP 16 vezes menor que as do Reino Unido e dos EUA (CPP= 0,17 versus CPP= 2,8). As revistas anglo-saxônicas tiveram em média 77% dos artigos citados e as nossas 11%, diferença de 7 vezes. Em termos de internacionalização, as revistas de UK e EUA apresentaram um índice médio de 27%, significativamente maior que as revistas brasileiras (8,4%).

Plataforma Scopus

Voltemo-nos agora para a produção nacional em História, em qualquer revista indexada no Scopus. Principiemos a partir de 2018. O Brasil produziu 423 artigos, 13º lugar no ranking mundial quantitativo. Os EUA ficaram em 1º, com 5,8 mil artigos. UK ficou em 2º, com 3,4 mil publicações.

Caso observemos o ranking em impacto (em CPP), ficamos em 36º lugar entre 41 países que produziram pelo menos 100 publicações no ano. Os 423 artigos do Brasil renderam apenas 24 citações (CPP= 0,06). A Noruega ficou em 1º em impacto (CPP= 0,34). Caso utilizemos o índice Rank-Score de impacto, que avalia 0 para o último lugar e 10 para o primeiro, [(1 – 36/41) x 10] = 1,2.

A figura à esquerda abaixo mostra o Rank-Score de impacto do Brasil em História entre 2008 e 2018. Verifica-se que oscila entre 0,2 (2017 foi o pior resultado) e 1,8 (2010, melhor resultado). O valor médio entre 2008 e 2018 resultou em 1,0 de Rank-score. Repitamos: nosso score (de 0 a 10) foi 1!

Caso façamos uma comparação do Brasil com a Argentina e Portugal em 2018 (17º e 27º lugares no ranking CPP, respectivamente), verificamos que esses países apresentaram Rank-Score de 5,8 e 3,4, valores baixos, mas substancialmente maiores que o do Brasil.

Analisemos agora a distância do Brasil em relação ao 1º lugar do mundo em impacto em História. Noruega foi 1º lugar em CPP em 2012, 2013 e 2018 (entre países com pelo menos 100 publicações na área); a Dinamarca, a 1º entre 2015 e 2017. Entre 2008 e 2011, fizemos o ranking CPP entre países com pelo menos 50 publicações: Nova Zelândia e Turquia foram 1º lugar em 2011 e 2010, respectivamente; África do Sul venceu em 2009 e 2008.

Em 2008, o Brasil (CPP= 4,33) teve 30% do impacto do 1º lugar (África do Sul, CPP=14,44). Esse índice foi 25,6% em 2009 e 34% em 2010. Nos anos subsequentes, ocorreu uma queda ainda maior: em 2017 e 2018 foi de 15% e 17,6%, respectivamente (gráfico acima, à direita).

Por fim, comparemo-nos com Portugal e Argentina em relação ao impacto do 1º lugar do mundo. Entre 2015 e 2018, os trabalhos portugueses em História tiveram índices de % de impacto do 1º lugar que oscilaram de 32,4 a 59,9%. A média do quadriênio ofereceu 47,7%. Na Argentina, o impacto médio do quadriênio foi 36,8%. A média do quadriênio brasileiro foi de 17,5%, diferença 2,7 vezes em relação a Portugal, e 2,1 vezes em relação à Argentina

A queda do impacto da área de História ocorreu paralelamente ao aumento da quantidade de artigos. Entre 2008 e 2018, o número de artigos brasileiros de História cresceu de 88 para 423 publicações – um aumento de quase 5 vezes. A Argentina cresceu 7 vezes quantitativamente no mesmo período (de 43 para 339 publicações), mas se manteve em 47% de impacto do 1º lugar do mundo (2008 comparado com 2018). Isso demonstra que não há relação entre quantidade e impacto das publicações em História.

Conclusões

Em que pese o fato da natureza das publicações brasileiras em História – e também o baixo impacto da língua portuguesa em relação à inglesa –, além de percebermos o baixíssimo impacto de nossa produção em relação a Portugal e Argentina, é constatação inegável a gradativa perda qualitativa de nossa produção histórica nos últimos anos (i.e., queda no impacto no período 2008-2018). Nossos trabalhos em História são cada vez mais ignorados.

Uma possível explicação para isso é o aumento substancial da importância dos aspectos teórico-metodológicos em detrimento dos conteúdos propriamente históricos, característica quase que exclusiva do ensino de História em nosso país. Mas isso não pode ser quantificado cientometricamente, admitamos.

Seja como for, para qualquer solução proposta para esse pouco valor de nossa produção histórica, é fundamental que saibamos nossa ínfima posição no mundo acadêmico internacional e tenhamos consciência que os rumos de nossa historiografia são, nesse momento, desastrosos.

Em resumo, o impacto dos artigos publicados nas revistas brasileiras de História no triênio 2016-2018 está 16 vezes abaixo das publicações das revistas anglo-saxãs. Além disso, o impacto da produção de História de brasileiros, independentemente da revista onde aconteceu a publicação, é de apenas 17,5% do 1º lugar do mundo, entre 2015 e 2018. É um valor muito baixo.

Além disso, entre 2008 e 2018, a produção brasileira em História aumentou 380% em termos quantitativos, infelizmente não acompanhado pela melhora na qualidade das publicações (percebida pela análise das citações). Na verdade, verificamos que há uma correlação inversa entre a quantidade de artigos brasileiros publicados anualmente em História e seu impacto mundial – vide figura abaixo.

O que verificamos é que, quanto mais artigos (de História), menos impacto. Será que isso se repete para outras áreas de saber? Precisamos investigar, pois “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32).

PS: Agradeço o Dr. Eduardo G. P. Fox pelo auxílio gráfico com o script R e pelas discussões.

Para acessar o script R dos gráficos desse artigo, aqui vai o link: https://gist.github.com/eduardofox2/2f850cfa4e839eb8a7c538b1203753e3

* Marcelo Hermes-Lima é pesquisador e professor de bioquímica na Universidade de Brasília (UnB). Tem 6 mil citações em revistas científicas internacionais.

© 2019 O Livre. Publicado com permissão. Original.

Leia também: Pesquisa no Brasil: impacto global e estratégias de solução

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