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Dilma ético da vacinação obrigatória contra covid
Deputada propõe forçar vacinação da filha de Bolsonaro contra Covid, ignorando consentimento e ciência. Suécia, sem obrigatoriedade, teve menos mortalidade que Noruega.| Foto: Bigstock/Alexandr032

A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, em seu artigo terceiro, que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal, incluindo autonomia. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no artigo sétimo, veta experimentação médica ou científica sem consentimento livre do indivíduo. O primeiro princípio do Código de Nuremberg diz que o consentimento voluntário do indivíduo é essencial para qualquer tratamento médico. Aparentemente, a deputada federal do PSOL Luciene Cavalcante discorda disso tudo, já que ela pediu que as forças do Estado brasileiro interfiram na família do ex-presidente Jair Bolsonaro, forçando-a a vacinar a menina Laura, de 12 anos, contra Covid-19.

Segundo a colunista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo, a deputada solicitou que a Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude, parte do Ministério Público, use uma decisão de 2020 do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu que o Estado pode obrigar os cidadãos a se vacinarem, mesmo se isso for contra as convicções filosóficas e religiosas dos pais.

Leis ou decisões judiciais não têm o condão de alterar a realidade, e a realidade a respeito das vacinas para Covid-19, que salvaram vidas nos grupos mais vulneráveis à doença, é que não são comparáveis às vacinas clássicas que tínhamos antes. Até mesmo o termo “vacina” é questionável para aquelas que usam um protocolo muito diferente do clássico. Foram feitas às pressas, foram aplicadas na população sob autorizações de emergência, e precisam passar por todas as exigências de rigor dos tempos de normalidade, especialmente agora que o coronavírus SARS-CoV-2 evoluiu na direção de variantes menos preocupantes.

O que é uma vacina? É uma forma de chamar à ação o muito complexo sistema imunológico humano. A maior parte do trabalho é feito por ele, as vacinas apresentam uma forma atenuada ou desativada do ente que causa a doença (método clássico), o sistema imunológico cria defesas contra esse ente, e essas defesas servem contra as versões mais perigosas do mesmo patógeno em circulação. Fazendo uma comparação crua, uma vacina é tão importante para a proteção contra um patógeno quanto um pavio é importante para o funcionamento de uma bomba. É importante, mas não é onde a ação mais salutar acontece. Ainda é possível explodir sem pavio, e ainda é possível se imunizar sem vacina, apesar da insistência de muitos de sinonimizar o verbo “imunizar-se” a “vacinar-se”.

É completamente incompreensível, portanto, que tantos tenham passado anos na pandemia negando o benefício da imunidade adquirida após infecções, e negando aos previamente infectados acesso a prédios públicos, como vergonhosamente fez a Universidade de Brasília em todos os seus prédios, com sua política do orwellianamente chamado “passaporte” vacinal: um passaporte que serve para fechar portas, em vez de abrir fronteiras. A negação dos poderes do sistema imunológico foi tamanha que o relatório final da CPI da Covid alegou que “a imunidade de rebanho pela exposição ao vírus seria impossível”.

Outra realidade a respeito das vacinas contra Covid, que serve como banho de água fria para as pretensões autoritárias sanitárias, é que o máximo que elas conseguem de eficácia contra transmissão e infecção é 40% (se saem melhor em evitar sintomas severos e mortes nos grupos vulneráveis). Porém, só conseguem atingir 40% quando têm a ajuda extra da imunidade natural conferida por infecção prévia. É a chamada imunidade híbrida, talvez a mais forte contra Covid, o que desmente tanto os que exageram para o lado da natural quanto os que exageram para o lado da vacinal.

Muitos reclamaram, inclusive nesta Gazeta do Povo, que a medicina se politizou na pandemia. O que falta dizer, às vezes, é o porquê. A medicina se politizou porque uma tribo política com uma dieta pouco variada em preocupações morais, que põe a oferta de cuidados e a atenuação de danos a grupos seletos acima de tudo (leia esta explicação sobre a Teoria das Fundações Morais), optou pelo caminho do autoritarismo. A resistência inclusive científica a essa onda de tirania hipocondríaca, que discordou que só trancamentos, imposições e estatolatria seriam o curso da sensatez durante a emergência médica global, se solidificou na Declaração de Great Barrington, um documento essencialmente liberal, autiautoritário, além de científico.

Ora, se grupos poderosos dentro da medicina se esquecem de princípios importantes como aqueles do Código de Nuremberg, negam que a imunidade natural (que vacinas tentam emular e engatilhar) é importante, e abusam de argumentos consequencialistas para atropelar até mesmo o juramento de Hipócrates (por exemplo ao recomendar doses obrigatórias para universitários e mulheres jovens, arriscando seu coração), não é apenas justo que os médicos com outros compromissos morais e políticos respondam: eles são chamados à ação pela ética em si, pela natureza profunda da medicina como algo que existe para benefício humano.

Seres humanos submetidos ao autoritarismo ao menos mantêm sua capacidade de imaginar: mulheres forçadas a usar véu pelo regime teocrático do Irã podem ver que a vida não precisa ser assim, e se imaginar vivendo no ocidente, com os cabelos soltos ou presos, como bem quiserem.

E os brasileiros preocupados com a escalada do cala-boca, das proibições e obrigatoriedades, especialmente na pandemia, podem olhar para alternativas no mundo: a Suécia jamais estabeleceu obrigatoriedade de vacinas contra Covid, reconhecendo as evidências de que nunca ficou sequer claro que elas fossem necessárias para crianças saudáveis, sem comorbidades. Em outras palavras, a Suécia confiou na imunidade natural. O país também não fez lockdowns, graças à resistência de duas mentes iluminadas.

Resultado: a Suécia se saiu melhor que a média da Europa. Alguns insistiam que a Suécia deveria ser comparada, com mais justiça, com a Noruega, que fez lockdown e teve bons resultados. Mas o martelo foi batido em março: o jornal sueco Svenska Dagbladet informou que, compreendendo 2022, a Suécia teve menos mortalidade que a Noruega. Quando a barbárie bate à porta, é sempre bom lembrar que ainda existe civilização.

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