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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O carnaval foi originado na Grécia, meados dos anos 600 a.C., e acabou adotado pela Igreja Católica em 590 d.C., festejo anterior ao período de privações da Quaresma. O futebol nasceu na Inglaterra e teve 1863 como marco inicial, ano da elaboração das regras do esporte.

Dois universos tão distantes se misturaram no Brasil ao longo do tempo – confusão que é fenômeno exclusivo e teve o Rio de Janeiro como principal difusor. Juntos, tornaram-se marcas da identidade nacional e não há lugar ou pessoa mundo afora que não reconheça o país como terra da bola e da folia.

Aparentemente indissociáveis, a relação entre futebol e carnaval, entretanto, esfria a cada ano que passa. Um movimento de distanciamento que partiu do esporte, cada vez mais refratário à descontração que importou dos bailes e avenidas.

"Há uma separação entre os dois que não poderia ocorrer. Sempre tiveram uma convivência fraterna e assim deveria permanecer", aponta Sérgio Cabral, jornalista, especialista em samba, carnaval e futebol, além de escritor e compositor.

Ruptura desencadeada ao final dos anos 90, período em que os clubes de futebol passaram a conviver com somas vultosas de dinheiro – oriundas das negociações de jogadores para o exterior, patrocínios e verbas de televisão. Parecia um novo eldorado que detonou um processo, ou tentativa, de profissionalização.

Mas, desde então, os clubes apenas patinam na disposição em aproximar o futebol brasileiro do modelo europeu. Só conseguiram modificar a relação entre o futebol e o carnaval. Estremecida ainda nas arquibancadas, no comportamento dos atletas e mesmo dentro de campo.

Trauma em um vínculo intensificado a partir da década de 30 – anteriormente, notado somente pelo aparecimento de entidades híbridas no início do século XX, como a Sociedade Carnavalesca Miséria e Fome Football Club, do Rio de Janeiro. Os anos 30 marcaram a fase em que as duas atividades ganharam em organização, praticamente ao mesmo tempo.

O futebol recebeu o status de esporte profissional em janeiro de 1933, com a fundação da Liga Carioca de Futebol. Até então, o Brasil não possuía leis trabalhistas ou regulamentações sobre direitos e deveres das partes envolvidas.

A bola ainda teve papel importante na regulação do carnaval. Foi o primeiro jornal esportivo do Brasil, o carioca Mundo Esportivo, do jornalista Mario Filho, o responsável por impulsionar a criação dos desfiles de escola de samba no Rio de Janeiro.

Em 1932, a publicação criou uma competição entre os sambistas do morro para ocupar as páginas nos meses de janeiro e fevereiro, folga dos times na temporada. Apenas dois anos depois, em 1935, as escolas de samba e o próprio desfile foram oficializados.

"O Mario Filho é figura elementar. Foi importante também na popularização do futebol, ao inaugurar uma abordagem menos erudita. Ainda incentivou a festa na arquibancada, com os concursos de torcidas etc.", diz Laércio Becker, servidor público e pesquisador do futebol, autor do livro Do fundo do baú: pioneirismos do futebol brasileiro.

Antropólogo e escritor, Roberto DaMatta destaca outras conexões dos primórdios: "Tanto o carnaval como o futebol eram – e ainda são – instrumentos de ascensão social. Passaram a representar ainda a influência africana no Brasil, com a presença da ginga, no campo e na avenida, como identificou Gilberto Freyre".

Em 1938, o sociólogo Gilberto Freyre escreveu o artigo "Football mulato", impressionado pelas atuações da seleção brasileira na Copa do Mundo da França. Também escritor e antropólogo, o pernambucano assinalava um estilo próprio do brasileiro, que habilitava o mulato tanto para o samba como para o futebol.

Mais tarde, outro acontecimento fortalece a fusão. Entre 1945 e 1949, Lamartine Babo, carioca, famoso por compor marchinhas carnavalescas, elaborou músicas que tornariam hinos extraoficiais de clubes como América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco.

Em 1981, Babo foi tema do enredo da Imperatriz Leopoldinense, o primeiro a unir na Marques de Sapucaí os dois mundos. De lá para cá, outros dez desfiles homenagearam clubes ou figuras relacionados ao esporte, como a Beija Flor que, em 1986, aproveitou o embalo da Copa do Mundo no México para desfilar com "O mundo é uma bola".

A proximidade era alcançada também pelos blocos. "Nós sempre estivemos juntos", diz Ubirajara do Nascimento, mais conhecido por Bira Presidente, ritmista do grupo Fundo de Quintal e fundador do Cacique de Ramos, bloco de carnaval mais tradicional do Rio de Janeiro. "Jogadores como Carlos Alberto Torres, Josimar, Zico, Brito, Paulo César Caju e etc. estavam sempre conosco", completa.

Afinidade enfraquecida a partir dos anos 90. "Sinto um afastamento, mas não entendo o motivo", declara Bira Presidente. "É difícil identificar um motivo central. Talvez a elitização do futebol, não sei ao certo. Mas não vejo a mesma paixão entre os dois", sentencia Sérgio Cabral.

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