A União da Juventude Comunista publicou em seu perfil no Twitter, no último dia 27 de dezembro, uma homenagem à brasileira que há 68 anos recebeu um prêmio cujo nome pode ser encarado como um dos maiores oxímoros da história. A postagem se referia à costureira Elisa Branco e a homenagem recebida era nada mais nada menos que o Prêmio Stálin da Paz – algo tão paradoxal quanto os inexistentes, porém possíveis (segundo a lógica comunista), Prêmio Hugo Chávez da Democracia ou Prêmio Black Lives Matter de Tolerância.
Premiação de nome pomposo, o Prêmio Internacional Stálin pelo Fortalecimento da Paz entre os Povos foi a saída encontrada pelo Kremlim para tentar criar sua própria versão do Prêmio Nobel, só que voltada para o mundo comunista. Alfred Nobel, inventor da dinamite cujo nome é lembrado até hoje pelas condecorações oferecidas em reconhecimento a feitos extraordinários, era tido como alguém muito próximo dos czares russos. Além disso, ostentar medalhas de ouro e premiações em dinheiro oferecidas por uma fundação criada por um capitalista era visto pelas elites soviéticas como um ritual pertencente à burguesia e ao antigo regime.
Mais do que competir com uma das mais importantes premiações internacionais, a criação do Prêmio Stálin da Paz pode estar mais perto de uma espécie de vingança pelo não recebimento de nenhuma láurea por parte dos representantes do partidão na antiga URSS. Como conta o diretor de Pesquisa do Instituto Nobel Olav Njølstad, Josef Stalin e seu ministro Vyacheslav Molotov eram fortes candidatos ao Nobel da Paz em 1945, mas perderam para a Cruz Vermelha (que recebera naquele ano o prêmio referente a 1944) e para o “fundador da ONU”, o Secretário de Estado norte-americano Cordell Hull.
Em 1946 foi a vez de Alexandra Kollontay ser indicada para o prêmio Nobel da Paz. Ela fora chefe do serviço diplomático soviético na Noruega e lutou pela reconciliação entre russos e finlandeses nas guerras do Inverno (1939) e da Continuação (1941-1944). O governo russo já se preparava para comemorar a vitória na premiação burguesa quando os nomes de Emily Greene Balch e John Raleigh Mott foram anunciados pela Fundação Nobel.
A gota d’água veio em 1948, quando Stalin e Molotov foram novamente indicados ao Nobel da Paz. A concorrência não seria fácil, já que o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi também estava no páreo. Dois dias antes do fim do período das indicações para o prêmio daquele ano, contudo, Gandhi foi assassinado. Os responsáveis pela Fundação Nobel decidiram que uma premiação póstuma não seria adequada e decidiram não conceder a láurea por “não haver nenhuma pessoa viva merecedora do reconhecimento”.
Brasileiros premiados
No ano seguinte uma ordem executiva do Partido Comunista estabeleceu então a sua própria condecoração, cujo nome associava o líder político responsável pela morte de dezenas de milhões de pessoas (muitas delas no flagelo do Holodomor) ao fortalecimento da paz entre os povos. Porém, Stalin não figurou por muito tempo como nome do prêmio: em 1956, depois das denúncias feitas por Nikita Khrushchev no Congresso do Partido Comunista Soviético, quem passou a nomear a condecoração foi o igualmente terrível Lênin.
Diferente de seu “concorrente” ocidental, em vigor desde 1901 e ainda premiando iniciativas pela paz mundial, o Prêmio Lênin da Paz não resistiu à queda do Muro de Berlim e ao fim da União Soviética, tendo sido extinto em 1991. Durante sua vigência, três brasileiros foram agraciados com a condecoração. Além de Elisa Branco, o escritor Jorge Amado e o arquiteto Oscar Niemeyer também receberam o prêmio.
Menos famosa do grupo, Elisa Branco deixou de frequentar a escola aos 10 anos de idade depois de se desentender com a professora por ter comparecido a um desfile de 7 de Setembro com a roupa amassada. Após o incidente, a atitude tomada pela família bastante abastada foi a pior possível: eles passaram a educá-la em casa com livros e jornais comunistas. Em 1950, casada e mãe de duas filhas, Elisa era uma das líderes do Partido Comunista Brasileiro e organizou um protesto contra o apoio do governo brasileiro aos EUA na Guerra da Coreia. Ela foi presa e, dois anos mais tarde, já em liberdade, recebeu o convite para a condecoração no Kremlim.
Jorge Amado recebeu sua condecoração um ano antes, também um Prêmio Stalin da Paz. O escritor nunca escondeu ter o ditador soviético como um de seus ídolos, a ponto de ter escrito um livro inteiro para glorificar os feitos de Stalin. Em “O Mundo de Paz”, Amado tratou o soviético como “Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu”.
Oscar Niemeyer foi o último brasileiro a ser reconhecido pelo governo soviético com o prêmio, já sob o nome de Lênin, em 1963. Comunista assumido, o arquiteto classificou o período entre a Revolução Russa e a queda da União Soviética como “setenta anos de glórias”. “Tem gente que tem receio de falar de Stalin porque os americanos deram a ele uma imagem de um calhorda qualquer. E não é, é um sujeito fantástico. As melhores pessoas que eu conheci foram do Partido Comunista. Mesmo quando elas fogem da linha do partido, assim, teve o Araguaia, eles tinham idealismo, fizeram muito bem, Marighella era um sujeito fantástico”, disse Niemeyer em entrevista à revista Caros Amigos.
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