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Sede da Odebrecht em São Paulo: empresa envolvida em esquema de corrupção com o governo | NELSON ALMEIDA/AFP
Petroquímica Braskem, controlada pela Odebrecht, fechou acordo de leniência no valor de $ 2,87 bilhões com a justiça brasileira.| Foto: Nelson Almeida/AFP

No dia em que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou os processos em que Lula foi condenado na Lava Jato de Curitiba, nada melhor que ir atrás do livro “A Organização”(Companhia das Letras), escrito pela jornalista Malu Gaspar. A obra narra o apogeu e a queda da maior empreiteira do país, a Odebrecht, um colosso empresarial que, em seu auge, chegou a faturar R$ 107 bilhões e empregar mais de 128 mil funcionários.

No começo da década passada, a Odebrecht era um símbolo da Nova Matriz Econômica petista, uma autêntica campeã nacional, responsável por grandes obras no Brasil, na América Latina e na África. Ao longo de 600 páginas da leitura do livro de Malu, no entanto, não há como relacionar os vultuosos feitos da empresa à algum diferencial técnico, alguma expertise, algo que indicasse vantagem de engenharia em relação ao seus concorrentes.

“No livro eu tentei chegar a um veredito sobre isso (capacidade técnica), mas a conclusão é que não é possível. Como você vai falar em excelência em uma empresa que não tem limite de gastos, que tinha superfaturamentos e aditivos em série como regra?”, questiona Malu.

Festival de horrores em Angra dos Reis

Ao longo de sua história, a capacidade técnica da Odebrecht deixou a desejar quando exigida, como mostra o livro. No Equador, uma hidrelétrica construída a partir de túneis subterrâneos rachou. Na construção do estádio do Corinthians, o Itaquerão, o túnel do metrô que a empreiteira estava construindo caiu.

Ainda nos anos 70, durante o regime militar, as obras de Angra 2 e 3, tocadas pela Odebrecht, foram um festival de horrores com atrasos de cronograma, erros estruturais e de cálculo,  peças compradas no formato errado e até vazamento de material radioativo no canteiro de obras. O caso virou reportagem da revista alemã Der Spiegel e uma CPI chegou a ser instalada, ainda quem sem conclusão nenhuma.

A Odebretch, é claro, deve ter empregado bons e competentes engenheiros e profissionais em seus quadros ao longo da história, mas isso era irrelevante e indiferente, uma vez que a empreiteira não vendia obras de engenharia. O “core business” da Odebretch era outro. Era o relacionamento.

Capitalismo de laços

“A Organização” é a mais acabada descrição empírica do arranjo que o economista Sérgio Lazzarini descreveu em seu livro “Capitalismo de Laços”. Publicado em 2010, narra como cultivar um emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio tornou-se crucial para o capitalismo brasileiro.

Esse modelo, diz Lazzarini, confere “ vantagens àqueles que têm os ‘contatos certos’, independente do seu mérito pessoal. Sem eles, empreendedores com projetos igualmente ou mais meritórios podem ser alijados do jogo econômico. Adicione-se a isso o esforço despendido para estabelecer conexões valiosas: desde o tempo e investimento pessoais para construir relações recíprocas até, de forma mais extrema, ações de corrupção ativa envolvendo ‘compra’ de atores públicos em troca de facilidades.”

É aí que reside o diferencial da Odebrecht. A Operação Lava Jato evidenciou que o pagamento de propina a políticos, em troca do mais variado cardápio de acertos em obras públicas, era uma realidade entre as grandes empreiteiras brasileiras.

O mecanismo

A Odebrecht, porém, levou essa relação ao “estado da arte” como mostra Malu. A empresa aperfeiçoou durante anos uma sofisticada engrenagem interna destinada ao pagamento de políticos, chegando a criar um departamento específico para isso, o Departamento de Operações Estruturadas. Nele, os beneficiários da propina eram identificados por apelidos e recebiam seu dinheiro por meio de transações no exterior, em operações em sequências, destinadas a ocultar os reais remetentes e destinatários dos valores pagos.

A operação era tão grandiosa que envolvia uma parceria com uma cervejaria para lavagem de dinheiro e a compra de um banco em um paraíso fiscal.

Se a empresa se profissionalizou em mecanismos de pagamento, não foi diferente na outra ponta, na cooptação de aliados. A Odebrecht construiu uma rede de lobistas prontos a garantir atendimento individualizado a seus clientes, no caso os políticos. O caso mais emblemático é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, descoberto” por Emílio Odebrecht ainda nos anos 80.

Amizade com Lula

À época, um promissor Lula ajudou a Odebretch e desarmar greves em seus canteiros de obras utilizando de sua influência no movimento sindical. Lula e o irmão, Frei Chico, entraram no rol de aliados da empresa e dali nunca mais saíram.

A relação de camaradagem entre os dois foi duradoura e vantajosa, especialmente, é claro, durante a gestão do petista como presidente. Lula foi a maximização de um preceito fundamental para a empreiteira. “Aquilo que o cliente quer e precisa, aquilo que esse cliente considera valioso, é o decisivo”, diz Norberto Odebrecht na licão fundamental de sua TEO, Tecnologia Empresarial Odebrecht, uma espécie de manual de instruções do patriarca para as gerações vindouras.

Fim de uma era

Para além de Lula, no entanto, a Odebrecht atendia políticos de diferentes partidos e espectros ideológicos. Bastava ser relevante, ou promissor. Ou seja, políticos que tivessem força política no presente ou que oferecessem possibilidade de vantagens no futuro. Investir na baixa para ganhar na alta era um manta na empresa.

O apogeu do esquema Odebrecht coincidiu com o ponto alto da Nova Matriz Econômica e das eleições turbinadas com dinheiro de propina. Na eleição de 2010, por exemplo, a Odebrecht pagou 420 milhões de dólares em propinas a políticos.

O livro de Malu relata esses anos de glória e também seu ocaso. A Lava Jato provou o que todo mundo de certa forma sabia. Gestores públicos corrompidos garantiam superfaturamento e aditivos em série em obras públicas, que geravam lucro para um grupo de empreiteiras, que retribuíam com pagamento de propina para esses mesmos gestores e, principalmente, para os políticos que os indicaram.

O desmantelamento desse esquema representa o fim de três histórias que se entrelaçam. O fracasso da Nova Matriz Econômica; a ruína da Odebrecht como império familiar, representada no rompimento com toques de drama entre Emílio e Marcelo Odebrecht; e, por fim, o desmoronamento do sistema político eleitoral brasileiro nascido na redemocratização.

E o judiciário?

O livro de Malu traz ainda dicas de que certos segredos da Odebrecht não foram contados. A empreiteira manteve por décadas uma engrenagem que produzia corrupção em escala industrial sem tentáculos na mídia e no próprio Judiciário?

Provavelmente não saberemos, já que a Lava Jato vive um momento de baixa e parte do Supremo Tribunal Federal trabalha para enterrar a operação no lugar de depura-la. A conclusão que se chega é que se a Odebrecht encolheu e tenta sobreviver com outro nome, é impensável dizer que o sistema de capitalismo de laços foi deixado para trás ou que a corrupção acabou, como chegou a se propagandear. A Organização ajuda a entender as escolhas que o Brasil fez e como e porque estamos onde estamos.

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