| Foto: Foto: Antonio Costa; Ilustração: Gilberto Yamamoto/ Gazeta do Povo

Relato

Em 1999, o atacante Tuta, ex-Atlético e Coritiba, ganhou as manchetes do mundo todo ao participar de um jogo suspeito de armação pelo Campeonato Italiano.

"Marquei um gol aos 45 do segundo tempo e quase ninguém do meu time comemorou"

"Era um jogo entre o Veneza, meu time na ocasião, e o Bari. Eu estava no banco de reservas. Fizemos 1 a 0 no primeiro tempo. Na volta do intervalo deu uns 15 minutos e o adversário empatou. Depois ninguém atacava mais. Jogo pra lá, pra cá, morno.

Aí o treinador chamou um meia-ofensivo, que aqueceu e não entrou, foi para o vestiário. Achei estranho, nunca vi isso. Perguntei para o Fabio Bilica, outro brasileiro que estava no banco, e ele também não entendeu.

Faltando 10 minutos, o treinador me chamou. Eu queria jogar, pois tinha ficado duas partidas fora. Entrei, correndo, cheio de disposição. Falta na intermediária, subi e marquei de cabeça: 2 a 1.

Os caras do Bari começaram a me xingar, pensei que eles estavam p... da vida pois fiz o gol aos 45 do segundo tempo. Do meu time quase ninguém comemorou também. Só o Bilica.

Acabou o jogo e o capitão do Bari foi pra cima do capitão do meu time, começaram a se empurrar, se xingar, palavrão em italiano... Eu entendi essa parte, pois xingamento em outra língua a gente aprende rapidinho. Acho que eles [jogadores das duas equipes] que combinaram tudo. Era para ser um jogo armado, com placar combinado.

Fui sorteado para o exame antidoping e um jogador do Bari bateu no meu rosto, o quarto árbitro viu que ia dar confusão e me tirou para fora do túnel. No fim das contas, tudo acabou em pizza".

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Denúncias

Diante do novo escândalo, a Fifa agiu rápido e inaugurou um novo mecanismo de denúncias pela internet de manipulação de partidas. Na página, é possível comunicar possíveis infrações ao Código de Ética da entidade com segurança e confidencialidade.

De acordo com o comunicado da Fifa, trata-se de um esforço para fortalecer a governabilidade no futebol. O site, administrado por uma empresa externa chamada Business Keeper AG, pode ser acessado no endereço: https://www.bkms-system.net/FIFA. As denúncias de infrações serão encaminhadas diretamente a Michael Garcia, presidente da Comissão de Ética da Fifa.

O escândalo de manipulação de resultados revelado pela Polícia da União Europeia (Europol) fez ressurgir a mais assustadora das ameaças ao futebol. De acordo com a entidade, 680 partidas espalhadas pelo mundo todo são suspeitas de fraude para favorecer apostadores via internet.

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Caso gravíssimo que assusta, mas não chega a preocupar o futebol paranaense. "Confio na nossa arbitragem, contamos com gente de boa índole e temos sido muito rigorosos no controle", garante Hélio Cury, presidente da Federação Paranaense de Futebol (FPF).

Atualmente, a entidade dis­­põe de uma ouvidoria (via site oficial) para denúncia ou informação que possa levar suspeita sobre determinada partida. "É o canal que nós temos para isso e até hoje não recebemos nada do tipo".

Presidente da Comissão de Arbitragem da FPF, Afonso Vítor de Oliveira também confia na imunidade do Paraná em relação à praga dos "arranjos" de placares. "Conheço muito bem o meu quadro, os 285 árbitros, os dirigentes, os jogadores, fico sossegado hoje", diz ele, à frente do setor desde janeiro de 2006.

Não faz muito tempo, no entanto, o estado acabou atingido por um esquema de fabricação de resultados, o "Caso Bruxo", estourado em 2005. Na mesma temporada, foi revelado outro plano do tipo no país, que envolveu o árbitro Edílson Pereira de Carvalho (leia mais nesta página).

Apesar da recorrência, jogadores e técnicos são sempre cautelosos ao tratar do tema, tabu entre eles. O atacante do Coritiba, Júlio César, é uma exceção. "Há três anos eu estava na Turquia [no Gaziantepspor] e um dia cheguei ao centro de treinamento e vi atletas, companheiros meus, saindo presos. Foi assustador", relembra.

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Técnico do Paraná, To­­ni­­nho Cecílio nunca viveu algo semelhante. E revela qual seria sua reação se recebesse uma proposta "indecorosa". "Pediria demissão no ato."

