O ministro Edson Fachin, durante posse na presidência do TSE, nesta terça (22)| Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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Recém-empossado como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin afirmou nesta quarta-feira (23) que será implacável diante de “ofensas injustificadas” à Justiça Eleitoral, referindo-se diretamente a acusações de Jair Bolsonaro contra o sistema eletrônico de votação. Ele afirmou que imputar fraude nas urnas eletrônicas sem apresentar provas ao tribunal, como já fez o presidente, “desborda da ambiência da crítica política”.

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“Se houver, e espero que não haja, ofensas injustificadas à Justiça Eleitoral, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós vamos responder e seremos mesmo implacáveis. E por qual razão? Estamos defendendo apenas um tribunal? Não. Agredir a instituição da Justiça Eleitoral significa hoje colocar em discussão a realização das próprias eleições. Propagar dúvidas afirmando-se que há provas, quando provas não foram apresentadas ou registradas, isso significa ter mais efeitos que uma crítica exclusivamente política”, disse o ministro.

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Durante a entrevista à imprensa, Fachin foi questionado pela Gazeta do Povo se as declarações de Bolsonaro contra as urnas poderiam ser interpretadas como discurso político e, portanto, serem toleradas. Ele respondeu: “A crítica é inerente à democracia. Quem faz crítica ao sistema da urna eletrônica, quer concordemos ou não, ela faz parte do universo das percepções que se tem. Agora, imputar a urna eletrônica uma fraude não ocorrida, isto desborda da ambiência da crítica política, afeta uma instituição e é, por assim dizer, um argumento a busca de um pretexto e da entronização de um pivô de crie. E isso não vai ocorrer.”

Bolsonaro já é investigado no TSE por causa da transmissão ao vivo que fez, em julho do ano passado, apontando fraudes nas urnas em 2018, com base em vídeos que circulam na internet – a maioria deles, com eleitores apontado falhas na votação, já foi rebatida pelo TSE. As declarações do presidente contra as urnas podem servir como provas para ações que contestem sua candidatura à reeleição.

Questionado se o TSE teria isenção para julgar ações dessa natureza contra o presidente, uma vez que o próprio tribunal é alvo de seus questionamentos, Fachin disse que há críticas aceitáveis, quando se circunscrevem à arena política, e outras não, quando atingem a instituição, que coloquem em xeque as eleições.

“Propagar e fomentar a intervenção militar é um fato. Tratar do fechamento de um dos tribunais do país é um fato. Dirigir-se a ministros do STF com determinadas expressões verbais irrepetíveis é um fato. Portanto, há esse conjunto de fatos, que são compreensíveis e que estão em alguma medida na arena e na seara da política. Quando é que esses fatos demandam um pronunciamento da Justiça Eleitoral? No meu modo de ver, apenas e quando a própria instituição estiver sendo injustamente atingida. E digo injustamente porque algumas críticas podem ser procedentes. Ninguém é imune de crítica. Aliás, ninguém no Brasil é imune de inquérito”, afirmou o ministro.

Fachin também foi indagado sobre uma eventual não aceitação do resultado da eleição, por parte de Bolsonaro, caso perca a disputa presidencial. Ele disse que faz parte da democracia a insatisfação com a derrota, mas que ela não pode se converter em instabilidade do processo eleitoral.

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"O percurso será realizado. A Justiça Eleitoral examinará as inscrições, eventuais impugnações, decidirá e no dia 2 de outubro faremos as eleições. Onde houver segundo turno, far-se-á o segundo turno. Eleitos os candidatos, em dezembro nós faremos a diplomação dos eleitos, que em janeiro tomarão posse. A insatisfação com o resultado, é compreensível e faz parte de manifestação política, porque a derrota de hoje pode será a vitória de amanhã", disse.

Depois, afirmou que a insatisfação não pode contaminar o processo eleitoral "confiável e seguro", e que, segundo o ministro, segue as regras aprovadas pelo Legislativo – no ano passado, o Congresso rejeitou a proposta patrocinada por Bolsonaro para implementar o voto impresso nas eleições, o que, segundo o presidente, seria uma garantia de que não ocorriam fraudes na contagem.

