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Comportamento

A disposição para ajudar

Estudos de biólogos sugerem que a tendência de contribuir pelo bem dos outros é inata aos seres humanos

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Nova Iorque - Qual é a essência da natureza humana? Falha, segundo muitos teólogos. Cruel e viciada em guerra, escreveu Hobbes. Egoísta e precisando de um considerável aperfeiçoamento, segundo muitos pais. Porém biólogos estão começando a formar uma visão mais otimista da humanidade. Suas conclusões derivam em parte de testes em crianças muito jovens, além da comparação entre crianças humanas e chimpanzés jovens – na esperança de que as diferenças apontarão o que é unicamente humano.

A resposta obtida por alguns biólogos, bastante surpreendente, é que os bebês são naturalmente sociáveis e bons para com os outros. Obviamente, todo animal precisa ser de certa forma egoísta para sobreviver. No entanto, os biólogos também constatam, nos humanos, uma disposição natural para ajudar.

Quando bebês com 18 meses de idade veem um adulto sem parentesco, cujas mãos estão ocupadas e que precisa de ajuda para abrir uma porta ou apanhar algo do chão, eles imediatamente ajudarão, escreve Michael Tomasello em "Why We Cooperate" (Por Que Cooperamos, em tradução livre), livro publicado em outubro. Tomasello, psicólogo de desenvolvimento, é co-diretor do Instituto Max Planckde Antropologia Evo­­lucionária em Leipzig, na Ale­­manha.

Comportamento natural

O comportamento de ajuda pa­­rece inato por aparecer tão cedo e antes de qualquer pai ensinar à criança as normas do comportamento educado. "É razoavelmen­­te seguro supor que eles não fo­­ram explicita e diretamente ensinados a fazer isso", afirma Eli­­za­­beth Spelke, psicóloga de desen­­volvimento de Harvard. "Por outro lado, eles tiveram muitas oportunidades de experimentar atos de ajuda por outras pessoas. Acho que o debate está focado na questão de isso ser inato."

Tomasello, entretanto, não acha que a ajuda é motivada por recompensas, sugerindo que não é algo influenciado pela educação. O fato parece ocorrer em diversas culturas, com diferentes agendas para o ensino de regras sociais. E o comportamento de ajuda pode ser visto até mesmo em filhotinhos de chimpanzés, sob as condições experimentais corretas.

Por todas essas razões, Toma­­sello conclui que ajudar é uma propensão natural, e não algo imposto pelos pais ou pela cultura. Bebês também ajudarão com informações, além das maneiras práticas. Desde os 12 anos de idade, eles apontarão a objetos que um adulto pensa ter perdido. Chimpanzés, ao contrário, nunca apontam coisas um para o outro – e quando apontam para pessoas, parece mais um comando para buscar algo do que um compartilhamento de informações.

Para pais que acham que seus filhos, de alguma forma, pularam a fase cooperativa, Tomasello oferece um conselho animador – de que as crianças muitas vezes são mais cooperativas fora de casa, explicando por que os pais podem ficar surpresos ao ouvir de um professor ou treinador como seus filhos são ótimos. "Nas famílias, o elemento competitivo está em ascendência", disse ele.

Conforme crescem, as crianças se tornam mais seletivas em suas ajudas. Por volta dos três anos, elas se associarão mais generosamente com uma criança que já te­­nha sido boa para elas. Outro comportamento que surge na mesma idade é um senso de normas sociais. "A maioria das normas sociais se refere a ser bom a outras pessoas", diz Tomasello ao acrescentar que "então as crianças aprendem essas normas porque querem fazer parte do grupo".

As crianças não apenas sentem que devem obedecer a essas re­­gras, mas também que devem fazer os outros do grupo agirem da mesma forma. Até mesmo crianças de 3 anos estão dispostas a impor normas sociais. Se alguém lhes ensina um jogo, e um boneco se junta com suas próprias ideias sobre as regras, as crianças irão se opor, algumas delas de forma barulhenta.

Compartilhamento

Onde elas conseguem essa ideia de regras de grupo, o senso de "nós que o fazemos desta maneira?" Tomasello acredita que as crianças desenvolvem o que ele chama de "intencionalidade compartilhada", uma noção do que os ou­­tros esperam que aconteça e, disso, um senso do grupo "nós". Seria dessa intencionalidade compartilhada que as crianças obteriam seu senso de normas, e de esperar que os outros as obedeçam.

A intencionalidade compartilhada repousa na base da sociedade humana, segundo Tomasello. Dela fluem ideias de normas, de punir aqueles que violam essas normas e de vergonha e culpa pa­­ra a autopunição. A intencionalidade compartilhada se desenvolveu muito cedo na linhagem hu­­mana, ele acredita, e seu provável intento era a cooperação pelo acúmulo de alimento.

Os humanos modernos viveram a maior parte de sua existência como caçadores coletores, então muito da natureza humana foi presumivelmente moldada para a sobrevivência nessas condições. Com o estudo de povos caçadores coletores, Hillard S. Kaplan, antropólogo da Universidade do Novo México, encontrou evidências de cooperação entrelaçadas em muitos níveis de atividades humanas.

A divisão de trabalho entre ho­­mem e mulher – os homens concentram 68% das calorias em so­­ciedades de caça – exige cooperação entre os sexos. Os jovens dessas sociedades consomem mais do que produzem até os 20 anos de idade, o que por sua vez exige cooperação entre as gerações. Esse longo período de dependência era essencial para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao modo de vida caçador-coletor.

A estrutura das primeiras so­­ciedades humanas, incluindo seus "altos níveis de cooperação entre familiares e não familiares", era assim uma adaptação ao "ni­­cho especializado de busca" por alimentos que eram difíceis de­­mais para outros primatas capturarem, segundo Kaplan e colegas escreveram recentemente no The Philosophical Transactions of the Royal Society. Nós evoluímos para sermos bons uns aos outros, em outras palavras, porque não havia alternativa.

Empatia

Em outro livro lançado em outubro, "The Age of Empathy" (A Era da Empatia, tradução livre), Frans de Waal chegou praticamente à mesma conclusão. De Waal, primatologista, estudou por muito tempo o lado cooperativo do com­­portamento primata, e acredita que a agressão, algo que também estudou, é muitas vezes superestimada como uma motivação humana. "Somos pré-programados a estender a mão", escreve Waal. "A empatia é uma resposta automática, sobre a qual temos controle limitado."

As únicas pessoas emocionalmente imunes à situação do ou­­tro, segundo ele, são os psicopatas. Realmente, é em nossa natureza biológica, e não em nossas instituições políticas, que devemos colocar nossa confiança, segundo sua visão. Nossa empatia é inata e não pode ser alterada, tampouco suprimida por muito tempo.

A sociabilidade básica da natureza humana não significa, é claro, que as pessoas são boas umas às outras o tempo todo. A estrutura social exige que algumas coisas sejam feitas para mantê-la, algumas das quais envolvendo atitudes negativas em relação a outras pessoas. O instinto de impor normas é poderoso, assim como o instinto pela justiça. Experi­­men­­tos demonstraram que as pessoas rejeitam distribuições injustas de dinheiro, mesmo se isso significar que elas não receberão nada.

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