Para o paranista, o importante agora é punir os responsáveis pela trama que pode ter rendido 8 milhões de euros (R$ 21,1 milhões) aos criminosos, que teriam gasto 2 milhões de euros (R$ 5,2 milhões) em propinas. "A maioria das pessoas que participa do futebol é gente honesta, que não aceita esse tipo de coisa", comenta.

Entretanto, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, prefere adotar um discurso cético sobre os desdobramentos. "Nós estamos em um jogo e em um jogo sempre há trapaças. As trapaças nunca vão acabar. Também sabemos que é muito difícil pegar estas organizações", declarou, em entrevista coletiva na Mauritânia.

Um dos complicadores é a diferença entre as legislações. No Brasil, por exemplo, os sites de apostas são proibidos. Entretanto, os brasileiros jogam livremente em páginas hospedadas em outros países – na Espanha, França, Reino Unido, Itália, entre outros, a jogatina virtual é liberada.

A Europol ainda não tratou sobre em quais crimes os envolvidos podem ter incorrido, bem como detalhes sobre os jogos suspeitos, para não prejudicar as investigações. No mesmo sentido, a Polícia Federal brasileira optou por não se manifestar sobre possíveis participações de clubes do país na armação.

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A reportagem tentou repercutir o assunto com o Atlético. A assessoria do clube, porém, negou o pedido.

Legalização das apostas atenua risco, diz governo

Uma comissão do Mi­­nis­­tério do Esporte está preparando um relatório no qual defende a regulamentação das apostas esportivas pela internet no Brasil. O estudo propõe a criação de uma agência de controle com mecanismos de fiscalização para barrar a manipulação de resultados.

Os sites de apostas pela internet são proibidos no Brasil, o que não impede que os brasileiros participem. "Hoje cerca de R$ 2 bilhões circulam por ano pelos sites internacionais provenientes do nosso país. Ou seja, é algo que já existe, mas não é regulamentado", analisa Pedro Trengrouse, relator do documento e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro.

De acordo com Tren­grouse, a regulamentação ajudaria a detectar uma possível armação. "A agência facilitaria a detecção de apostas fora do padrão [as zebras], que é um indício, e algo poderia ser feito antes mesmo da partida", afirma.

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Nos próximos meses, a Caixa Econômica Federal deve apresentar uma proposta para o funcionamento do nosso sistema de apostas esportivas pela internet. No entanto, para entrar em vigor, será preciso alterar a lei que trata do tema.

HISTÓRICORelembre alguns casos em que a manipulação de resultados no futebol acabou comprovada:

No Brasil

• Caso Edílson (2005)

O árbitro Edílson P. de Carvalho encabeçou um esquema para favorecer apostadores da internet. Onze jogos do Nacional foram refeitos. Edilson e Paulo Danelon (outro juiz envolvido) foram banidos do futebol e denunciados por estelionato, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

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• Caso Bruxo (2005)

Escândalo paranaense denunciado pelo dirigente do Operário, Sílvio Gubert, que admitiu o pagamento de propina para evitar que o clube fosse prejudicado. À ESPN Brasil, o dirigente confirmou dar R$ 2 mil ao chamado "Bruxo", alguém ligado à arbitragem. A Justiça Desportiva eliminou 6 dos 13 envolvidos.

• Máfia da Loteria 1982

A Revista Placar denunciou rede de manipulação envolvendo a Loteria Esportiva. Jogadores, técnicos, dirigentes e árbitros se empenhavam em fabricar placares inesperados visando favorecer apostadores. Foram denunciadas 125 pessoas. Ninguém foi preso.

Na Europa

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• Calciocommesse (2011)

Acertos para beneficiar apostadores terminou com a suspensão do técnico Antonio Conte, da Juventus, do lateral Criscito e na prisão de Stefano Mauri, da Lazio. Jogadores famosos como o goleiro Buffon, o zagueiro Cannavaro e o volante Gattuso foram citados, mas nada foi provado.

• Calciopoli (2006)

Cinco clubes da Série A do Italiano, Milan e Juventus entre eles, participavam de acertos envolvendo dirigentes e árbitros. O escândalo fez a Juventus perdesse os títulos de 2005 e 2006 e acabasse rebaixada à Segunda Divisão. Milan, Lazio, Fiorentina e Reggina largaram na temporada seguinte com menos pontos.

• Totonero (1980)

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Máfia de apostadores aliciava jogadores, árbitros e dirigentes para combinar resultados das partidas do Totonero, uma loteria esportiva clandestina. O atacante Paolo Rossi foi um dos 37 denunciados. As punições se restringiram à Justiça Desportiva.