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Nunca foi tão fácil se comunicar com alguém, especialmente em tempos de mensageiros instantâneos pensados especificamente para smartphones. Vive-se, porém, com a sensação de nunca estar efetivamente “desligado” de tudo o que acontece – e isso acaba se refletindo nas relações de trabalho. 

O que muitos patrões e empregados não sabem, contudo, é que o trabalhador tem direito a permanecer desconectado durante seus períodos de descanso, como férias, fins de semana e feriados. E desrespeitar tal direito tem rendido condenações ao pagamento de indenização por danos morais na Justiça do Trabalho. 

Ao contrário da legislação francesa, por exemplo, o Brasil não tem uma lei ou artigo na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que trate de forma expressa sobre o direito à desconexão. A Justiça, contudo, considera que se trata de uma prerrogativa decorrente da interpretação de previsões constitucionais, como o direito à saúde, ao lazer e à limitação da jornada de trabalho, além de dispositivos da CLT. 

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O fundamento dessa interpretação nasceu do regime previsto para trabalhadores ferroviários, que reconheceu a existência do “sobreaviso”, período em que o empregado permanece em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de sobreaviso pode ser de, no máximo, 24 horas, sendo que tais horas serão remuneradas com 1/3 do salário normal. 

Com a súmula 428, de 2012, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a existência desse tipo de regime a todos os trabalhadores em escala com celular: 

Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.  

Ainda, o artigo 6° da CLT traz que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. 

“O direito a desconexão tem como objetivo, justamente, que o trabalhador, após sua jornada de trabalho, possa destinar seu tempo de folga para atividade de cunho pessoal, a fim de preservar sua integridade mental e física. Em que pese no Brasil não haver legislação específica, quanto ao direito de desconexão, o TST tem se posicionado pela preservação de referido direito dos trabalhadores”, afirma Bárbara Priscila, da área trabalhista do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados. 

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Em julgamento de novembro de 2017, a 7ª Turma da Corte condenou, de forma unânime, companhia de tecnologia da informação que fazia um analista de suporte ficar de prontidão em casa, além da jornada normal de trabalho cumprida na empresa. No caso em questão, o homem ficava “conectado mentalmente” em casa em regime de plantão – às vezes por 14 dias seguidos – e chegou a trabalhar de madrugada em algumas ocasiões. Tudo isso para prestar suporte técnico a clientes que necessitassem do serviço. 

Na ocasião, o ministro Cláudio Brandão afirmou que ainda que a legislação trabalhista contemple o regime de sobreaviso, citado acima, é preciso compreender a regra à luz da realidade da época em que foi editada, na década de 1940, quando os meios de comunicação eram rudimentares. Para o juiz, exigir que o empregado esteja conectado por aparelhos como smartphones e notebooks após a jornada de trabalho ordinária, é ofensa ao direito à desconexão. 

“Essa conexão demasiada contribuiu, em muito, para que o empregado cada vez mais fique privado de ter uma vida saudável e prazerosa”, anotou na decisão, que condenou a empresa a pagar R$ 25 mil de danos morais ao trabalhador. 

A também advogada trabalhista Marynelle Leite, alerta, entretanto, que cada caso deve ser analisado individualmente, já que nem todo contato feito com o empregado no período de folga pode ser encarado como uma quebra do direito à desconexão, “assim como também deve haver parcimônia por parte do empregador, de verificar se tal contato é, durante as férias ou período de descanso, de fato, inteiramente imprescindível”, analisa. 

Na França 

Em janeiro de 2017, entrou em vigor na França a Lei da Desconexão, que trouxe amparo legal aos empregados para que não respondam mensagens enviadas pelos chefes depois do horário do expediente. A legislação é válida para empresas com 50 ou mais funcionários, e é flexível para que empregadores e patrões negociem o uso de e-mails e aplicativos de mensagens, como WhatsApp, fora da jornada de trabalho. 

À época da promulgação da norma, os sindicatos franceses afirmaram que houve a necessidade de editar a lei pelo fato de as novas tecnologias terem fomentado o trabalho extra, fora da empresa e do horário de serviço acordado entre patrões e funcionários.

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