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Representação artística do planeta Terra em chamas
O alarmismo climático é um dos favoritos dos progressistas, mas ocupou o banco de passageiro temporariamente durante a pandemia.| Foto: Pixabay

“Rejeito de modo inequívoco, como pessoa e cientista, a noção de que as crianças estão fadadas de alguma forma a viver uma vida infeliz”. As palavras são da climatologista Kate Marvel, da Universidade Columbia em Nova York, à coluna do jornalista Ezra Klein no New York Times, três dias atrás. A razão de a dra. Marvel sentir necessidade de fazer essa declaração é que o alarmismo das mudanças climáticas está fugindo ao controle.

Um quarto dos adultos americanos sem crianças dizem que o aquecimento global é um motivo pelo qual não tiveram filhos, segundo uma pesquisa de 2020 da Morning Consult. Já a empresa de análise Morgan Stanley concluiu que “o movimento na direção de não fazer filhos por causa do medo das mudanças climáticas está crescendo e impactando as taxas de natalidade mais rápido que qualquer tendência anterior”. Já a empresa YouGov, entrevistando mais de 30 mil pessoas ao redor do mundo, aponta que quase metade delas creem que as mudanças climáticas darão um fim à nossa espécie. Apesar de a quantidade de espécies de seres vivos no planeta ser mal compreendida, essa má compreensão não impede a sugestão já comum de que a Terra passa por um sexto evento de extinção em massa, similar ao que matou os dinossauros.

Nos últimos dois anos, porém, o pânico do clima cedeu um pouco de espaço ao medo de vírus. Alarmistas diversos lançaram-se ao estrelato com números assustadores de quantos morreriam na pandemia. Um pivô nesta seara foi o grupo de pesquisa do Imperial College em Londres, chefiado pelo epidemiologista Neil Ferguson. O grupo publicou um modelo em março de 2020 que levou a previsões mirabolantes de que um a três milhões de brasileiros morreriam de Covid até setembro de 2020. Como disseram em artigo publicado na Gazeta do Povo Steven Hanke, professor de economia aplicada na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, e Kevin Dowd, professor de finanças e economia na Faculdade de Negócios da Universidade Durham, o grupo de pesquisa do Imperial College é uma verdadeira máquina do medo que atua há mais de 20 anos. Levou ao abate desnecessário de 10 milhões de animais em 2001, prometeu 150 mil mortos pelo mal da vaca louca no Reino Unido em 2002 (morreram 178), e “até 200 milhões” pela gripe do frango em 2005 (foram 456 até o ano passado).

Algo que chama a atenção é que as pessoas que produzem ou espalham alardes com exagero geralmente têm uma determinada visão política. Sabemos disso há pelo menos 30 anos.

O Algoritmo de Sowell

No livro “A Visão dos Ungidos: O Autoelogio como Base para Política Social” (tradução livre de The Vision of the Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social Policy, publicado em 1995), o filósofo e economista americano Thomas Sowell põe em prática a teoria política neutra que desenvolveu em um livro anterior para criticar o modo de atuação de progressistas ou esquerdistas em suas causas. Sowell os chama de “ungidos” não (só) para criticar, mas porque nesse livro anterior, “Conflito de Visões” (É Realizações, 2011; original de 1987), ele oferece uma teoria política com uma classificação alternativa à tradicional de esquerda e direita.

Em suma, ungidos são aqueles que creem que a natureza humana é essencialmente boa, mas corrompida pela sociedade, e maleável a seus planos para cuja execução raramente pensam não ter conhecimento suficiente. Seus principais rivais são os adeptos da “visão trágica”, que pensam que o papel da sociedade é civilizar a natureza humana, pois ela é profundamente defeituosa “de fábrica”, e por isso toda proposta de solução social na verdade é uma compensação entre o que se pretende fazer e efeitos colaterais. A esquerda corresponde aos ungidos, mas imperfeitamente. Libertários que pensam que seria possível uma sociedade sem Estado e acreditam ser possível apelar para o bom comportamento dos indivíduos com um “pacto de não-agressão” também poderiam se encaixar no grupo.

Na economia, a ideia de um planejamento central é claramente uma obsessão dos ungidos, enquanto os defensores da visão trágica tenderão a apoiar outras configurações como o livre mercado e a delegação de decisões a empresários.

