Winston Churchill visita Cartagena, Espanha, na companhia da esposa Clementine. 26 de setembro de 1958.| Foto: EFE
Ouça este conteúdo

A fé cristã dos primeiros-ministros da Inglaterra nunca se prestou a generalizações fáceis. Se no início do século XIX, Lorde Melbourne, o primeiro premiê da rainha Victoria, lamentou como "as coisas chegaram a um ponto crítico quando a religião tem permissão para invadir a esfera da vida privada", em direção ao final do século, William Gladstone reafirmou sua crença no que ele considerava a "rocha inexpugnável das Sagradas Escrituras" em uma época em que a religião da Bíblia dos ingleses protestantes estava em ruínas. Nem exatamente devotos nem completamente apóstatas, os primeiros-ministros da Inglaterra sempre tenderam a refletir a fé — ou falta dela — de seus compatriotas.

CARREGANDO :)

Em "God in Number 10" ["Deus no Número 10", em tradução livre, o título faz referência ao endereço da residência oficial dos premiês na Rua Downing em Londres], Mark Vickers revisita a fé dos primeiros-ministros do século XX do país, de Balfour e Churchill a Macmillan e Brown, para mostrar que, embora a Inglaterra possa ter se tornado uma sociedade secularizada em no período, nunca se tornou irreligiosa. O apelo da fé tão central à história e identidade do país sobreviveu, mesmo que muitas vezes tenha sido negligenciado.

Um convertido, que brincou com a ideia de seguir uma carreira em Westminster antes de praticar direito na cidade e, no fim, se tornar um pároco no Oeste de Londres, Vickers está bem preparado para tirar proveito de seu tema, possuindo como ele tem a exatidão de um bom advogado e a acuidade psicológica, na verdade, caritas, de um bom sacerdote. Ele também tem um bom senso de humor, que reverte para a legibilidade do livro. Em sua introdução, por exemplo, ele confessa: "Ao ser informado sobre o tema de minha pesquisa — a fé pessoal dos primeiros-ministros do século XX — um palhaço retrucou que seria um livro muito pequeno."

Publicidade

Bem pesquisado, bem escrito e invariavelmente animado, o livro de Vickers é um modelo de biografia perspicaz. É também espirituoso, criterioso e feito sob medida para aquele cliente elusivo, o leitor geral. O autor, em 2013, de uma excelente biografia do Cardeal Francis Bourne (1861-1935), "By the Thames Divided: Cardinal Bourne in Southwark and Westminster" [trad. livre: "Dividido pelo Tâmisa: O Cardeal Bourne em Southwark e Westminster"], Vickers agora escreveu um livro que irá fascinar todos os leitores interessados em história inglesa, história da igreja e biografia política, sem falar na persistência da fé em um mundo jurado ao secularismo conformista. Um exemplo intrigante dessa persistência pode ser visto em algo que o primeiro-ministro conservador Edward Heath disse no final de sua vida, que Vickers cita do diário do estadista:

"Os únicos princípios que já tive firmemente implantados foram religiosos, mas estes nunca tiveram nenhum respaldo intelectual. Eu nunca sequer percebi quais são os fundamentos da crença e como eles se comparam com qualquer outra coisa. O resultado foi que as crenças religiosas que eu tinha foram minadas em Oxford. Eu senti que elas eram bobas, que eu não podia defendê-las contra outras pessoas. Só agora estou começando a perceber sua justificação. Eu posso estar lentamente passando pelo vale do desconcerto."

Apesar de sua falta de familiaridade com a doutrina cristã, Heath se agarrou à Igreja Anglicana. De fato, quando jovem, seu primeiro emprego foi como repórter de notícias para o Church Times, que, em 1948, era um jornal anglo-católico. Depois de se tornar primeiro-ministro, ele levou a sério seus deveres quanto à nomeação de bispos, embora tenha admitido que a Igreja Nacional era um pouco negligente quando se tratava de fornecer "instrução real nos princípios de sua fé". Agora que esses princípios são indistinguíveis dos impulsos incoerentes do zeitgeist, nenhuma instrução dessas faria algum favor ao anglicanismo.

