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As diferenças entre conservadores e progressistas têm a ver com os valores morais que cada grupo privilegia.
As diferenças entre conservadores e progressistas têm a ver com os valores morais que cada grupo privilegia.| Foto: Pixabay

Numa TED Talk de 2008, o psicólogo Jonathan Haidt disse que a pior ideia na sua área é a de que os seres humanos nascem como uma “tábula rasa”.

Assim como o psicólogo Steven Pinker, Haidt rejeita a ideia de que o ser humano é uma tábula rasa quando nasce, ideia essa que remonta a pensadores como Aristóteles, John Locke e B.F. Skinner.

“A psicologia demonstra que as crianças já vêm ao mundo sabendo várias coisas sobre os mundos físicos e social e programadas para aprenderem certas coisas de um jeito mais fácil e outras de um jeito mais difícil”, explicou Haidt, professor de liderança ética na Stern School of Business da NYU.

Citando pesquisas do neurocientista Gary Marcus, Haidt disse que a organização inicial do cérebro é composta por uma espécie de “rascunho”. Estudando registros antropológicos e históricos, Haidt descobriu a existência de cinco pilares da moralidade encontradas em todas as culturas e até espécies:

  1. caridade/maldade
  2. justiça/reciprocidade
  3. lealdade/traição
  4. autoridade/subversão
  5. santidade/degradação

O interessante é que esses pilares morais são ideologicamente bastante diferentes nos Estados Unidos de hoje. Haidt descobriu que tanto conservadores quanto progressistas reconhecem os valores da caridade/maldade e justiça/reciprocidade (embora os progressistas valorizem isso um pouco mais do que os conservadores). As coisas mudam, contudo, quando examinamos os demais valores basilares — lealdade/traição, autoridade/subversão e santidade/degradação. Embora os conservadores aceitem esses valores morais, progressistas tendem a rejeitá-los.

A diferença é extraordinária e ajuda a explicar as diferenças na forma como democratas e republicanos observam o coronavírus. Em meio, uma pesquisa CNBC/Change Research descobriu que, enquanto apenas 39% dos republicanos se diziam seriamente preocupados com a Covid-19, 97% dos democratas diziam o mesmo.

Ainda que parte da divergência pode ter origem no fato de que estados democratas foram atingidos com mais força pela Covid-19, a pesquisa de Haidt talvez sugerisse que outro motivo para os democratas se preocuparem mais é que os progressistas nutrem um apreço especial pelo pilar moral da caridade/maldade.

Na verdade, a predominância desse pilar moral pode ser encontrada na retórica de muitos progressistas.

“Quero poder dizer ao povo de Nova York que fiz tudo o que era possível”, anunciou o governador Andrew Cuomo em março. “E se tudo significar salvar apenas uma vida, eu ficarei feliz”.

O pilar moral da caridade/maldade é encotnrado até mesmo nos mais recentes emojis das redes sociais. No último mês, como o USA Today contou numa reportagem exclusiva, o Facebook anunciou seu novo emoji de “afeto”.

“A nova reação do Facebook — um emoji abraçando um coração — pretende ser uma forma mais fácil de demonstrar afeto e solidariedade num post, mensagem, foto ou vídeo durante a crise do coronavírus, de forma a ajudar os usuários a expressarem o quanto eles se importam com os outros”, disse o jornal.

A linguagem de Cuomo (e, em certo sentido, os emojis do Facebook) sugere que, para muitos, o cuidado com o outro é uma virtude. Assim, os esforços para se proteger as pessoas devem ter prioridade sobre considerações sociais menos importantes.

Entender o contexto moral distinto de progressistas e conservadores nos ajuda a compreendermos por que os estados democratas assumiram uma postura tão mais agressiva para limitar a disseminação da Covid-19.

Como explica a revista The Atlantic, com algumas poucas exceções, como Ohio, os governadores republicanos relutaram mais em impor restrições em comparação com os governadores democratas. Ainda que os governadores destes estados sem dúvida valorizem a caridade, o contexto moral deles faz com que eles se preocupem com outras questões sociais, como as liberdades civis.

Os lockdowns, explica o Constitution Center, ameaçam as liberdades civis mais caras aos norte-americanos — a liberdade de reunião, o direito a comprar armas, a capacidade de ir e vir livremente ou a liberdade de ir a uma igreja. Eles também colocam milhares de empresas no caminho da falência ao proibirem qualquer forma de comércio.

Esses problemas tendem a ser vistos como algo simples para os progressistas, que dão ênfase à moral da caridade, embora tenham menos probabilidade de reconhecer a moral da santidade/degradação. O governador de Nova Jersey, Phil Murphy, por exemplo, disse que jamais levou em consideração a Constituição dos EUA — documento considerado sacrossanto por muitos norte-americanos — ao assinar o decreto de lockdown.

“Não é para isso que eu ganho”, disse Murphy ao jornalista Tucker Carlson em abril. “Não estava pensando na Carta de Direitos ao fazer isso. Recorremos primeiro aos cientistas que diziam que as pessoas tinham de ficar longe umas das outras”.

Da mesma forma, a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, não viu problema nenhum em suspender a Lei de Liberdade de Informações para evitar que grupos externos avaliassem os modelos matemáticos que as autoridades estavam usando para justificam o fechamento de todo o estado.

Aqueles que vem as liberdades civis e os direitos constitucionais como algo sagrado, contudo, não se sentem nada à vontade com essa postura. Eles se sentem menos inclinados a sacrificar princípios sagrados a fim de apoiar esforços amplos para proteger as pessoas (e têm uma probabilidade maior de ver essas medidas como algo contraproducente).

Sendo mais claro, alguns progressistas veem as liberdades civis como algo sagrado e alguns entre eles têm expressado desconfiança e espanto diante do fato de que tantos progressistas, em seu entusiasmo pela moral da caridade, abandonaram as liberdades civis.

“A crise da Covid-19 levanta sérias questões sobre as liberdades civis, desde presidiários confinados em condições degradantes até questões profundas quanto à liberdade de expressão e associação, os limites da vigilância e do denuncismo, etc.”, escreveu recentemente o jornalista progressista Matt Taibbi na Rolling Stone. “Se essa doença vai estar presente em nossas vidas no futuro próximo, isso torna mais urgente a necessidade de conversarmos mais sobre essas normas — ainda que o partido que cresci apoiando pareça ter perdido a capacidade de fazer isso, e não entendo por quê”.

Se a teoria de Haidt estiver certa, o motivo para isso é que progressistas e conservadores, em termos gerais, veem a pandemia de Covid-19 através de contextos morais distintos.

Afina, a questão não é se devemos ou não proteger a pessoas.

“Em qualquer país, a discordância não tem a ver com maldade e justiça”, diz Haidt. “Todos concordam que maldade e justiça são questões importantes”.

A questão não é nem quem avalia melhor a moral da caridade/maldade em relação a outros aspectos.

A discordância é se os esforços para proteger as pessoas da Covid-19 devem ser avaliados levando em conta outros aspectos — incluindo econômicos e constitucionais.

Jonathan Miltimore é editor da FEE.org.

© 2020 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês
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