"Havia, inclusive, propostas sobre determinadas mudanças na operação desse sistema e não foram aprovadas. Nós estamos aplicando precisamente o que o Poder Legislativo exarou e o que nós estamos estamos regulamentando e vamos zelar pela obediência do regulamento. O mundo já se chocou com o que aconteceu num dado 6 de janeiro nos Estados Unidos. Esperamos que o Brasil, ao contrário, seja um exemplo, de como uma democracia, com dissensos, com discussões acirradas, que a democracia seja mais forte e que as instituições democráticas sejam capazes de não transformar uma irresignação com os resultados na própria instabilidade do processo eleitoral, que pode ser converter numa instabilidade social, com eventuais graves danos, como alguns países já observaram", afirmou.

Ele disse depois que escolheu como lema de sua gestão "paz e segurança". "Não são apenas palavras. Queremos que sejam dois comportamentos", afirmou.

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Colaboração das Forças Armadas

Fachin também foi questionado sobre o papel das Forças Armadas no processo eleitoral. No ano passado, seu antecessor no comando do TSE, Luís Roberto Barroso, convidou a instituição para compor uma comissão de fiscalização do sistema.

Em dezembro, o general Heber Portella, chefe da área de Defesa Cibernética do Exército, apresentou ao TSE 80 perguntas sobre a segurança da votação eletrônica.

Bolsonaro disse que haviam sido encontradas “possíveis vulnerabilidades”, ainda antes de o TSE responder às perguntas, o que causou forte incômodo entre os ministros da Corte.

Fachin primeiro elogiou a colaboração da Polícia Federal, com sugestões de melhoria no sistema e depois afirmou, assim como já havia dito Barroso, que também espera colaboração das Forças Armadas, lembrando que elas já ajudam a transportar as urnas.

“Um conjunto de sugestões do ponto de vista de segurança, adotamos exatamente por relatórios muito pertinentes da Polícia Federal. A colaboração das Forças Armadas com as eleições é um dos grandes feitos da democracia [...] O Exército tem um setor especializado e colaborativo na área de segurança. Instituições permanentes de Estado dialogam em patamares administrativos e institucionais marcados por interesses republicanos”, disse.

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Ataques hacker ao TSE

Fachin também foi questionado sobre as recentes declarações em que admitiu que sistemas da Justiça Eleitoral têm sido alvo de hackers. Respondeu que eles não atingem as urnas eletrônicas e o sistema de votação.

“Ao mesmo tempo em que aumentamos os ingredientes de segurança, significa que riscos e ameaças se tornam cada vez mais presentes. Diz respeito a sistemas que compõem um conjunto de dados, sobre filiados, eleitores e recursos humanos. Nada disso tem a ver com a questão das urnas, que não estão na rede mundial de computadores. Quando falamos de ataques, estamos falando de algo que acontece com organizações do mundo inteiro”, afirmou.

Depois, disse que o monitoramento dos ataques indica que a procedência de países em que há “baixíssimo controle de sistemas” – uma referência implícita à Rússia, mencionada por ele na semana passada. Ele, no entanto, reiterou que o sistema de votação está “blindado”.

“O TSE corresponde a um carro blindado. Os passageiros estão seguros. Mas não quer dizer que o carro não possa ser vítima de algum tiroteio ou disparo que o venha atingir. Em isso ocorrendo analisamos as circunstâncias para aprimorar os mecanismos de segurança.”

Combate a 'fake news' e banimento do Telegram

Fachin citou trecho da legislação eleitoral que considera ser um ilícito “disseminar fato que sabe ser inverídico”. “Em havendo provas dos fatos, haverá atitude devida, como já tomou este Tribunal Superior Eleitoral”, afirmou o ministro.

