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Lula, no relançamento do Mais Médicos: “Os livros de economia estão superados”
Lula, no relançamento do Mais Médicos: “Os livros de economia estão superados”| Foto: EFE/Andre Borges

As declarações de Lula durante o relançamento do programa Mais Médicos, na última semana, evidenciam que a ciência, exaustivamente evocada pela esquerda durante a pandemia da Covid-19, não goza do mesmo apreço quando o assunto é economia. “Os livros de economia estão superados”, disse o petista, na segunda-feira (20), defendendo que “é preciso criar uma nova mentalidade” para governar o país. “Não tem investimento maior do que salvar uma vida. Como pode colocar uma coisa como a saúde dentro do teto de gastos?”, questionou, defendendo a mudança de “alguns conceitos que estão na nossa cabeça”. As falas de Lula vão na mesma direção de medidas tomadas pela esquerda latinoamericana nas últimas décadas, na contramão de importantes consensos das ciências econômicas.

“Todo livro de economia tem um ensinamento básico no início: se você quer uma coisa, tem que abrir mão de outra. A vida é assim, e a economia parte desse princípio. Se quer gastar mais com educação e saúde, poderia gastar menos com outras coisas, desenvolver um programa um pouco mais eficiente”, ressalta o economista Claudio Shikida, professor do Ibmec-MG. “Lula perdeu a classe média na primeira semana de governo, perdeu o mercado financeiro e agora está perdendo a academia. Só os economistas que acham que tudo é ideologia vão ficar do lado dele, aí sai do campo da ciência e entra no da fé”, critica.

Um dos intelectuais mais respeitados dos Estados Unidos, o economista Thomas Sowell recorda, em seu livro Fatos e Falácias da Economia (Record, 2017), que ideias falaciosas se apresentam de forma plausível e lógica, para angariar apoio e se transformar em políticas e programas governamentais. Só depois disso é que se revelam os fatores que faltavam ou foram ignorados, com o advento das chamadas “consequências não intencionais”, termo bastante usado para o desastre de políticas econômicas e sociais. “As falácias são abundantes em políticas econômicas, e afetam tudo, desde a habitação até o comércio internacional”, afirma.

Os danos causados por políticas econômicas ruins, completa Sowell, dificilmente são associados às suas reais causas. “Os defensores de políticas que não dão certo costumam atribuir estas consequências ruins a alguma outra coisa. Algumas vezes alegam que a situação ruim teria sido ainda pior sem as maravilhosas políticas que defendiam”, aponta o estudioso, ressaltando que “a diferença entre políticas econômicas saudáveis e falaciosas realizadas por um governo poderá afetar o padrão de vida de milhões de pessoas”. “É isso que torna o estudo da economia importante”, defende.

Confira alguns terraplanismos econômicos defendidos por Lula e por outros esquerdistas, nas últimas décadas:

Gasto x investimento 

Na segunda-feira, Lula disse que “você não pode tratar a educação como gasto. Não pode tratar a saúde como gasto, porque não há investimento maior do que salvar uma vida, do que um cidadão estar pronto para o trabalho”. A tese, na avaliação de Shikida, é “uma ilusão”. “Isso é inviável, uma hora o boleto chega. Saúde precisa de recurso, precisa de receita maior que despesa. É importante estar dentro do teto, até para que se possa tirar recurso de outros lugares menos eficientes e colocar ali”, explica.

O especialista recorda que “qualquer livro de economia ensina como ter uma dívida sustentável”. Assim, se o governo aumentar indefinidamente seus gastos, vai precisar “cobrar dos outros”. “E se os impostos aumentarem muito, ocorre um desestímulo à atividade econômica, com menos receita no futuro. Entra numa espiral, em que a base tributária vai ficando menor. Se não quer ter teto de gastos, precisa colocar outra coisa com o mesmo papel no lugar. Qualquer livro de macroeconomia vai ensinar que isso é importante”, reforça.

Thomas Sowell lembra que ninguém é contra a saúde, mas reforça que a necessidade nesse campo é infinita, enquanto os recursos são limitados. “Não importa o quanto é feito para promover a saúde, mais poderia ser feito”, diz. A despeito disso, alguns políticos assumem um compromisso aberto com áreas como essa, sem nenhuma indicação de limite e sem considerar outras necessidades reivindicadas pelos cidadãos. “É isso que torna essas demandas abertas, no que diz respeito tanto às quantias de dinheiro necessárias quanto ao nível de restrição das liberdades exigido para colocá-las em prática. Demandas abertas são obrigatórias para burocracias governamentais cada vez maiores, com orçamentos e poderes cada vez maiores”, acentua o economista.

O estudo atento dessas crenças, completa Sowell, é fundamental para desmontá-las, já que se perpetuam prescindindo de análises consistentes e “recorrendo ao apelo a emoções ou interesses”.

Endividamento público 

Entre 1999 e 2013, o Brasil viveu uma década e meia de contas no azul (mesmo com o crescente déficit da Previdência), somando R$ 801,6 bilhões no período, segundo dados do Banco Central. A situação se inverteu no ano da reeleição de Dilma Rousseff. Entre 2014 e 2016, foram três anos de contas no vermelho, com um déficit acumulado de R$ 296,6 bilhões.

Os números são fruto de uma política econômica que deixou de lado a responsabilidade fiscal, ao promover a expansão do intervencionismo estatal e o gasto público desenfreado. As chamadas “pedaladas fiscais”, uma manobra contábil para maquiar rombos no orçamento, levaram ao impeachment de Dilma, em 2016.

