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| Foto: Roberto Custódio/Jornal de Londrina

Brasil carrega para a Copa das Confederações e o Mundial de 2014 os piores números de distúrbios sociais relacionados ao esporte. Para especialistas, país pensou apenas em infraestrutura para receber eventos da Fifa, não no legado contra a intolerância

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Legado significa ‘deixar algo para o outro’. É o substantivo mais usado para justificar a vinda da Copa do Mundo para o Brasil em 2014. Por enquanto, um verbete esquecido quando o assunto é sociabilidade nas arquibancadas.

INFOGRÁFICO: Confira os números da violência entre torcedores no Brasil

Se em termos de estrutura haverá um salto, com a construção de novas arenas, no aspecto social a transformação segue o caminho inverso. Consenso entre especialistas da área.

"Nunca na história do Bra­­­sil tivemos tantos casos de intolerância no futebol. Pelo fato de a paixão clubística ser uma manifestação que acontece a partir da negação do outro [o rival], a intolerância da sociedade fica mais evidente nos estádios", avalia a professora e pesquisadora da Unicamp Heloísa Reis.

A contar pelo dado mais crítico – quando uma rixa termina em morte –, o Brasil acumula o maior número de óbitos por causa da bola. Só no ano passado, foram 23 comprovadamente ligados ao futebol. Desde 1988, quando foi registrado o primeiro homicídio (Cleo Sostenes, que foi um dos presidentes da organizada Mancha Verde, do Palmeiras, morto a tiros), o país contabiliza cerca de 160 mortes.

"A intolerância vem crescendo de várias formas, com agressões, ferimentos, vandalismo", endossa o sociólogo da Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e autor do livro Para entender a violência no futebol, Mauricio Murad.

O coordenador do Nú­­cleo de Estudos Futebol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Carlos Ribeiro, explica que o problema não está no jogo em si. O professor vê uma faceta ligada à catarse (estado de descarga das emoções) do público. "A violência que repercute no futebol não é diferente da que está na sociedade", diz.

Murad elenca outras três causas que explicam por que as reações– que resultam em agressões verbais ou físicas – são cada vez mais frequentes nas arquibancadas: impunidade, drogas e falta de educação.

"Mais de 95% dos processos no país não são finalizados. Nas minhas pesquisas, é comum torcedores presos em flagrante dizerem que ‘não vai dar em nada’, sabem que não serão punidos", conta. "Encontrei, em São Paulo, indivíduos associados a facções organizadas de clubes rivais que se infiltram para vender drogas. Se aproveitam de um meio movido a paixão", segue. "Por fim, nos falta escolarização. Os não educados não têm solidariedade, são preconceituosos, intolerantes, não aceitam os que não compartilham suas preferências."

Ribeiro acrescenta outro agente que contribui para a violência no futebol. "As instituições que coordenam o futebol [como a CBF, Conmebol e Fifa] são absolutamente corruptas. Deveriam ser idôneas, responsáveis, éticas, mas são, talvez, o espelho quebrado da imagem do futebol", aponta, referindo-se ao baixo engajamento das instituições para a prevenção de incidentes.

Para a Copa do Mundo serão investidos R$ 1,88 bilhão em segurança – sendo R$ 230 milhões específicos para ações de segurança pública, com aquisição de equipamentos, treinamentos, capacitação e fiscalização dos efetivos. Cifras que não dizem respeito ao drama nacional, pois serão para estratégias temporárias.

A tendência de elitização da torcida – a começar por ingressos mais caros (nos últimos dez anos, o custo médio dos bilhetes subiu de R$ 9,50 para R$ 38) e planos de sócio-torcedores – surge como única política de dirigentes para conter distúrbios.

O secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, Valdinho Caetano, diz que o modelo de trabalho conjunto de todos os órgãos de segurança e defesa aplicado na Copa do Mundo será outro ganho para o país.

"Esse planejamento em conjunto fará com que nossas equipes se acostumem a trabalhar juntas e isso ficará de legado para o povo brasileiro."

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