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Ele foi questionado se o tribunal estaria preparado para cassar o mandato e prender quem espalha notícias falsas – foi o que disse, no ano passado, o ministro Alexandre de Moraes, no julgamento de ações contra Bolsonaro por suposto disparo de “fake news” no WhatsApp – o presidente foi absolvido por falta de provas.

“Em havendo imputação de ilícito, esse tribunal não se furtará de dar a resposta devida. A sanção dos ilícitos não terá nenhuma conduta leniente por parte da Justiça Eleitoral. A nossa primeira resposta é preventiva, educativa, informativa. Mas nenhum juiz se chamado a apreciar um ilícito, deixará de reconhece-lo e aplicar a sanção devida se for o caso”, afirmou.

No ano passado, o TSE abriu um precedente importante: cassou o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) porque ele apontou fraude nas urnas num vídeo ao vivo no dia das eleições.

Fachin, no entanto, disse que buscará medidas preventivas para evitar acusações como essa. Disse que vai investir ainda mais no esclarecimento do eleitorado sobre a segurança das urnas, inclusive em colaboração com todos os Tribunais Regionais Eleitorais. “Queremos ampliar o espectro por meio do qual a má informação seja combatida com a boa informação. É o primeiro horizonte”, disse.

Depois, ressaltou a parceria com redes sociais e aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, para conter “comportamentos inautênticos”, na prática, bloquear usuários que se utilizam de robôs para multiplicar artificialmente o alcance de ilações contra o sistema eleitoral.

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Questionado sobre o possível banimento do Telegram – que não tem respondido aos apelos da Corte por colaboração nesse sentido – Fachin disse que o espaço próprio para tal medida seria o Congresso – a Câmara analisa um projeto de lei que proíbe o funcionamento de aplicativos sem representação no Brasil, como é o caso do Telegram, de propriedade do russo Pavel Durov, e com servidores instalados em Dubai, nos Emirados Árabes.

Uma reposta legislativa do Congresso seria extremamente oportuna [...] Não havendo pronunciamento legislativo, é possível que o Judiciário seja provocado a se manifestar. Estamos examinando as experiências existentes em outros países”, disse Fachin.

Ele citou a Alemanha, que conseguiu forçar o Telegram a bloquear canais de incitação ao nazismo e aprovou em 2017 uma lei impondo multas milionárias em caso de omissão diante de ordens judiciais. Mas disse que o banimento total do aplicativo seria a medida mais dura. Ele considera que ainda é possível convencer a empresa a colaborar.

“Algum tempo depois, ocorreu o que nós queremos: sentaram à mesa e dialogaram. Defendemos a regulamentação autorregulada. Os destinatários têm que ser partícipes desse a construção dialógica, que é o que o TSE tem feito com as plataformas, com essas parcerias. Não pode se tratar em hipótese nenhuma de imposições verticalizadas, mas sim de construção horizontalizada, aonde hajam limites comuns que não podem jamais ofender o conteúdo essencial da liberdade e da própria expressão. Estamos já há algum tempo procurando o diálogo. Iremos procurar por mais algum tempo. Em se tornando infrutífero, daremos o passo seguinte”, disse o ministro.

Sigilo dos dados de doadores

Fachin também foi indagado sobre a possibilidade de o TSE ocultar dados de pessoas físicas que doam recursos para campanhas e de prestadores de serviços para candidatos.

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A discussão surgiu em razão da recente vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que dá ao cidadão o direito de exigir que órgãos públicos não divulguem “informações sensíveis” a seu respeito.

Fachin respondeu que em sua gestão – que vai até 17 de agosto – não haverá sigilo sobre as doações e prestação de serviços para as campanhas.  Mas não descartou que certas informações – como endereços residenciais de candidatos, por exemplo – venham a ser retirados do acesso público, por razões de segurança.

“Os atuais mecanismos que estão hoje à disposição, se forem alterados, serão após longo debate com a sociedade, com especialistas aonde se evidencie em relação a esses dados como necessidade, utilidade e adequação, para saber se devemos ou não proteger aquele tipo de dado”, afirmou.