Geórgia Franco, pioneira na promoção e educação sensorial para cafés especiais no Brasil.| Foto: Leticia Akemi/Arquivo Gazeta do Povo
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Dois ingredientes que acompanham o ser humano há séculos, o trigo e o café estão na base da alimentação diária humana, tanto no campo quanto na cidade. Em Curitiba, o jeito de preparar a bebida e o pão tem se destacado pelo trabalho em conjunto de padeiros, mestres de torra, baristas e produtores rurais. Surgido de maneira espontânea em 2019 a partir de conversas entre profissionais da área, o movimento Café com Pão deu um contorno à cena curitibana e agora encampa a promoção do saber-fazer local.

"Os produtos são complementares, são servidos juntos em muitas ocasiões. Os padeiros e baristas [de Curitiba] se aproximaram, porque onde tem pão sempre tem café, e vice-versa", resume Geórgia Franco, proprietária do Lucca Café, mestre de torra e instrutora do Lucca Lab, a escola de educação sensorial e de torra do Lucca. O trabalho de Geórgia no Lucca é referência em café especial há mais de duas décadas e com o movimento Café com Pão, uma nova etapa de reconhecimento se inicia.

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Em março de 2022, a San Francisco Baking Institute abriu sua primeira unidade fora dos Estados Unidos. A SFBI Curitiba funciona em anexo ao Lucca Café. Quem idealizou a presença da escola de panificação no Brasil foi Eduardo Freire, padeiro que foi aluno de Michel Suas na cidade californiana, e que apresentou ao estadunidense a evolução da panificação artesanal na cidade. "Curitiba tem ótimas pequenas padarias artesanais e, de quebra, está próxima a um projeto super especial de produção de farinha de trigo de qualidade", justificou Suas em entrevista ao Bom Gourmet na ocasião.

Suas se refere à Moageira Irati, parceira da SFBI Curitiba e a primeira indústria do setor no Brasil a investir em variedades de trigo para diferentes finalidades culinárias e ter controle de origem.

Hoje, maior parte das farinhas do Brasil são compostas por diferentes tipos de trigos usados para pão, macarrão, biscoito. Esses trigos são moídos todos juntos e corrigidos com aditivos para cada preparo específico. Para conseguir uma qualidade superior para o pão artesanal, o padeiro Eduardo Freire se juntou a Moageira Irati e, depois de mais de dois anos de estudos e testes, lançaram o Trigo de Origem, um trigo especial para a panificação artesanal, com alta hidratação e de longa fermentação. “Neste processo, o trigo é selecionado na sementeira, plantado separado na fazenda e segregado no moinho. Todo o processo dele é feito separadamente, até mesmo a moagem, além de não receber aditivos. Na embalagem há um QR code, onde é possível verificar as análises da farinha como nível de absorção, teor de proteína, força e até quem plantou e quem moeu o trigo, aumentando o nível de confiabilidade e rastreio”, explica Eduardo.

A primeira safra da farinha "importada de Irati" foi transformada em pão por Oscar Luzardo, da La Panoteca, em 2017. Em 2020, o projeto foi finalista na categoria Ingredientes do FI Innovation Awards Pocket.

"Até a Moageira Irati lançar a Farinha de Origem, farinha era só farinha. Uma commodity que misturava todo tipo de trigo e nivelava a matéria-prima por baixo para atender à demanda da grande indústria", explica Geórgia. "O trigo de origem tem farinhas próprias para fermentação natural, folhados, pizzas, etc. É o mesmo conceito que há 30 anos temos construído com os cafés especiais", analisa a mestre de torra.

Pães de fermentação natural do padeiro Eduardo Freire, que começou sua panificação junto do Lucca Cafés Especiais. Agora, Freire é sócio da primeira San Francisco Baking Institute fora dos EUA, aberta em 2022 em Curitiba.| Foto: Letícia Akemi/Arquivo Gazeta do Povo

É um background de peso. Além do Lucca Cafés Especiais, La Panoteca, Moageira Irati e o padeiro Eduardo Freire, o movimento Café com Pão teve como primeiros entusiastas também a Chicago Bakery, Prestinaria Casa de Pães, Supernova e a barista campeã e empresária Estela Cotes, que à época geria o Café do Moço. Aos poucos, no pós-pandemia, mais profissionais da área se interessam e aderem ao movimento.

A caminho da consolidação

Ainda em processo de finalização, o movimento desenhou os parâmetros de qualidade para reconhecer a legitimidade do pão e café especiais. Para a panificação, por exemplo, é preciso que a farinha tenha rastreabilidade, hidratação de pelo menos 80% e no mínimo 16 horas de fermentação natural.

Segundo Geórgia, dentre os próximos passos do movimento estão estabelecer uma auditoria para garantir o nível de qualidade das cafeterias e panificadoras do movimento e organizar capacitações com auxílio do Sebrae.

Em novembro de 2022, o Mercado Municipal de Curitiba recebeu o primeiro evento do Café com Pão. O festival reuniu autoridades de ambos os setores, representantes do poder público, empresários e profissionais técnicos durante um fim de semana. Na programação, masterclasses de panificação artesanal, degustação de cafés especiais e uma demonstração de torra de café.

O evento entrou para o calendário oficial da cidade e a próxima edição deve ocorrer entre o final de agosto e o início de setembro de 2023. O período reúne importantes efemérides: é próximo ao aniversário do Mercado Municipal e a época em que as colheitas do café e do trigo já se encerraram.

A segunda edição oferecerá mais experiências ao público consumidor, como um itinerário de cafeterias e panificadoras com produtos específicos para promover no período. "Café e pão não convivem apenas na mesa, quando são consumidos. Eles compartilham do mesmo conceito desde a origem no cultivo e na indústria", finaliza Geórgia.