Os únicos homens comprometidos com a Igreja da Inglaterra no período de Vickers, além de Heath, foram Stanley Baldwin, Alec Douglas-Home e o anglo-católico Harold Macmillan, embora este último quase tenha se tornado papista como resultado de seu carinho por Ronald Knox, o brilhante apologista convertido cujos livros inteligentes ainda enviam anglicanos através do Tibre. A maioria dos primeiros-ministros — incluindo Arthur Balfour, H. H. Asquith, David Lloyd George, Bonar Law, Neville Chamberlain, Winston Churchill, Clement Attlee, Anthony Eden, Harold Wilson e James Callaghan — não eram cristãos. Callaghan, por exemplo, apesar de ter sido criado batista, era, com efeito, um ateu prático, mas, quando sua esposa sucumbiu ao Alzheimer, o primeiro-ministro ficou profundamente agradecido às freiras agostinianas que cuidaram dela. Se tal respeito afetuoso mudou seu pensamento sobre o Deus que inspirou o cuidado das freiras, ninguém sabe. Para Vickers, nem mesmo um ateu prático é um ateu simples. Quanto a Margaret Thatcher e Tony Blair, Vickers trata ambos como sui generis, a primeira participando de um evangelismo sem fervor carismático e o último de um catolicismo sem nenhuma adesão aos ensinamentos morais mais controversos da Igreja Romana.

Arthur Balfour apresenta um bom estudo de caso de um primeiro-ministro que desesperadamente queria acreditar, mas de alguma forma nunca conseguiu. Vickers cita Caroline Jebb, a esposa americana do professor de Cambridge [o estudioso de clássicos Richard Claverhouse Jebb], que viu apenas "tristeza" na fé do primeiro-ministro — surgindo, como ela disse, "do fato de que o espírito da época o impede, um homem naturalmente religioso, de ser religioso, exceto do lado humanitário". É claro, essa redução da fé a uma espécie de associação filantrópica agora degrada as igrejas protestantes e católicas, embora seja impressionante como a esposa de Jebb viu essa tendência tão claramente em Balfour. "Todos os Balfours seguram a ponta da religião de que podem ter certeza, ajudando as pessoas aqui", ela escreveu. "Sua mãe, Lady Blanche, pertencendo a uma geração diferente, estava absorta na religião dogmática, e eles herdam sua natureza desapegada do mundo, sem o poder de sua fé sem questionamento, então eles perdem sua felicidade". A fé dogmática de Lady Blanche não era "sem questionamento" — ela tinha visões dogmáticas muito decididas — mas é verdade que a fé não dogmática de Balfour o deixou infeliz.

Publicidade

Apesar de todas as suas dúvidas em relação à fé cristã, ou, talvez por causa delas, Balfour nunca perdeu seu senso de humor, ainda que rarefeito. "Fico mais ou menos feliz quando sou elogiado", ele uma vez confessou, "não muito desconfortável quando sou insultado, mas tenho momentos de desconforto quando sou explicado". Que ele tenha passado grande parte de sua vida tentando explicar sua fé para si mesmo e para os outros apenas aumentou sua inexplicabilidade.

Se muitos dos primeiros-ministros de Vickers ansiavam por alguma fé sustentável, a maioria nunca a encontrou ou a confundiu com uma espécie de autocomplacência racionalista. Por exemplo, Vickers cita Ramsay MacDonald escrevendo sobre o poeta de fim de século John Davidson: "Sua religião é agnóstica e ainda assim ele está evidentemente buscando uma fé... há muito misticismo celta nele para permitir que ele se estabeleça calmamente na fria calma de um credo científico (estritamente falando)". É claro, como Vickers observa, isso poderia se aplicar ao próprio MacDonald, que não era mais sábio em sua fé do que em sua conduta política. No entanto, os comentários de MacDonald também poderiam se aplicar ao mais celta de todos os primeiros-ministros britânicos, David Lloyd George, sobre quem Vickers observa secamente: "A fé de Lloyd George em si mesmo era consideravelmente mais forte do que sua crença em Deus".

