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Bombeiro trabalha em frente à escola Raul Brasil, em Suzano (SP), após atentado a tiros que resultou em 10 mortes (Imagem: Nelson Almeida/AFP)
Bombeiro trabalha em frente à escola Raul Brasil, em Suzano (SP), após atentado a tiros que resultou em 10 mortes (Imagem: Nelson Almeida/AFP)| Foto:

Segurança pública é tema que está há anos em voga, especialmente por causa da ineficiência do Estado em assegurar segurança aos seus cidadãos. A situação dramática do recente massacre na escola de Suzano (SP) é combustível ao debate do referido tema, em especial por força de populista medida do governador João Doria, que anunciou o pagamento de indenização às famílias das vítimas.

Por evidente, a situação é absolutamente sensível e merece toda a atenção do Estado, servindo como reflexão para toda a nação! Mas, ao oferecer indenização de R$ 100 mil aos familiares das vítimas de forma “extrajudicial”, Doria tenta confortá-los, utilizando-se de receita assemelhada à adotada pelos dirigentes da empresa Vale, no desastre de Brumadinho.

A diferença é que os recursos que são objeto das indenizações de Brumadinho são privados, pagos por empresa de saúde financeira invejável, que tem condições de reparar de imediato, ainda que de forma parcial, os danos que causou.

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A posição de Doria, além de desrespeitar o devido processo legal, o Poder Judiciário e a classe dos advogados, deixa de observar o drama de tantos outros cidadãos também afetados anteriormente em sua tranquilidade pela falta de segurança pública. Cidadãos que há tempos aguardam solução dos seus casos e/ou estão também há anos na lista de pagamento de precatórios.

De regra e seguindo o teor do artigo 37, parágrafo 6°, da Constituição Federal, a responsabilidade do Estado em reparar danos causados por seus agentes durante a prestação de serviços públicos é objetiva – sem necessidade de demonstrar dolo ou culpa do agente –, não importando se a ação foi omissiva ou comissiva (que não decorre do acaso).

Mas para casos em que há omissão do Estado, existe divergência de posicionamento jurisprudencial em relação à aplicação da responsabilidade objetiva, o que remete à análise destes casos a denominada responsabilidade subjetiva – em que culpa e dolo precisam ser demonstrados.

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No caso da escola de Suzano, a omissão do Estado em oferecer serviço de segurança aos estudantes e colaboradores da instituição provavelmente será encarada sob o viés da responsabilidade subjetiva, na qual há a necessidade de demonstrar que o agente público incorreu em ilicitude (artigos 186 e 927 do Código Civil), praticando ato culposo ou doloso, por inércia da Administração na execução de serviço público essencial.

A indenização pode vir a ser obtida por sentença condenatória transitada em julgado, depois de vencidas etapas processuais e recursais obrigatórias, com a produção de provas de que o ilícito foi praticado, segundo os dispositivos legais aplicáveis ao caso (ex: arts. 186 e 927 do Código Civil).

A defesa do Estado possivelmente será a de invocar excludente de responsabilidade, sob a alegação de que o atirador Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, tinha livre acesso à escola, por recém ter feito a sua rematrícula naquela Instituição, sendo fato imprevisível a sua ação. Pode ainda a defesa afirmar que não há como responsabilizar o Estado por causa de pontos como carência de verbas; falta de contingente policial; má atuação das autoridades envolvidas, dentre outras alegações.

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Fazendo rápido parêntese, certamente nada falarão sobre o atirador Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, que também adentrou livremente, correndo e atirando nas dependências da Escola. O fato é que a controvérsia existirá, sendo dever do procurador do Estado recorrer até a última instância, por força do princípio da indisponibilidade do interesse público.

Isso tudo demonstra que, muito embora o Estado esteja falido e impossibilitado de exercer a sua obrigação constitucional de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da Constituição Federal) e muito embora pareça nobre a postura do Governador Doria em ressarcir antecipadamente as vítimas do massacre da escola de Suzano, indenizá-las “extrajudicialmente” causará revolta. Especialmente porque, se todos são iguais perante a lei (art. 5° da Constituição Federal), qual é a razão de antecipar indenização para estas vítimas, enquanto outras tantas, que foram submetidas ao devido processo legal, estão à mercê de decisões ou estão aguardando listas de precatórios?

É a malversação dos recursos públicos em prol do populismo!

*Fernando Abagge Benghi, advogado, sócio da Advocacia Correa de Castro & Associados

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