Desde então, o país vinha investindo em reformas que retomavam o compromisso com a saúde fiscal, como a criação do teto de gastos, a reforma da Previdência e a diminuição do Estado, por meio de concessões e privatizações, medidas agora ameaçadas pelos retrocessos do PT. “Se o Estado é capaz de aceitar conviver com dívida de R$ 1,7 trilhão, que as pessoas devem à Previdência e à Receita, por que não pode conviver com um pouco de subsídio para a pessoa pobre se tornar menos pobre, virar cidadão de classe média, poder virar um cidadão de padrão médio, e este país voltar a crescer?”, questionou Lula, na última semana.

“Isso é até um conceito da contabilidade: de onde vai tirar dinheiro para dar subsídio aos pobres? Ou gasta menos, ou arrecada mais, sem isso, só vai aumentar a dívida. Essas frases soltas deixam de lado que não é simples subsidiar o cara mais pobre. O Mario Henrique Simonsen [1935-1997, ministro da Fazenda no governo Geisel] explicava, por exemplo, que para dar um litro de leite a uma pessoa, o Estado gasta o equivalente a 30 litros na burocracia. Como evitar isso? Com consciência econômica, desenhando programas melhores com análise de custo-benefício”, acentua Claudio Shikida.

Emissão de moeda 

Outra tese sem fundamento científico apreciada pela esquerda é a chamada Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês) que defende que, como o Estado emite sua própria moeda, é capaz de se autofinanciar quase indefinidamente. Pesquisador do Instituto Thomas A. Roe para estudos de política econômica da Heritage Foundation, Joel Griffith compara os pressupostos da teoria ao “absurdo da rejeição da realidade geográfica pela Sociedade da Terra Plana”.

“O fato é que a moeda fiduciária representa valor; não cria valor. Um aumento na oferta de moeda fiduciária sem uma diminuição correspondente na escassez de recursos leva ao aumento do preço desses recursos - ou seja, inflação”, explica. Impressoras dos bancos centrais, acrescenta Griffith, “não podem transformar magicamente bytes digitais em tesouros cintilantes”.

A taxa anual de inflação da Venezuela era de 80.000% ao ano no fim de 2018. Um fator importante para esse colapso econômico foi a produção indiscriminada de bolívar, a moeda do país. Em dezembro de 2015, a oferta monetária era de quatro trilhões de bolívares. Menos de dois anos depois, em novembro de 2017, o montante cresceu dez vezes, indo para quarenta trilhões de bolívares. “Ou seja, dinheiro, em si, nunca faltou”, aponta o economista espanhol Juan Ramón Rallo, autor do livro Contra la Modern Monetary Theory (Unión Editorial, 2015).

“Com a moeda nacional destroçada, nenhum estrangeiro a aceitará em troca de moeda forte. Consequentemente, se esse país tiver de importar bens e serviços essenciais, não haverá outra saída senão endividar-se em moeda estrangeira -- isto é, em uma moeda que o governo não será capaz de manipular por estar fora do seu controle. E, como acaba de nos demonstrar a socialista Venezuela, um estado com soberania monetária e liberdade para imprimir dinheiro para financiar seus déficits e pagar sua dívida pode sim quebrar”, defende, recordando que a Argentina também colheu maus frutos de medidas semelhantes.

Controle de preços 

Na tentativa de conter a inflação, a Argentina vem apostando nos últimos anos no congelamento de preços de produtos em setores como alimentação, higiene e limpeza, ainda que a medida se mostre historicamente ineficaz.

“A boa ciência tem consensos que sabemos que funcionam. Diante das divergências em economia, como desempatar? Com pesquisa e evidência empírica. Pega os dados e vai construindo consensos”, explica Shikida. “Se você abrir um livro de introdução à economia vai ver que teto de preços em bens não funciona, salário mínimo acima do que o mercado pagaria aumenta o desemprego dos menos qualificados. Isso está nos livros desde os anos 1950, 1960. As pessoas não se revoltam [com declarações como as de Lula] porque a economia é uma ciência social aplicada”, critica.

Thomas Sowell lembra que medidas como o controle dos preços de aluguéis, com a intenção de ajudar inquilinos, acabou gerando a redução de oferta de habitação em várias partes do mundo, como aconteceu no Egito em 1960. “A imposição de controle de aluguel foi seguida de escassez imobiliária em Nova York, Hong Kong, Estocolmo, Melbourne, Hanói e incontáveis outras cidades no mundo todo”, acrescenta.

Controle de juros na canetada 

Também na última semana, uma canetada do governo para reduzir os juros de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas do INSS levou à redução da oferta de crédito no país. Pelo menos dez instituições, o que inclui gigantes controlados pelo Estado (BB e Caixa), suspenderam a modalidade, argumentando que o novo teto de juros inviabiliza as operações.

“É preciso incentivar a competição, não dar uma canetada limitando juros. Aí o Fernando Haddad diz estar preocupado com o comunicado do Copom [mantendo a taxa básica de juros (Selic) em 13,75%], mas não entregou o substituto do teto de gastos. Como quer que o Banco Central baixe a taxa de juros se não fez sua parte?”, pontua Claudio Shikida.

O economista lamenta que o conhecimento acumulado em ciência econômica não seja incorporado, como ocorre em outras áreas. “Na engenharia, fomos para o celular e não retornamos ao telefone com fio. Se o conhecimento de economia fosse como o de engenharia, ninguém jogaria os livros fora. Mas por ser uma ciência humana, as pessoas comuns têm mais dificuldade de perceber”, lamenta. “Fomos aprendendo com os erros. Nos anos 1980, achava-se que era possível combater a inflação controlando os preços, o que já negava os livros. Mas se dizia ‘vamos fazer diferente porque o livro não funciona’. Na década de 1950, o discurso era ‘algumas coisas só funcionam em países desenvolvidos’, e, com o tempo, percebemos que a gravidade é a mesma aqui ou lá em cima”, recorda Shikida.

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