Alvos de denúncia da campanha de Bolsonaro, emissoras de rádio recebem dos partidos políticos a propaganda eleitoral gratuita a ser veiculada.| Foto: Bigstock
Ouça este conteúdo

A propaganda eleitoral gratuita exibida nas emissoras de rádio, que se tornou alvo de denúncia de irregularidades feita pela campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta semana, é articulada apenas entre os partidos e as empresas. É o que explicam entidades representativas das emissoras e especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

CARREGANDO :)

A explicação é de que, segundo a Resolução 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que regula a propaganda, as emissoras dependem única e exclusivamente da colaboração dos partidos políticos dos candidatos que concorrem à eleição, e são eles que devem fazer a fiscalização caso algum material não tenha sido exibido.

Rodolfo Moura é advogado e especialista na operacionalização da distribuição de conteúdos eleitorais para as emissoras na Associação das Emissoras de Rádio do Paraná (Aerp), ligada à Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Ele explica que a veiculação dos materiais de campanha deste ano está mais fácil do que em eleições anteriores, o que ajuda a diminuir a chance de algum material falhar.

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

“Nesta eleição, o TSE abriu um espaço em Brasília para as emissoras de rádio e televisão formarem um pool que edita e coordena a distribuição dos materiais da campanha presidencial para todo o país. Os partidos encaminham as peças, tanto as inserções que são exibidas ao longo da programação como os programas completos, aos técnicos do pool que verificam e fazem ajustes de volume ou tempo de exibição quando necessário, e disponibilizam em um sistema que qualquer pessoa ou emissora pode acessar pela internet e baixar para a sua programação”, detalha.

Junto dos materiais são disponibilizados também os chamados “mapas de mídia”, que são planilhas contendo o nome exato da peça a ser exibida em cada faixa horária de programação. Por exemplo: uma propaganda de 30 segundos com o tema X que deve ser exibida entre as 7h30 e as 8h, e assim por diante.

Neste segundo turno, as coligações dos candidatos tiveram o direito de exibir 25 minutos de inserções cada ao longo da programação das emissoras, diariamente das 5h à meia-noite, em peças de 30 a 60 segundos. E mais dois programas eleitorais completos de 5 minutos cada para cada candidato das 7h às 7h10 e das 12h às 12h10 no rádio, e das 13h às 13h30 e das 20h30 às 20h40 na televisão.

Veja abaixo como é o sistema que disponibiliza os materiais da propaganda eleitoral às emissoras de rádio e televisão, em reproduções das telas das federações de Lula e Bolsonaro cedidas por Rodolfo Moura à reportagem:

Publicidade

TSE simplificou a distribuição de materiais, mas a responsabilidade é dos partidos

A logística de entrega dos materiais de exibição foi simplificada nesta eleição, com a implantação do sistema online de distribuição das peças. Até a eleição de 2020, os partidos precisavam entregar pessoalmente as mídias às emissoras de rádio e TV, o que aumentava o risco de falha na exibição.

No entanto, mesmo com a facilidade do sistema online, Rodolfo Moura diz que a coligação do presidente Bolsonaro não está entregando os materiais dentro dos prazos estabelecidos em lei.

“Tenho notado que os planos de mídia estão subindo muito tarde no sistema do TSE. A coligação do Lula [PT] está subindo com até três dias de antecedência, e a do PL muito tarde, o que atrapalha principalmente as emissoras menores”, ressalta.

Isso porque muitas das mais de 5 mil rádios existentes no país são pequenas e, não raramente, com o expediente encerrando entre 18h e 19h. Se um material é disponibilizado no sistema do TSE depois deste horário, os funcionários responsáveis por montar a programação só conseguirão fazê-lo na manhã do dia seguinte.

Segundo a Abert, os planos de mídia devem ser entregues ao pool e às rádios com 40 horas de antecedência da veiculação, e as peças até 12 horas antes do bloco de exibição.

Publicidade

“Se os partidos não entregarem os mapas de mídia no prazo estipulado, a emissora fica isenta de responsabilidade decorrente de eventual transmissão de programa em desacordo com os mapas de mídia apresentados”, diz a resolução do TSE.

