| Foto: Pixabay/Reprodução

Nenhuma lei no Brasil garante licença-paternidade de 120 dias para pais de gêmeos. Mesmo assim, começam a aparecer decisões judiciais favoráveis a este benefício baseadas, fundamentalmente, na dificuldade de uma pessoa cuidar ao mesmo tempo de dois recém-nascidos. Uma das decisões mais recentes é a de um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que concedeu licença de 120 dias a um servidor público do Paraná, no início de dezembro. Existe, contudo, algum indício de que essa prática deva se consolidar, inclusive com uma lei específica? Mais: caso seja possível, pais que não trabalham no serviço público, sem estabilidade no emprego, ousariam fazer o pedido?

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No último ano, contando com o benefício concedido pelo TRF4, pelo menos três pais de gêmeos conseguiram a licença de 120 dias, todos servidores públicos. Nas decisões, reconhece-se, geralmente, a ausência de previsão legal do benefício e decide-se pelo melhor interesse da criança.

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No caso julgado pelo TRF4, o desembargador federal Rogério Favreto, considerou que existiam motivos suficientes para conceder a licença de 120 dias para o pai de gêmeos, apesar da inexistência legal. Segundo ele, o artigo 226 da Constituição Federal, ao garantir proteção especial do Estado à família e à criança, “assegura a prevalência dos princípios do melhor interesse da criança e da sua prioridade absoluta, bem como busca minimizar a eventual negligência propiciada pela impossibilidade de atenção e cuidado simultâneos dos bebês pela mesma e única pessoa”.

O magistrado citou ainda parte de decisão proferida pelo juiz federal João Batista Lazzari, em abril deste ano, na 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, ao analisar outro pedido de licença de 120 dias para pai de gêmeos, no caso para um servidor público federal do Tribunal Regional Eleitoral do estado. “Considerando que o desenvolvimento dos bebês é simultâneo”, escreveu o juiz, e que os cuidados demandados pelos recém-nascidos não podem ser atendidos por uma única pessoa “urge reconhecer-se a necessidade da presença do pai na rotina das tarefas básicas”. O casal paranaense foi representado pela advogada Juliane Conor.

Tanto na Turma Recursal de Santa Catarina quanto na Justiça do Paraná – quando outro pai teve o direito de licença-paternidade reconhecido pela 1ª. Vara Federal de Curitiba –, os juízes determinaram o pagamento integral do auxílio-natalidade para cada um dos filhos – e não apenas uma vez e meia de quantia equivalente ao menor vencimento do serviço público como está previsto no parágrafo 1º do artigo 196 da Lei 8.112/1990.

Sem previsão legal

A Constituição Federal de 1988 ampliou o benefício de licença-paternidade de um dia, como estava determinado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para cinco dias. Empregados de Empresas integrantes do Programa Empresa Cidadã, instituído pela lei 11.770 de 2008, podem alcançar até 20 dias de licença-paternidade, como os servidores públicos federais, período garantido pelo decreto 8.737 de 2016. A extensão do tempo em caso de gêmeos é uma interpretação progressista da lei, explica o professor Roberto André Oresten, professor de Direito do Trabalho da PUC-PR.

“Na minha visão, é extremamente justo e correto que se dê esse benefício, do período de licença-maternidade ao pai, no caso de gêmeos, trigêmeos ou mais filhos na mesma gestação”, disse o professor. Mas ele ressalva que enquanto não houver uma lei, como ocorre em outros países, os pais que peçam esse benefício na Justiça dependerão exclusivamente da opinião do magistrado que julgar a causa.

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“É fácil para o servidor público estável fazer isso, ninguém o mandará embora. Agora, difícil imaginar um empregado sem estabilidade que arrisque fazer esse pedido (...). A empresa pode deixar, mas e a volta como vai ser? Será que o empregado vai ter a coragem suficiente de fazer o pedido?”

Roberto André OrestenProfessor de Direito do Trabalho da PUC-PR

O professor lembra também que, até agora, têm aparecido apenas processos e decisões desse estilo na Justiça Federal em benefício de servidor público, já que dificilmente, por agora, empresas privadas dariam o mesmo tempo de licença, de 120 dias para um trabalhador pai de gêmeos. Isso poderia mudar no futuro, caso algum parlamentar consiga aprovar no Congresso uma lei que regulamente e garanta essa situação, sem risco de perda do emprego.

“É fácil para o servidor público estável fazer isso, ninguém o mandará embora. Agora, difícil imaginar um empregado sem estabilidade que arrisque fazer esse pedido de licença de 120 dias na Justiça. A empresa pode deixar, mas e a volta como vai ser? Será que o empregado vai ter a coragem suficiente de fazer o pedido? Tenho as minhas dúvidas”, afirma.

Na decisão de primeira instância, reformada pelo TRF4, um dos argumentos utilizados pelo juiz para negar a licença-paternidade em um primeiro momento foi exatamente o entendimento de que os trabalhadores da iniciativa privada dificilmente teriam o mesmo direito – e pagarão a conta do servidor público beneficiado. “É injusto que os geradores de riqueza [trabalhadores da iniciativa provada] tenham benefícios remuneratórios e complementares diminutos no cotejo com os integrantes do serviço público, meros operadores da riqueza gerada”, escreveu. “Transferir os ônus ordinários da existência para a sociedade (...) produz gente sem têmpera e impõe ônus a quem não pode reclamar porque nem sabe que está sendo chamado a dividir a dificuldade”, continuou o magistrado.

O juiz João Batista Lazzari, relator da determinação favorável na 3ª. Turma Recursal de Santa Catarina, acredita que a legislação deve mudar no futuro para beneficiar a todos. Como ocorreu no caso das uniões homoafetivas – quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu de forma favorável ao reconhecimento do direito de herança para uniões consideradas estáveis pela lei –, com o aumento da demanda de processos pedindo licença-paternidade de 120 dias para pai de gêmeos essa interpretação pode prevalecer e, inclusive, inspirar a criação de uma lei. Com a norma, as empresas poderiam receber incentivos por meio de desoneração fiscal para que o trabalhador da iniciativa privada também possa contar com esse tempo de auxílio à esposa em caso de gestação múltipla.

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“O Judiciário está atento às necessidades das pessoas, sendo elas trabalhadoras da iniciativa privada ou servidores públicos”, explica. “No caso da licença-paternidade estendida para pai de gêmeos, embora não tenha uma lei específica, tenho certeza de que a decisão está fundamentada em princípios constitucionais, de proteção da criança e da família”, conclui.