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Garota com pintura facial sugerindo lágrimas de arco-íris, símbolo LGBT
Os estados com políticas mais permissivas em acesso de tratamento médico por menores sem autorização dos pais tiveram aumento em suicídio de jovens nos Estados Unidos, ao contrário do previsto pelos defensores da “afirmação de gênero”.| Foto: Bigstock / katyasmiley

What is a woman? (“O que é uma mulher” em tradução livre), documentário publicado este mês pela empresa conservadora de mídia The Daily Wire, trouxe evidências incontestáveis de que existem terapeutas de transexuais que acreditam que a puberdade pode ser “pausada como uma música” e continuada mais tarde sem grandes problemas. Essa opinião, que ignora a complexidade dessa fase do desenvolvimento e a falta de conhecimentos estabelecidos sobre as consequências da “pausa”, está agora sob escrutínio ainda maior com a publicação de um estudo da Heritage Foundation na semana passada (13).

O autor do estudo é Jay P. Greene, pesquisador do Centro de Política Educacional da fundação, que é um think tank conservador com sede em Washington. Greene critica dogmas do ativismo trans, especialmente o argumento que soa como chantagem de que, se a disforia não receber como tratamento único a “afirmação de gênero” — concordância do terapeuta ou médico com a identidade adotada pelo paciente, envolvendo tratamento hormonal e até cirurgias, em vez de uma posição neutra ou contrária —, isso levará a suicídio.

A transexualidade é uma condição que advém de um tratamento possível para a disforia de gênero, uma persistente e intensa rejeição às características sexuais do próprio corpo. A disforia é um transtorno reconhecido pela psiquiatria, e a variação de expressão de características sexuais no comportamento e na aparência é conhecida há milênios. A transexualidade seria o “extremo” do homem afeminado ou da mulher masculina, que passam a viver respectivamente como “mulher trans” e “homem trans”, no linguajar considerado mais respeitoso e condutivo à saúde mental daqueles que têm na transição de uma expressão para outra o tratamento mais recomendado para a disforia.

Alguns dos principais pontos contenciosos, onde entram discordâncias morais e políticas, são:

  • Se deve haver autonomia de pais e terapeutas para intervir no organismo de menores de idade com disforia, quando não podem responder por si. Aqui, é relevante o fato de que uma fração importante das crianças que manifestam disforia a ‘resolvem’ sem necessidade de transição, vivendo geralmente como gays, lésbicas e bissexuais na vida adulta.
  • Se o risco de suicídio nos menores que não têm acesso aos tratamentos de transição justifica que o Estado faça intervenções que vão contra a vontade dos pais ou responsáveis.
  • Se os riscos para menores apresentados pelos tratamentos de transição (hormônios, bloqueadores de puberdade e cirurgias em particular) equivalem a uma impugnação deles na análise risco-benefício.
  • Se maiores de idade devem ter liberdade de buscar tratamentos de transição, e se esses tratamentos devem ser oferecidos com gasto de impostos.
  • Se a transição é um tratamento poderoso o suficiente para inverter as diferenças conhecidas entre os sexos em características socialmente relevantes como a vantagem masculina nos esportes.
  • Se teses acadêmicas controversas, como a distinção entre sexo e gênero, ajudam ou atrapalham na questão.

Mais acesso à transição significa mais suicídios?

No novo estudo, Greene revisa a literatura de risco e benefício do bloqueio da puberdade e da transição hormonal e, em nova análise, conclui que o acesso facilitado a esse tratamento está associado a um aumento de suicídios. As drogas que bloqueiam a puberdade são necessárias para crianças com puberdade precoce que podem ter dificuldades sociais e complicações de saúde por influência de hormônios sexuais produzidos de forma atípica cedo demais. Seu repropósito como “pausa” da puberdade em crianças com disforia é um fenômeno muito recente.

O pesquisador também avalia o ambiente jurídico: 33 estados americanos podem oferecer base legal para menores buscarem tratamentos médicos sem o consentimento dos pais. Porém, as condições para isso variam de estado para estado. No Arizona, menores só podem buscar tratamentos médicos sem supervisão se estiverem casados ou sem teto. Já no Oregon, basta o menor obter um atestado que diga que ele é mentalmente competente para tomar decisões médicas sem envolvimento dos pais ou responsáveis.

Greene é franco sobre o estado incipiente em que se encontram as pesquisas a respeito de bloqueio de puberdade e outras questões que orbitam o fenômeno da transexualidade. Não há bons estudos que separem pacientes aleatoriamente entre os que receberão ou não o tratamento, como se espera do padrão ouro da pesquisa médica. A quase totalidade dos estudos depende de correlações: tratamento ocorrer junto com melhora ou piora. Há muitos motivos para dúvida nesse tipo de estudo, pois, por exemplo, se os jovens que não ganham autorização dos pais para fazer tratamento têm uma maior taxa de suicídio, não se sabe se a causa mais importante desses suicídios foi a ausência do tratamento hormonal ou a atitude mais geral de rejeição dos pais à transexualidade dos filhos.