Analisando as “cruzadas ideológicas” que atraíram os intelectuais ungidos no século XX, “do movimento da eugenia nas primeiras décadas do século ao ambientalismo nas últimas décadas, além do Estado de bem-estar social, socialismo, comunismo, economia keynesiana, e movimentos de segurança médica, nuclear e automotiva”, ele vê um padrão que une tudo isso.

Chamemos este padrão de “algoritmo de Sowell”. Consiste em quatro fases:

  1. Asserções de um grande perigo à sociedade como um todo, um perigo que escapa à percepção das massas.
  2. Uma necessidade urgente de ação (uma solução ideal proposta pelos ungidos) para impedir a catástrofe iminente.
  3. Uma necessidade de o governo restringir drasticamente o comportamento perigoso de muitos em resposta às conclusões prescientes de poucos. Como é impossível que o plano seja perfeito e não ocorram efeitos colaterais indesejados, os resultados são decepcionantes.
  4. Uma rejeição desdenhosa de argumentos contrários com a alegação de que são desinformados, irresponsáveis, ou motivados por propósitos escusos. Essa atitude é aplicada antes, durante e depois da solução proposta no segundo passo dar errado.

Um algoritmo é uma receita ou protocolo envolvendo operações para resolver um determinado problema. O que este algoritmo tem de diferente é não entregar soluções, mas reforçar a superioridade moral dos ungidos e ignorar as críticas. Seu primeiro passo é sempre algum tipo de alarmismo, seguido pela arrogante autoafirmação dos ungidos como portadores da solução, da sua mania de usar o Estado e seu monopólio coercitivo para este fim e, finalmente, resultados decepcionantes que são tratados com dissimulação e amnésia.

Aplicando o algoritmo

O livro de 1995 de Sowell é rico em exemplos da atitude descrita. Apesar do enriquecimento paulatino dos mais pobres nos Estados Unidos nas décadas anteriores, o presidente Lyndon Johnson, em resposta a alegações de pobreza abjeta cada vez mais comum (passo 1) declarou uma “guerra à pobreza” nos anos 1960 (passo 2). A tal “guerra” é um plano de assistencialismo que promete que o gasto na época compensaria com economia mais tarde, pois elevaria os pobres a uma condição de independência. No aniversário de 50 anos da guerra à pobreza, a Heritage Foundation informou que foram gastos 22 trilhões de dólares ao todo no programa, três vezes mais do que gastaram em todas as guerras desde a Revolução Americana, com efeito sobre a pobreza nulo ou limitado (passo 3). Como contou a revista Vox em março de 2021, o atual presidente americano Joe Biden prometeu uma segunda guerra à pobreza (passo 4). Como resultado do auxílio dado por Biden, o mercado de trabalho americano ficou com vagas sobrando.

Cuidadoso, Thomas Sowell não se compromete com a ideia difícil de provar de que os eventos observados após os planos mirabolantes dos ungidos são sempre resultados diretos desses planos. Mas basta notar que as coisas geralmente não acontecem como prometido, que há uma correlação, para saber que há algo errado com o alarmismo seguido de oferta arrogante de soluções e tréplicas ainda mais arrogantes a críticas.

A própria pandemia oferece uma riqueza de exemplos do algoritmo. As previsões de mortos inflaram o tamanho do problema, esse alarmismo motivou soluções mirabolantes envolvendo o fechamento do comércio e o uso obrigatório de máscaras de eficácia duvidosa por todos, todas essas medidas com qualidade científica questionável. O alarmismo também não aceitou que as vacinas fossem facultativas, e algumas pessoas coagidas a tomá-las sofreram com efeitos colaterais — e o problema com isso é que quem as forçou deveria assumir responsabilidade, o que não é um forte dos ungidos.

No fim das contas, duas análises de excesso de mortes apontam que a pandemia matou 20 milhões de pessoas — o que inclui os efeitos das medidas para contê-la. Uma ênfase na racionalidade deixaria o alarmismo de lado para reconhecer ignorância na proposta de soluções e quanto ao tamanho do problema. Mas a visão dos ungidos, alimentando o próprio poder, trata a população não como um conjunto de seres racionais, mas como gado a ser tocado com a vara do medo. Não é lucrativo para a população, mas dá emprego para muitos especialistas.

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