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Dois homens que castigaram um prestador de serviços inadimplente com pimenta nos olhos e solvente jogado nos órgãos genitais foram condenados pelo crime de lesão corporal grave e não por tortura, como pedia recurso do Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF). A decisão, por 3 votos a 2, foi tomada pela Sexta Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). 

O fornecedor de serviços não cumpriu um contrato firmado com um salão de beleza para a instalação de um equipamento de ar condicionado, tendo recebido dinheiro antecipado de um dos réus. Depois de vários telefonemas, o valor não foi ressarcido.

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Diante disso, o credor pediu a um casal amigo que fingisse ter interesse na instalação de ar condicionado doméstico e ligasse para o fornecedor de serviços. Ao chegar ao local, o fornecedor inadimplente foi subjugado e amarrado com fita adesiva. Os homens, então, tomaram posse dos cartões bancários do fornecedor e, por meio de violência, o obrigaram a revelar as senhas. Como ele não tinha dinheiro no banco, o credor e um amigo, os dois réus na ação, jogaram pimenta nos olhos do fornecedor e solvente em seus órgãos genitais. Desesperado, ele ofereceu uma televisão da mãe para pagar o prejuízo e todos foram para a casa dela. A mulher, vendo as condições do filho, amarrado e machucado, gritou por ajuda, chamando a atenção dos vizinhos, o que provocou a fuga dos réus.

Os dois homens responsáveis pela violência, após denúncia do MP, foram condenados em primeira instância por crime de tortura (artigo 1º da lei 9.455 de 1997) e por terem feito “justiça com as próprias mãos”, crime de exercício arbitrário das próprias razões previsto no artigo 345 do Código Penal.

O advogado de defesa apelou da sentença, mas não conseguiu sucesso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). Depois, com o julgamento de embargos infringentes, o TJ mudou o tipo criminal de tortura para o crime de lesão corporal grave. O tribunal entendeu que como a finalidade da ação era conseguir a devolução de dinheiro recebido de forma indevida, o crime seria diferente da tortura, que “só pode ser cometido por agente que tenha a vítima ‘sob sua guarda, poder ou autoridade’”.

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Em recurso especial ao STJ, o MP pediu o retorno do entendimento para que o crime em questão fosse considerado de tortura. De acordo com o órgão, a expressão “sob sua guarda, poder ou autoridade”, no artigo 1º à Lei 9.455 de 1997, não possui viés exclusivamente estatal e, portanto, a ação dos réus poderia ser considerada uma imposição de tortura como forma de castigo indevido.

No STJ, o ministro relator do caso, Sebastião Reis Júnior, entendeu que “a violência não foi impetrada com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa [citando a lei 9.455], mas sim como forma de castigo”. O castigo, votou, só pode ser entendido como tortura quando é feito por alguém que detenha “a guarda, poder ou autoridade sobre a vítima”, um agente público ou de autoridade.

O ministro Rogério Schietti Cruz abriu a divergência. Para ele, a expressão “sob a guarda, o poder e a autoridade” deve ser aplicada não apenas aos agentes públicos, mas também para pessoas civis. 

“Podem ser autores do crime mesmo os particulares – e não só agentes públicos – como na presente situação, em que mantiveram a vítima sob o seu poder, sem lhe permitir livremente ir e vir, e após a tentativa, por meio de coação voltada a obter o que eles consideravam até uma providência justa – o ressarcimento por um serviço não prestado pela vítima – eles passaram a empregar meios cruéis de tortura, a saber, pimenta nos olhos, jogar thinner na região genital, o que já ultrapassava, digamos assim, os limites de algum ato que pudesse configurar o aventado exercício arbitrário das próprias razões”, escreveu Schietti Cruz. 

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“Assinalo que esta ação cruel já foi perpetrada em um momento posterior àquele em que não havia mais como ressarcir o prejuízo referido pelos agentes da tortura, tendo sido apenas um modo de castigar a vítima por não lhes haver ressarcido o valor gasto”, continuou. Por isso, para ele, não há dúvidas que foi um ato de tortura.

O voto pelo entendimento do ato como tortura, de Schietti Cruz, foi vencido, prevalecendo a análise do ministro Sebastião da Cruz, por três votos a dois.

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