Ilustrando esse problema, Greene aponta que, em um estudo envolvendo 27 mil pessoas trans que buscaram tratamento hormonal, 80% dos adolescentes do grupo que conseguiram o tratamento relatam ter boa relação com os pais, comparados a 33% dos que não conseguiram. Além disso, pessoas mais deprimidas têm menos iniciativa de buscar qualquer tipo de tratamento. Há vários problemas de “ovo ou galinha” em estudos correlacionais que só são resolvidos com métodos mais rigorosos. Reanálises dos mesmos dados de estudos que afirmam que o tratamento hormonal baixa as taxas de suicídio chegam a conclusões contrárias. Difícil saber quem está certo.

Tentando superar esses problemas de forma imperfeita, Jay Greene propõe que as diferentes políticas por estado constituem um experimento natural, pois as regras estabelecidas não dependem dos resultados do tratamento. Não é tão bom quanto a distribuição aleatória, mas se aproximaria dela, na opinião do pesquisador. “Se os adolescentes vivem em um estado que impõe menos restrições ou nenhuma ao acesso aos bloqueadores de puberdade e hormônios sexuais é algo efetivamente aleatório.”

Conclusões de Jay Greene

O estudo toma as taxas de suicídio de jovens dos 12 aos 23 anos no período de 1999 a 2020. A escolha de faixa etária e período visa a capturar indiretamente quem passou pela puberdade no período em que os bloqueadores de puberdade se tornaram mais disponíveis nos Estados Unidos, após 2010. A principal comparação leva em conta a política de acesso a tratamentos médicos sem consentimento de pais ou responsáveis nos estados americanos. O estudo tenta controlar para outras diferenças culturais entre os estados usando taxas basais de suicídios nesta faixa etária e entre pessoas mais velhas. Para saber o quão disponíveis estavam os tratamentos de bloqueio de puberdade e transição hormonal, Greene usa a frequência de busca de termos relacionados no Google.

A conclusão é que a taxa de suicídio foi maior nos estados que permitem que menores tenham autonomia no acesso ao tratamento médico em geral. Antes de 2010, os dois grupos de estados agrupados por essa política não diferem nessa taxa de suicídio. Além disso, pessoas mais velhas, dos 28 aos 39 anos, tiveram uma queda na taxa de suicídios de 2015 a 2020, enquanto os mais novos, que passaram pela puberdade quando os tratamentos ficaram disponíveis, tiveram aumento de 2 suicídios em 100 mil para 3,5 em 100 mil nessa meia década.

Limitações do estudo

Como é aparente, a principal limitação do estudo é que não observou o problema diretamente, mas por vias indiretas, como reconhece o próprio autor: “A pesquisa apresentada aqui não examina diretamente se os indivíduos que receberam intervenções médicas relacionadas ao gênero estão sob maior risco de suicídio, mas examina diretamente as políticas estaduais que facilitam que menores com acesso a essas intervenções sem consentimento parental e descobre que essas políticas aumentam os riscos de suicídio entre os jovens.”

Outra limitação é que não está claro o tamanho da participação dos jovens transexuais na taxa total de suicídio na faixa etária. Há outros problemas que poderiam explicar o aumento nessa taxa, como a ascensão das redes sociais. Como menciona um estudo dos Países Baixos com oito mil transexuais acompanhados por quase meio século citado pela Gazeta do Povo, a taxa de suicídios entre pessoas trans não é substancialmente diferente da taxa dos gays, ao menos naquele país. Os holandeses também apontam uma queda nos suicídios com o tratamento hormonal em mulheres trans. Esses resultados não são citados no estudo da Heritage Foundation, que também tem a limitação de mesclar o bloqueio da puberdade, novíssimo e mais controverso tratamento, com os tratamentos com hormônios do sexo oposto, utilizados por pessoas transexuais pós-púberes e maiores de idade, muito mais comum e, como indicam os holandeses, com possibilidade de ser benéfico.

Algo importantíssimo é considerar, também, que tipo de ideias podem ter influenciado os jovens que se dizem trans. Há uma inovação ideológica de dissociar a transexualidade da disforia persistente após a puberdade — no caso, os que fazem essa dissociação preferem o termo “transgênero” em vez de “transexual”. Se um jovem faz bloqueio de puberdade e toma hormônios do sexo oposto sem jamais ter tido realmente um diagnóstico de disforia, a chance de que isso deteriore a sua saúde mental é maior. Daí a importância de investigar a diferença entre a “transexualidade clássica”, que tem na disforia um critério necessário, e as novas identidades “transgênero”, muito mais maleáveis à ideologia e participantes do possível novo contágio social de identidades LGBT.

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