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Evidências indicam que, aliado a outros fatores, a vingança por bullying foi um dos motivos que levou Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luís Henrique de Castro, 25, a entrar na Escola Raul Brasil, em Suzano, SP, na manhã de quarta-feira (13), e atirar contra alunos e colaboradores da instituição. Ao menos oito pessoas morreram, 11 ficaram feridas e os dois jovens tiraram a própria vida após a ação. Mãe de Guilherme, Tatiana Taucci, 35, disse ao jornal Folha de S. Paulo que o filho deixou de ir à escola após sofrer provocações por conta das muitas espinhas no rosto. Além disso, uma das linhas de investigação da polícia aponta que os dois teriam trocado mensagens, no Facebook, dizendo que se vingariam das pessoas que os fizeram mal.

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Quando o destempero emocional de alguém, somado ao sofrimento por bullying acumulado e outros elementos, chega ao extremo, casos como os de Suzano, Realengo, Medianeira e Columbine podem se repetir. A escola, ambiente em que os estudantes passam cerca cinco horas por dia, é onde os indicadores são mais visíveis. E é fundamental que o corpo escolar, dessa forma, não negligencie tal realidade.

“Acontece à vista de todo mundo, dos educadores, professores e pessoal da gestão. Além disso, os próprios colegas escutam e veem acontecer”, explica Angela Soligo, docente da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Enquanto alguns comportamentos não são difíceis de constatar – agressão física, verbal, apelidos pejorativos – outros podem não ser tão evidentes assim. “O isolamento é menos perceptível aos educadores, ou menos entendido como uma forma de violência na escola. Adolescentes com os quais ninguém quer fazer trabalho junto, não interagem com os outros no intervalo, ficam sozinhos sempre”, expõe a docente.

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Negligência por parte da escola

Se essas atitudes não são tratadas nem pela família, nem pela escola, o resultado certamente será ruim, como explica o advogado e especialista no assunto, Alexandre Saldanha, sobre os perigos do bullying prolongado unido a outros fatores. “As provocações a longo prazo podem causar, como a gente viu em casos como o de Realengo, Medianeira e Suzano, o surto psicótico”, diz. “Existe um processo traumático em que a pessoa não tem tratamento adequado para isso e acaba desenvolvendo comportamentos agressivos, desejos violentos de vingança, se sente injustiçada, rejeitada”.

Minimizar essas ações – agressão verbal, apelidos pejorativos e, até mesmo, agressões físicas – é o grande problema. A lei antibullying nº 13.185/2015, além disso, reforça a necessidade de se tratar esse tema atentamente. “Dentro da escola, muitas vezes, essas agressões verbais que têm forma de apelidos são tratadas como brincadeira, minimizadas. Mas elas podem ser mais perigosas do que uma agressão física”, explica a docente da Unicamp. “Geralmente, educadores não enfrentam isso. Tratam os apelidos como brincadeira e só dão atenção às agressões físicas, que são a forma mais perceptível, mas não as mais frequentes”.

Saldanha, que também relata ter sido vítima de bullying durante sua adolescência, afirma que, em alguns casos, “há uma política de ‘acobertar’, ‘abrandar’ a situação”. “Às vezes, há um protecionismo corporativo, a escola tende a dizer que foi um problema da vítima, que é algo passageiro ou ‘é assim mesmo’”, defende o advogado. “E não adianta adotar medidas insuficientes só para aliviar a responsabilidade civil como instituição. A escola é responsável pelo bem-estar físico dos alunos enquanto eles estiverem sob sua guarda”.

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Enfrentamento

Se o bullying é constatado no ambiente escolar, e nada é feito, o risco de acontecimentos como o de Suzano e outros é muito grande. Como explica Alexandre Saldanha, por exemplo, “a pessoa que sofre essas provocações começa a ter o julgamento das coisas de forma deturpada, fica com um trauma que, ora beira à agressividade extrema, ora beira à depressão. Entre esses nuances, surtos psicóticos são muito perigosos”.

Reuniões e palestras não bastam, é necessário que se tenha uma rede de apoio psicológico para tratar do assunto. “As escolas precisam ter professores, cantineiros, faxineiros, corpo administrativo treinados. Todo mundo tem que saber como observar, detectar, prevenir e, se acontecer, saber como punir”, defende o advogado, especialista no assunto.

Para Angela, da Unicamp, o mais importante é não silenciar. “Percebeu que algo está acontecendo? É preciso falar sobre isso com todos os alunos, abertamente. Eles precisam encarar as diferenças uns dos outros, fazer reflexões, aprender a responsabilidade no cuidado de si e do outro”, defende. “Mas não pode ser só isso, se não, a escola vai viver apagando incêndio. O importante é que ela vá construindo, no quotidiano, relações de respeito que, via de regra, vão evitar esse tipo de conduta”.

Falta de diálogo

À Folha de S. Paulo, Tatiana, mãe de um dos atiradores, relatou que a relação com o filho “até que não era ruim”, mas os dois “quase não conversavam”. A mulher tem outros quatro filhos e luta contra uma dependência química.

A falta de diálogo, segundo uma pesquisa da educadora da Unicamp, é outro motivador para ações extremas, como o caso de Suzano. “Eu já ouvi muitos relatos de professores que chamam um pai ou mãe para fazer uma queixa de um aluno, e a reação dos responsáveis é dar uma surra no filho. Isso não só não vai ajudar, mas vai alimentar a violência”, critica. “O tempo todo eles dizem que a escola não os escuta, mas ela deve ser o lugar em que o aluno se sinta protegido e ouvido, que ouça sua queixa, dificuldade. As instituições devem ter vários canais de diálogo. Às vezes, é difícil verbalizar, contar para alguém, porque isso significa denunciar um 'colega'”.

Saldanha também corrobora com o pensamento, e afirma que “são poucas as famílias que têm apoio emocional, família estruturada como suporte para o sofrimento por bullying”. “Ser humilhado todo santo dia, chega uma hora que coisas como essa [ações extremas] começam a fazer sentido para quem está sofrendo”, diz.

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