Evandro Rogério Roman chega para o teste físico da Fifa, realizado em Curitiba há dez dias: gosto pela arbitragem só surgiu no meio dos anos 90| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Mineiro vai de goleiro com pouco futuro a integrante do quadro da Fifa

Nos tempos de menino, em Belo Horizonte, ele sonhava em ser um goleiro profissional.

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"Inimigo comum", árbitros vibram com regra bem aplicada como se fosse um gol

Para entrar em campo diante milhões de espectadores na TV, milhares de torcedores no estádio e ainda comandar 22 marmanjos, o sujeito tem de ser "um pouco louco", diz Roberto Braatz. "Tem de curtir muito esse desafio, porque todos são contra você. O sujeito não pode ser normal."

O maior prazer do árbitro, então, é quando todo esse circo termina e ele percebe que saiu ileso.

"Você tem uma espécie de orgasmo prolongado depois do jogo, quando sente que foi bem em campo e a comissão de arbitragem confirma isso fa­­zendo uma boa avaliação sua", diz Evandro Rogério Roman.

Apitar um lance difícil é também como fazer um "gol". "Quan­­­­do você aplica bem a lei da vantagem e sai um gol dessa jo­­gada, é um prazer enorme", confidencia Ricardo Marques.

Outra parte boa da carreira, segundo eles, é a vida cigana. "Já campeei esse mundo todo afora. A Fifa me proporcionou isso. Vo­­cê conhece o planeta através da ar­­bitragem", lembra Carlos Eu­­gênio Simon, que em breve irá para o Egito, apitar no mundial-sub 20, junto com os assistentes Roberto Braatz e Altemir Haus­­smann. (FCC)

Alguns dos alunos do curso de arbitragem da Federação: proximidade com árbitros Fifa animou os aspirantes a juiz

Curitiba virou capital do apito nacional entre 12 e 14 de agosto, ao sediar, pela primeira vez, fora do eixo Rio-São Paulo, testes da Fifa e um curso de aprimoramento promovido pela CBF. O último dia da reciclagem para árbitros coincidiu com o início do Curso de Árbitros Profissionais da Federação Para­­naense. Uma reunião de quase 100 juízes, entre integrantes do quadro internacional e novatos dispostos a seguir a carreira mais polêmica e criticada dos gramados.

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Para Jassiara Simões, 23 anos, aluna do curso da FPF, o convívio com apito e cartões vem do berço. Desde os dois anos de idade ela acompanhava nos jogos o pai, árbitro, e achava tudo aquilo o máximo. Aos 18 ela já apitava no futebol amador. Hoje seu maior sonho é ingressar na CBF e, quem sabe um dia, fazer parte da Fifa, feito conquistado pela árbitra Maria Eliza Correia, que também circulava pelo hotel que sediava as aulas.

Jassiara, contudo, é uma exceção. A maioria descobre a vocação só ao longo do tempo. Muitos foram "projetos" de jogadores de futebol que depois perceberam na arbitragem uma forma de finalmente serem bem sucedidos entre as quatro linhas, tal como relatam o gaúcho Carlos Eugênio Simon ("joguei bola até meus 19 anos") e o paranaense Roberto Braatz ("fui zagueiro até os 26"), ambos da Fifa.

Há ainda outras situações, co­­mo a do paranaense Evandro Ro­­gério Roman. Árbitro Fifa, ele revela nunca ter tido a ilusão de ser jogador, nem pensava em apitar quando jovem. Queria conhecer as regras de futebol a fundo apenas para ir bem no seu curso de Educação Física – hoje ele é doutor na área, pela Uni­­camp. O interesse só se transformou em carreira em 1995, quando ele foi aprovado no curso da CBF. "Sinto que a vida me levou nessa direção e eu abracei isso", diz Roman.

Paixão pelo futebol

Os motivos que levam as pessoas à arbitragem variam. Por outro lado não muda muito o perfil psicológico desses indivíduos. O espírito de liderança é uma característica comum. O árbitro é aquele que organizava os jogos da gurizada no bairro (feito Rafael Vieira Martins, que faz o curso da FPF) ou era representante de turma na escola (o caso de Paulo César Oliveira, da Fifa). O apreço pela disciplina é outro sinal marcante. O aspirante a ár­­bitro Marcos Souza é oficial do Exército; o carioca Djalma Bel­­trami, famoso por apitar a "Bata­­­lha dos Aflitos", é Tenente-coronel da Polícia Militar do Rio.

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Mas entre outras características, a mais importante que os une é o respeito e paixão pelo futebol. "Claro que é sensacional ver a bola rolando. Dá vontade de meter o pé também", diz Car­los Eugênio Simon, revelando que, por trás da postura fria do ár­­bitro, existe um sujeito tão empolgado quanto os jogadores. Mas como lembra Robert Ges­­sner, 19 anos, do curso da FPF: "é preciso deixar essa emoção no subconsciente, senão você está frito com a torcida." Simon, porém, não vê problema de cumprimentar um jogador que faz uma bela jogada. "Você pode fazer isso, desde que mantenha a linha. Eu cumprimentei o Ro­­binho depois das pedaladas que ele deu no jogo contra o Co­­rinthians, em 2002, que o Santos venceu", lembra.

Mas um árbitro assumir que possui um time do coração ainda é um tabu no futebol. "O nosso time é segredo de estado. A única camisa que você passa a vestir é a da arbitragem", diz Ricardo Marques, da Fifa. Ele também reconhece que, à medida que um árbitro se depara com os bastidores do esporte, ele perde as ilusões típicas dos torcedores fanáticos. "Você vê que o jogo é mais um negócio e às vezes isso te desanima, principalmente o comportamento de dirigentes que não honram a história dos clubes."

Ainda sobre a impossibilidade de o árbitro assumir publicamente o seu time, Roberto Braatz faz uma crítica. "Por que um jogador de futebol pode dizer que tem um time do coração e um árbitro não pode fazer o mesmo? Ambos são profissionais e sabem separar as coisas. Mas conosco não existe tolerância."