A aprovação do substitutivo ao Projeto de Lei 3.179/2012 que regulamenta o homeschooling está sendo avaliada pelo Senado| Foto: Pixabay
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Embora a pauta do homeschooling seja discutida por grupos conservadores no Brasil, o ensino domiciliar não tem bandeira ideológica. Mesmo assim, enquanto setores da direita tendem a respeitar a liberdade da família (com regulamentação), movimentos com viés de esquerda, sindicatos e ONGs educacionais apresentam-se na maior parte das vezes contra a educação em casa. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a eventual queda de lucros e a falta de controle sobre o ensino são alguns dos principais motivos dessa oposição ao homeschooling.

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No Brasil, a aprovação do substitutivo ao Projeto de Lei 3.179/2012 que regulamenta o homeschooling está sendo avaliada pelo Senado. Assim que a proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados, a ONG Todos pela Educação já manifestou a preocupação com o avanço do PL, pois afirmou que isso "abre uma possibilidade real de proliferação de escolas informais pelo país, o que seria um caminho altamente indesejado e crítico".

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A Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) também se manifestou contrária ao projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar. "A Fenep vem fazendo articulações com os deputados para barrar a proposta pois entende que, se aprovada, trará riscos para o desenvolvimento social e cognitivo dos estudantes".

Em 19 de maio deste ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) também criticou a modalidade, alegando que "essa pauta reforça o caráter privatista e de esvaziamento das políticas públicas que tomaram conta do executivo e do legislativo federais, desde o golpe institucional de 2016".

Ainda, a CNTE sob inspiração de Paulo Freire como "patrono da educação brasileira", reiterou que a confederação irá lutar contra o avanço da proposta no Senado. "É preciso investir na promoção da educação escolar pública, gratuita, laica, desmilitarizada e de qualidade social para todos e todas".

Mesmo alegando a busca pela qualidade de ensino e preocupação com os estudantes, as associações educacionais, como também sindicatos, têm alguns interesses para tentar barrar os pais de educarem seus filhos. Os especialistas ouvidos pela reportagem salientaram alguns motivos pelos quais alguns sindicatos e ONGs se opõem ao homeschooling.

Doutrinação

Uma das razões de tentar barrar a proposta do ensino domiciliar é que, com o homeschooling, bem regulamentado e exigente em conteúdo, não há a possibilidade de colocar as crianças contra os pais por meio de ideologias. O medo da perda de controle sobre as mentes da sociedade, com pessoas educadas de forma mais ampla, destoando do modelo pensado e controlado pelo Estado, são alguns dos receios das ONGs e sindicatos, diz a ex-secretária de educação básica do MEC, Ilona Becskeházy.

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“É nesse modelo que se protegem as pessoas que fazem da sua vida a militância pelas pautas de esquerda. Dos cargos mais altos do sistema aos professores em sala de aula”, destacou.

O procurador da República André Borges Uiliano recorda também que muitas vezes as salas de aula são transformadas em palco para a promoção de ideias questionáveis, sem a apresentação de contraposições. “Há certos atores que veem o monopólio da escola como um instrumento para concentrar o poder de transmissão de ideias enviesadas”.

Exemplos dessas tentativas de doutrinação não faltam. Como as professoras de uma escola infantil que promoveram uma votação aberta em que as crianças tinham de escolher entre “Lula e Bolsolixo” (com críticas a quem não elegesse Lula); ou o caso do professor que constrangeu um aluno durante palestra de candidata a deputada federal do PSOL em escola particular de São Paulo ou ainda outro professor que ensinou aos alunos que o "cara que rouba está trabalhando” - para citar algumas das ocorrências mais recentes.

Questões financeiras  

O receio da queda dos lucros também é um dos principais temores de quem ganha dinheiro com o monopólio das redes de ensino – e luta por mecanismos que o engessem ainda mais, como é o Sistema Nacional de Educação, mas também nas redes particulares de ensino. De acordo com Becskeházy, cada aluno é uma matrícula e cada matrícula gera recursos para o setor. “Não abrem mão dessas duas vantagens competitivas: dominar as mentes e também manter um sistema gigantesco de cargos e salários que amoita a militância”. “É muito fácil pleitear cada vez mais recursos para o setor, quando se tem milhões de pessoas vulneráveis e incapazes (do ponto de vista objetivo, legal) de reféns”, complementou.

“Segundo as razões corporativistas, o ensino domiciliar poderia reduzir o lucro de escolas privadas ou diminuir o poder de lobby de sindicatos de escolas públicas”, completa Uliano. “Famílias educadoras simplesmente não são afetadas por greves ou paralisações”.

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Influência de Paulo Freire

Paulo Freire também tem influência nessa oposição, pois o homeschooling é uma prática de ensino domiciliar em que pais tem autonomia e ensinam seus filhos em casa. Como para Paulo Freire a família seria “opressora”, o homeschooling prejudicaria seu plano de diminuir a influência dos pais sobre os filhos.

Em seu livro, Pedagogia do Oprimido, não há menções do papel da família na educação. A lógica de Paulo Freire é que a sociedade é opressora e a família reproduz os mecanismos de opressão em casa. O ensino, por sua vez, seria função do Estado e o professor, nesse contexto, deveria “libertar” o aluno, não pelo conhecimento - Freire chega a dizer que “ensinar não é transferir conhecimento” -, mas transmitindo posicionamentos e valores políticos na educação.

“As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, rígidas, dominadoras, penetram nos lares que incrementam o clima da opressão”, disse Freire em seu livro.

Tendo Che Guevara como exemplo de amor, os pensamentos de Freire, transmitidos nas faculdades de pedagogia, influenciam na criação de possíveis militantes nas escolas. “O sentido pedagógico, dialógico, da revolução, que a faz ‘revolução cultural’ também, tem de acompanhá-la em todas as suas fases”.

“A influência de Paulo Freire é no sentido de dizer que a sala de aula deva ser um lugar de militância, de fazer escolhas políticas. Se os alunos não estiverem nas salas de aula recebendo instrução de pessoas que os querem doutrinar, há uma certa perda de poder, que ninguém que milita nesse espectro deseja”, explicou Becskeházy.

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Igualdade no ensino e "achismos"

Por outro lado, alguns críticos do homeschooling afirmam que é necessário ter igualdade no ensino e acreditam que somente as escolas podem fazer isso. O procurador da República André Borges Uliano apontou que é primordial mais do que igualdade no ensino, ter igualdade de oportunidades.

“E isso não ocorre pela massificação do ensino, mas pela atenção individualizada de acordo com as necessidades de cada família e cada criança. O pluralismo de métodos consagrados na Constituição visa a atender a esse fim. O ensino domiciliar é mais um método, ao lado dos demais, colocado à disposição da sociedade e das famílias”, explicou. Ele evidenciou que embora o acesso a oportunidades precisa ser igualitário, a educação deve ser personalizada.

Alguns dos achismos de desconhecedores do homeschooling, diz ele, é que a prática não contará com fiscalização ou provas. De acordo com Uliano, “há muitas pessoas de de boa-fé têm uma impressão negativa da educação domiciliar, principalmente por falta de esclarecimento, o que os leva a possuírem uma visão caricata do método”.

“Pela minha experiência de debate e troca de ideias, esse fenômeno não deve ser superestimado. Há muitas pessoas que simplesmente ainda não entendem o método [do homeschooling], até por ele ser muito inédito no Brasil”, frisou o advogado.