Churchill também acreditava em si mesmo, como Andrew Roberts mostra em sua brilhante biografia deste homem de destino. Ele também foi atormentado com o ceticismo, embora Vickers revele o que poucos podem saber: que a questão que mais consumiu Churchill em sua velhice era se havia alguma verdade na fé cristã. De fato, ele atormentou seu médico sobre o assunto. "Você foi treinado em lógica", ele implorou a Charles Wilson. "Diga-me por que você acredita em tais coisas". A interpretação de Wilson sobre esses questionamentos inoportunos foi apropriada: "Eu tinha a sensação de que ele também queria desesperadamente acreditar... mas, pelo que ele disse, ele não achava isso fácil".

Aconteceu que Churchill morreu, como muitos protestantes ingleses, acreditando em pouco mais do que na Providência, que John Henry Newman considerava a fé de último recurso dos ingleses, quando eles tinham alguma fé. Para o grande convertido, "o que as Escrituras especialmente ilustram, da primeira à última página, é a Providência de Deus; e isso é quase a única doutrina que é realmente aceita pela massa dos religiosos ingleses".

Vickers oferece reflexões perspicazes sobre o homem mais responsável por privar os ingleses de sua religião bíblica, o historicista Ernest Renan (1823-1892), cujo livro profundamente influente "Vie de Jésus" (1863) reduziu Cristo a um professor de moralidade e o cristianismo a uma religião de moralismo, uma corrupção sociniana da fé que continua a confundir e repelir os possíveis cristãos de hoje. Quando o historiador Robert Tombs revisar seu maravilhoso livro, "That Sweet Enemy: Britain and France: The History of a Love-Hate Relationship" [trad. livre: "Doce Inimigo: Grã-Bretanha e França: A História de uma Relação de Amor e Ódio"] (2007), ele deve seguir o exemplo de Vickers e prestar atenção à influência de Renan nos ingleses: foi devastadora para a sua fé.

Publicidade

No entanto, longe de apenas relatar o progresso da secularização, Vickers reafirma a indispensabilidade da fé — não apenas para os estadistas, mas para todos. Depois de notar como Balfour, MacDonald e Churchill encobriram sua falta de fé cristã com a crença no paranormal, Vickers observa: "O aforismo uma vez atribuído a G. K. Chesterton vem facilmente à mente: quando paramos de acreditar em Deus, não acreditamos em nada: acreditamos em qualquer coisa". O grau a que a lacração foi adotada como uma religião em nossa própria era confusa — e não apenas por acadêmicos, médicos e burocratas ansiosos por tirar proveito — comprova o ponto de Chesterton.

A conquista mais notável de Vickers em "Deus no Número 10" é humanizar seus primeiros-ministros, mostrando suas lutas para encontrar a fé em um cargo que exige fé a cada momento. O fato de que a maioria deles falhou em fazê-lo apenas ressalta a dignidade do esforço. Como Vickers observa, "Mesmo quando rejeitavam a fé, é importante saber por que isso aconteceu e o que estavam rejeitando ou pensavam que estavam rejeitando", especialmente porque os biógrafos muitas vezes passam por cima da vida religiosa dos primeiros-ministros. Macmillan certamente compartilhou a apreciação do autor pela vitalidade de seu tema. "Eu não acho que uma nação possa viver sem religião", insistiu o franco estadista. "Se você não orar todas as noites, e se não acreditar em Deus, e se não achar que pode servir a Deus no fim das contas, você não pode resolver todos esses problemas e nem mesmo sobreviver a eles". Estes são os testes de fé que desafiam todos os homens e mulheres públicos. Em "Deus no Número 10", um brilhante biógrafo os recriou com empatia iluminadora.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

©2023 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.