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Todos que se interessam por ensino domiciliar (homeschooling), ainda que não o pratiquem, em algum momento assistiram ou assistirão ao filme Capitão Fantástico (2016), estrelado por Viggo Mortensen – o Aragorn, de O Senhor dos Anéis – e que retrata a história de um casal que decidiu se afastar da sociedade e criar sua família no meio da mata. Tiveram seis filhos e nenhum deles foi para a escola - foram educados pelos próprios pais. Mesmo assim, receberam uma educação superior à oferecida em muitas escolas, como o filme faz questão de destacar em várias cenas.
Quem para por aí na sinopse pode acabar supondo que se trata de uma obra conservadora, afinal, trata-se de uma família numerosa adepta de ensino domiciliar, mas estaria completamente errado. A família se afasta da sociedade por considerar que o modo de vida capitalista é nocivo. O autor preferido do pai é Noam Chomsky, filósofo socialista a quem celebram em substituição ao Natal. O cristianismo, aliás, é alvo frequente de sarcasmo e o filho mais velho, em certo momento, admite ao pai que deixou de ser trotskista e agora se declara maoísta.
Não pretendo enaltecer o filme com esse relato, mas penso que o enredo ilustra muito bem o quão equivocado é rotular o ensino domiciliar como “pauta da direita”. Na verdade, nem sequer é preciso apelar ao cinema para fundamentar essa afirmação. A história recente do homeschooling no mundo está repleta de “progressistas” que defendem a modalidade. Alguns, aliás, até foram educados por esse método.
No Brasil, penso que o caso mais simbólico é o de Luís Roberto Barroso, ministro do STF, frequentemente acusado de praticar ativismo judicial em favor de pautas como aborto e ideologia de gênero. Indicado ao cargo pela petista Dilma Roussef, é impossível vinculá-lo ao conservadorismo, mesmo assim, Barroso assumiu o papel de defensor da constitucionalidade do ensino domiciliar no julgamento sobre o tema, em 2018, e proferiu o voto mais positivo de todos em favor das famílias homeschoolers. E não foi só isso. Na condição de relator da ação, em 2016, ele suspendeu todos os processos movidos no Brasil contra famílias que educavam em casa, até que o plenário julgasse o assunto. Com isso, deu a centenas de pais e mães quase dois anos de paz para que prosseguissem educando seus filhos da forma como considerassem melhor.
Saindo do Judiciário para o Legislativo, convém lembrar que um dos 15 projetos de lei sobre ensino domiciliar que já passaram pelo Congresso Nacional foi de autoria de um deputado federal do PT. Trata-se de Henrique Afonso (PT-AC), que protocolou a proposta em 2008, durante o segundo mandato do presidente Lula. Aliás, a atual Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling não é formada só por bolsonaristas e conservadores. Entre os 240 parlamentares signatários, há deputados do PT, do PSB, do PDT e até do PC do B.
Ainda na política, temos o caso de Rafael Correa, ex-presidente do Equador, um bolivariano assumido, aliado de Hugo Chávez, Fidel Castro e Evo Morales. Após convocar uma Assembleia Constituinte, Correa colocou o direito ao ensino domiciliar no texto da Constituição, em 2008, e normatizou a prática em 2013.
No mundo das celebridades, podemos citar Emma Watson, a atriz que ficou famosa como a Hermione, de Harry Potter, e que hoje desponta como garota propaganda do feminismo global. Emma foi aluna homeschooler, educada por tutores contratados por seus pais. Eles a acompanhavam durante os longos períodos de gravação, já que sua carreira de atriz teve início aos 10 anos de idade, quando ela saiu do sistema escolar tradicional.
Ainda em Hollywood, falemos também de Ryan Gosling, o protagonista do musical La La Land, indicado ao Oscar de melhor ator em 2017, e um dos principais apoiadores do democrata Bernie Sanders nas duas últimas tentativas do esquerdista em disputar a presidência dos Estados Unidos. Também aos 10 anos, ele parou de ir à escola porque sua mãe estava preocupada com o bullying que o garoto sofria. Desde então, foi educado por meio do ensino domiciliar.
Como esses, há numerosos outros exemplos, mas espero que os mencionados sejam suficientes para convencer parlamentares de esquerda que não estarão traindo seu espectro ideológico se decidirem, com base na razão e na própria consciência, por votar a favor do ensino domiciliar. Trata-se de uma pauta de direitos humanos e, por mais variadas que sejam as definições do que é esquerda política, nenhuma delas se opõe à proteção de minorias perseguidas e discriminadas. Exatamente o caso das famílias homeschoolers.
Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com