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Budapeste, Hungria, 19 de dezembro de 2018: Perto do edifício do Parlamento, um memorial subterrâneo para aqueles que foram mortos pelo exército soviético durante a revolução húngara, no massacre de 25 de outubro de 1956.
Budapeste, Hungria, 19 de dezembro de 2018: Perto do edifício do Parlamento, um memorial subterrâneo para aqueles que foram mortos pelo exército soviético durante a revolução húngara, no massacre de 25 de outubro de 1956.| Foto: BigStock

Desde 1949, quando foi declarada a República Popular da Hungria, a bandeira do país consistia em três faixas horizontais, nas cores vermelha, branca e verde. E, ao centro um símbolo comunista redondo, composto por uma estrela vermelha acima de um martelo e um ramo de trigo. O ícone desapareceu em 23 de outubro de 1956, pelas mãos de 200 mil manifestantes que saíram às ruas da capital, Budapeste.

Segurando bandeiras com um furo no centro e entoando um poema patriótico censurado que dizia “juramos que não vamos nos tornar escravos”, eles derrubaram a estátua do ditador soviético falecido Josef Stalin da Praça dos Heróis. Pediam mudanças no governo, na direção da abertura política e da liberdade de expressão. Em 24 horas, a nação tinha um novo primeiro-ministro, o reformista Imre Nagy.

A estrela, o martelo e o trigo nunca mais voltariam à bandeira do país. Mas o movimento pela liberdade duraria poucos dias: o primeiro movimento interno de contestação contra a União Soviética seria rapidamente massacrado por tanques russos. O novo comandante da Hungria, János Kádár, permaneceria no poder até 1988. E a bandeira assumiria o formato atual, com as três faixas, sem símbolos adicionais no centro.

Do primeiro protesto à repressão, passaram-se apenas 18 dias. Foi um período intenso, que deixou lições importantes para os países do Leste Europeu — que só voltariam a ousar questionar Moscou abertamente a partir de meados dos anos 60, e depois apenas no final da década de 80.

Os protestos de 1956 marcaram a trajetória do país até o rompimento definitivo com a União Soviética, iniciado em 1989 com a abertura das fronteiras com a Áustria, país vizinho que estava fora da Cortina de Ferro.

1. Antecedentes

Stalin morreu em 5 de março de 1953, depois de liderar a URSS desde 1927. Em fevereiro de 1956, seu sucessor, Nikita Khrushchev, deixou vazar um discurso de encerramento do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética em que denunciava os crimes cometidos antes de ele chegar ao poder. Era de se esperar que o questionamento aos métodos de Stalin se estendesse para os países membros da União Soviética. E foi o que aconteceu, em 28 de junho, na Polônia.

Um protesto, reunindo mais de 100 mil pessoas em Poznań, contestava as condições de trabalho. Foi reprimido por 400 tanques e 10 mil soldados, que mataram algumas dezenas de pessoas, incluindo um garoto de 13 anos chamado Romek Strzałkowski — em 1981 ele viraria nome de rua na cidade. As manifestações ecoaram fundo na Hungria, um país que, durante a Segunda Guerra, havia aderido ao Eixo e em 1949 acabaria sob influência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Entre 1950 e 1952, o líder do país, Mátyás Rákosi, colocou a polícia secreta recém-criada, conhecida pela sigla ÁVH, para prender e tomar bens de pessoas acusadas de fazer parte da “burguesia” 3 bastava escrever um artigo de jornal contra o regime, ou ter viajado para o Ocidente em algum momento da vida, para perder as propriedades e passar o resto da vida fazendo trabalho escravo em fazendas coletivas.

Após a morte de Stalin, Imre Nagy, defensor de reformas, substituiu Rákosi como secretário geral do partido, mas o antecessor conseguiu retomar o poder em abril de 1955. Depois do discurso de Kruschev, perdeu novamente o poder e acabou substituído por Ernő Gerő.

Imre Nagy permaneceu uma figura popular, apesar de seu passado polêmico: ativista do comunismo na Hungria desde a década de 20, entre 1933 e 1941 atuou como espião do serviço secreto soviético. Neste período, denunciou mais de 200 pessoas, sendo que ao menos 15 acabaram executadas.