Moura explica que algumas emissoras chegam a enviar e-mails aos partidos pedindo o material que será exibido no dia seguinte, e que é responsabilidade das legendas verificarem e enviarem as peças. Caso não recebam, as rádios e televisões devem exibir o mesmo que foi veiculado um dia antes.

Rádios e TVs não são obrigadas a transmitir a propaganda eleitoral pela internet

Por outro lado, a exibição dos materiais de campanha e mesmo do programa Voz do Brasil não é obrigatória nas transmissões por streaming, pela internet, de acordo com Rodolfo Moura. Isso se dá por conta da abrangência da transmissão, em tese em qualquer lugar do mundo.

“O que torna completamente sem efeito o documento da suposta auditoria feita a pedido do PL, que verificou a programação de algumas emissoras apenas pelo sinal transmitido online. Juridicamente, o documento não tem valor nenhum”, afirma.

Juliana Bertholdi, especialista em Direito Público e Direito Eleitoral e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), explica que a legislação é clara sobre quem tem a responsabilidade de fiscalizar a veiculação das propagandas eleitorais. De acordo com ela, os partidos, candidatos e demais pessoas que se sentirem lesados é que devem acionar a Justiça Eleitoral.

Publicidade

“Cumpre ao candidato ou ao partido que alega que as propagandas não estão sendo veiculadas seja de forma culposa, por alguma falha, ou dolosa, para gerar prejuízo a aquele candidato, fazer a prova pré-constituída da alegação. E é a partir dessa prova que vamos entender o que efetivamente aconteceu”, explica.

É a mesma justificativa dada pelo TSE no dia seguinte à denúncia de que a campanha de Bolsonaro teria sido prejudicada na veiculação de inserções de rádio. Em nota, o tribunal afirma que “a Justiça Eleitoral, a requerimento dos partidos políticos, das coligações, das federações, das candidatas, dos candidatos ou do Ministério Público, poderá determinar a intimação pessoal da pessoa representante da emissora para que obedeçam, imediatamente, às disposições legais vigentes e transmitam a propaganda eleitoral gratuita, sem prejuízo do ajuizamento da ação cabível para a apuração de responsabilidade ou de eventual abuso, a qual, observados o contraditório e a ampla defesa, será decidida, com a aplicação das devidas sanções”.

Casos assim são analisados e julgados pela Justiça Eleitoral de 24 a 48 horas a partir da apresentação oficial do requerimento. As penalidades para as emissoras variam caso a caso, que podem ser desde a exibição do material em outro horário além do tempo obrigatório cedido aos partidos – o que provoca a perda de um espaço comercial na programação, gerando perda financeira à emissora – até mesmo uma multa que pode chegar R$ 20 mil e a determinação de tirar o sinal do ar por 24 horas, o que acarreta o cancelamento de um dia inteiro de faturamento comercial.

“Constatado, na hipótese prevista no § 2º deste artigo, que houve a divulgação da propaganda eleitoral de apenas um ou de alguns partidos políticos, uma ou de algumas federações ou coligações, a Justiça Eleitoral poderá determinar a exibição da propaganda eleitoral dos partidos políticos, das federações ou das coligações preteridos no horário da programação normal da emissora, imediatamente posterior ao reservado para a propaganda eleitoral, arcando a emissora com os custos de tal exibição”, diz o parágrafo 3º do artigo 80 da Resolução 23.671/2021, que regulamenta as penalidades da Resolução 23.610/2019.

Por outro lado, as emissoras são obrigadas a manterem a programação arquivada por mais 20 a 30 dias após a exibição para eventuais fiscalizações, assim como todos os arquivos de mídia e mapas de exibição dos partidos.

Publicidade

Moura afirma já ter atuado em casos de emissoras que ficaram fora do ar por até uma semana por prejudicar candidatos adversários dos seus proprietários, visto que muitas das concessões de rádio e TV brasileiras são de políticos e ex-políticos.