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Em novembro de 2021, o procurador instaurou inquérito civil contra WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Twitter, Titkok e YouTube.
Em novembro de 2021, o procurador instaurou inquérito civil contra WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Twitter, Titkok e YouTube.| Foto: Pixabay

O procurador da República Yuri Corrêa da Luz, do Ministério Público Federal (MPF), signatário do pedido de cassação das concessões da rádio Jovem Pan por “veicular sistematicamente conteúdos desinformativos”, tem histórico de atuação contra empresas de tecnologia no tema da repressão da desinformação.

Em novembro de 2021, o procurador instaurou inquérito civil contra WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Twitter, Titkok e YouTube. A alegação era a de que “o Brasil tem sido palco de um processo de massificação do acesso à internet”, o que demandaria a intervenção do Ministério Público. O objetivo seria a prevenção contra “potenciais efeitos danosos para a compreensão de certos fatos pela população”, sobretudo no que tocante à saúde pública, ao meio-ambiente, ao “funcionamento de instituições democráticas do país”, e à atuação de supostos grupos profissionais de comunicação digital, que atuariam de forma organizada, seja para a propagação de desinformação, seja para o mero “desvio de foco da atenção da esfera pública”, em benefício de entidades ou pessoas determinadas.

Conforme nota divulgada pelo MPF sobre o inquérito, “ações e omissões das plataformas digitais” neste contexto podem “submetê-las a sanções que incluem o pagamento de multas e até mesmo a proibição de suas atividades no país”.

A este respeito, na portaria instauradora do inquérito, o procurador reconhece que a lei brasileira proíbe expressamente a responsabilização das plataformas pelo conteúdo publicado, salvo ordem judicial específica de remoção. Apesar disto, ele afasta a incidência da regra sob o argumento de que não impediria a responsabilização “por violação de deveres propriamente atribuídos ou atribuíveis aos provedores de aplicação” — citando em seguida dispositivos principiológicos do Código de Defesa do Consumidor, de 1990, como o respeito à dignidade do consumidor.

A portaria instauradora do inquérito faz frequente uso de expressões novas como “violência digital”, “campanhas de desinformação” e “desordem informacional” (termo criado em 2017 pela pesquisadora de Comunicação Claire Wardle e pelo jornalista Hossein Derakhsan, tendo se celebrizado no Brasil após ser usado pelo TSE em decisão). Remissões são sempre feitas a um glossário do jornal Folha de S. Paulo sobre termos ligados ao universo da desinformação. Também é citado como fonte o livro da jornalista Patrícia Campos Mello 'A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital'.

Questionamento de selo de verificação a youtuber

A movimentação mais polêmica no âmbito do inquérito foi quando, em 6 de janeiro de 2022, o procurador exigiu, no prazo de 10 dias, que o Twitter informasse ao Ministério Público Federal quais eram seus critérios para conferir a verificação de usuário. Embora o ofício não citasse nomes de indivíduos, a imprensa foi unânime em interpretar que a requisição do procurador do MPF tivesse constituído reação ao selo de verificação que, dois dias antes, fora conferido à youtuber Bárbara Destefani, do canal 'Te Atualizei'.

O selo de verificação é ferramenta do Twitter (à época, conferida pela plataforma de forma discricionária) que atesta que o usuário em questão de fato é a pessoa por cujo nome se identifica. A ferramenta é relevante principalmente para celebridades, por haver tendência a que surjam contas inautênticas de fãs, parodiadores ou impostores com o mesmo nome e foto. Por este motivo, o selo azul associado passou a ser, por muitos, visto como sinal de prestígio.

No ofício, o procurador do MPF determinou que o Twitter respondesse “se, entre os critérios usados para negar tal status de verificação, está ou não o eventual envolvimento do usuário na veiculação de conteúdo desinformativo sobre temas de saúde pública, a exemplo daqueles atinentes à COVID-19, em relação aos quais já há farto consenso de autoridades sanitárias ao redor do mundo.”

Campanha contra o PL das Fake News por Google, Meta e Telegram

Em maio, o procurador notificou as empresas Google, Meta e Telegram para apurar campanha sua contra a aprovação do Projeto de Lei n.º 2.630/2020 (PL das Fake News). Na ocasião, o procurador destacou que esta notificação não visava a “defender o mérito de qualquer proposta de regulação que esteja em discussão, mas tão somente a garantir o respeito aos direitos fundamentais dos usuários”. A alegação era a de que Google e Meta teriam violado as normas legais de transparência na publicidade, ao veicularem, em suas páginas, conteúdo crítico ao projeto de lei, sem identificação clara como conteúdo publicitário.

Por sua vez, o Telegram teria mandado mensagem aos usuários tecendo críticas ao projeto de lei, sem que o aplicativo, em tese, tivesse autorização para enviar aos usuários mensagens do gênero, nos termos de uso por ele elaborados.

No momento da instauração original do inquérito, em 2021, o procurador determinara a expedição de ofício para o autor e do relator do PL das Fake News, assim como para a presidente do grupo de trabalho que o discutia, para serem informados sobre a instauração. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, o ministro Luís Felipe Salomão, do TSE, e os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros (presidente e relator da CPI da Covid-19) também estiveram entre as autoridades comunicadas.

Questionamento por ausência de canais de denúncia de desinformação sobre covid-19

Na mesma ocasião em que requisitou informações a respeito dos critérios para a verificação de usuários, o procurador noticiou que fora disponibilizada a usuários de Twitter em outros países ferramenta específica para denunciar suposta desinformação sobre covid-19. Requisitou ao Twitter informações a respeito dos motivos para a empresa, até então, não ter reproduzido esta política interna para usuários brasileiros. O ofício mencionou que seria de “juridicidade duvidosa” este tratamento distinto — em aparente indicação de que o Ministério Público poderia tomar medidas judiciais para obrigar o Twitter a adotar a política.

Dezenas de requisições semelhantes, igualmente detalhadas, foram dirigidas a todas as empresas investigadas (WhatsApp, Telegram, Facebook, Instagram, Twitter, Titkok e YouTube), sempre envolvendo “desinformação”, “violência digital” (conceito novo que abrangeria o discurso de ódio) ou comportamento inautêntico por robôs, e as medidas de repressão adotadas pelas plataformas.

A lei dispõe que a recusa, atraso ou omissão no cumprimento da requisição de informações do Ministério Público configura crime, punido com reclusão de 1 a 3 anos, e multa. Além disto, o contexto de um inquérito civil, que é, por natureza, preparatório de ação civil pública, implica o risco jurídico de que a empresa envolvida, a depender da resposta fornecida, se veja alvo de ação judicial destinada a coagi-la a cessar ou adotar determinada prática, ou mesmo a pagar indenizações milionárias e ­— nos casos do Telegram e da rádio Jovem Pan —, potencialmente ter suas atividades suspensas.

Hugo Freitas Reis é mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

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