2. Protesto autorizado

Depois de anos de perseguições amplas a qualquer pessoa que pudesse representar oposição ao poder que emanava de Moscou, em outubro de 1956 um grupo de estudantes começou a organizar um movimento de resistência. Eles viam na Polônia um exemplo: ali, depois dos protestos de junho, o governo central soviético havia aceitado o nome do comunista reformista Władysław Gomułka para liderar o país, o que representou uma redução no controle da URSS sobre os poloneses.

O protesto do dia 23 em Budapeste se pretendia pacífico, e chegou a ser autorizado pelas autoridades locais. Até que os manifestantes tentaram invadir uma rádio local a fim de ler suas demandas. Parte foi presa, parte reagiu e a polícia abriu fogo.

Os estudantes mortos foram embalados por bandeiras húngaras — com o furo no meio — e carregados por seus colegas. As manifestações se espalharam pelo país e, em poucas horas, Nagy havia sido recolocado no poder. Até aquele momento, Moscou parecia observar os acontecimentos com apreensão, mas sem fazer ameaças diretas.

3. Anúncio de reformas

Soldados soviéticos estacionados na região reagiram, entre os dias 25 e 28, com apoio dos homens da polícia secreta. Depois, baixaram as armas. Nagy então agiu rápido — até demais: declarou a extinção da ÁVH, anunciou que pretendia deixar o Pacto de Varsóvia, criado e imposto pela URSS no ano anterior, e informou que pretendia reestabelecer a política multipartidária, com eleições livres.

Na medida em que o mês de outubro se aproximava do fim, parecia que a Hungria alcançaria seu objetivo com lucros: alcançar um grau de autonomia com relação a Moscou maior ainda do que o conquistado no mesmo mês pela Polônia. Nagy negociava intensivamente com membros do comando soviético em Moscou, a fim de preservar a autonomia recém-conquistada.

Acontece que, ao anunciar a retirada do Pacto de Varsóvia, de forma unilateral, o novo primeiro-ministro colocou a rebelião local em risco. Afinal, o governo de Khrushchev passou a ver no exemplo da Hungria um precedente grave, que colocava em perigo a própria existência da URSS. E resolveu fazer do país um exemplo.

4. Massacre

No dia 4 de novembro, mais de seis mil soldados russos, a bordo de tanques T-34, invadiram Budapeste e outras regiões estratégicas do país. Encontraram alguma resistência: focos de conflito se estenderam até o dia 10, com mais de 2.500 húngaros mortos, contra 700 militares soviéticos que perderam a vida. Os rebeldes esperavam apoio do Ocidente, que não veio — por outro lado, o ditador chinês Mao Tsé-tung acompanhou de perto a crise a apoiou a decisão soviética de reagir com violência.

Nagy se abrigou na embaixada da Tchecoslováquia, enquanto a Hungria voltava a se tornar uma nação oficialmente obediente a Moscou. János Kádár, o novo premiê escolhido pelos soviéticos, negociou a rendição, prometendo que o líder reformista não seria preso. Não cumpriu a promessa: Nagy se entregou depois de três dias, foi preso imediatamente e, em 1958, sumariamente julgado e condenado à morte. Acabou enforcado e seu corpo lançado em uma vala comum.

5. Exílio e perseguição

Kádár começou então uma vasta campanha de perseguição a opositores, que duraria até 1962. Mais de 200 mil pessoas fugiram, primeiro na direção da Áustria, depois principalmente para os Estados Unidos. A seleção de futebol do país, que havia conquistado o vice-campeonato na Copa do Mundo em 1954, estava na Espanha para disputar partidas amistosas, e boa parte do elenco decidiu não voltar mais para casa. Para quem ficou, as opções eram claras: o silêncio ou a prisão.

6. Estabilidade e abertura

A partir dos anos 60, já sem oposição visível, Kádár se mostraria um governante capaz de fortalecer a economia local. Ele só deixaria o poder perto de morrer, em 1988, mas havia liberado, no início dos anos 80, um movimento gradual de abertura que seria considerado uma forte influência para o líder soviético Mikhail Gorbachev. A partir de 1989, Nagy e outros centenas de líderes de 1956 seriam reabilitados. Os corpos acabariam sendo exumados e recebendo uma sepultura digna.

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