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A chanceler alemã Angela Merkel aguarda o presidente da África do Sul, em conferência em Berlim, em 29 de outubro | KAY NIETFELD/ AFP
A chanceler alemã Angela Merkel aguarda o presidente da África do Sul, em conferência em Berlim, em 29 de outubro| Foto: KAY NIETFELD/ AFP

A chanceler alemã Angela Merkel, que já foi a mais poderosa entre os políticos da Europa, admitiu na segunda-feira que está perto do fim de seu mandato, desencadeando uma disputa para substituí-la e aprofundando o déficit de líderes de alta octanagem do continente. 

Um dia depois de uma dolorosa derrota nas eleições regionais, Merkel disse que se afastará da liderança da União Democrata Cristã (CDU) na conferência do partido em dezembro e não concorrerá à reeleição para chanceler em 2021. Com seu governo de coalizão cada vez mais impopular e instável, o fim de seu mandato poderia vir muito mais cedo. 

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A decisão surpresa refletiu a crescente pressão sobre a chefe de Estado mais antiga da União Europeia, após um ano de retrocessos. A batalha para sucedê-la provavelmente se tornará um referendo sobre o seu reinado, com a pessoa que emergir no topo da CDU se tornando uma favorita instantânea para assumir como chanceler. 

A herdeira preferida de Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, quer continuar em sua tradição de moderação e centrismo. Mas com a Alemanha, e a Europa, se tornando cada vez mais polarizada, é provável que os adversários pressionem para que o partido se direcione para a direita. 

De qualquer forma, o desligamento de Merkel vai marcar uma importante transição para um continente que ela moldou nos últimos 13 anos, através da sua condução de múltiplas crises de endividamento, suas decisões sobre energia nuclear e, acima de tudo, sua escolha fatídica de permitir que mais de um milhão de requerentes de asilo entrassem na Alemanha. 

Defensora vigorosa da ordem internacional liberal, Merkel tem sido considerada um contrapeso ao nacionalismo do presidente Donald Trump – com estatura para defender o livre comércio, instituições multilaterais e o estado de direito em meio a dúvidas sobre se esses ideais ainda são importantes em Washington. Mas a sua partida em câmera lenta deixa um vazio. 

Seus possíveis sucessores são pouco conhecidos fora da Alemanha. O apoio público ao presidente francês Emmanuel Macron afundou. A britânica Theresa May está preocupada com o Brexit. 

As figuras ascendentes da Europa – incluindo o italiano Matteo Salvini e o húngaro Viktor Orban – têm mais em comum com Trump do que com Merkel. 

Mas ao optar por se afastar da presidência do partido na segunda-feira, Merkel pode ter dado a si mesma pelo menos a chance de uma saída elegante, e a seu partido a chance de fazer uma transição controlada para um novo rosto. 

Novo capítulo

“Chegou a hora de abrir um novo capítulo”, afirmou Merkel, 64 anos, durante uma coletiva de imprensa em Berlim que, como é típico dela, teve pouco sentimento e muitos pronunciamentos práticos. 

Merkel, que disse que se aposentará da política depois de seu mandato como chanceler, é presidente da CDU desde 2000. No passado, ela disse que o chanceler também deveria ser o líder do partido no poder, e que era perigoso dividir os papéis entre duas pessoas. 

Mas ela disse na segunda-feira que mudou de ideia durante o verão, quando ficou claro que “não podemos continuar com os negócios como sempre”. 

“Sim, isso é um pouco arriscado”, disse ela. “Mas, tendo pesado as coisas com muito cuidado, é um risco que eu quero correr”. 

Merkel, uma cientista que se tornou política e é conhecida por suas avaliações ponderadas, pode ter tido pouca escolha. 

Até o outono passado, Merkel era a figura inquestionavelmente dominante na política alemã, tendo vencido três eleições seguidas e aparentemente no controle de uma quarta. 

Mas a votação em setembro de 2017 resultou em um final inesperadamente ruim para a CDU, e o poder da chanceler nunca foi o mesmo. 

O seu governo – chamado de grande coalizão – tem sido uma constelação infeliz e disfuncional de rivais, com tanto os sociais-democratas de centro-esquerda quanto as irmãs bávaras da CDU ameaçando fugir. 

Ao mesmo tempo, o descontentamento aumentava nas fileiras da CDU, à medida que o partido perdia apoio nos votos regionais e nas pesquisas nacionais para os concorrentes à sua direita – o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) – e para os da esquerda, os Verdes. 

“A pressão interna estava ficando forte demais”, disse Jan Techau, diretor do Programa Europeu no German Marshall Fund dos Estados Unidos. “Havia uma sensação esmagadora no partido de que algum frescor era necessário”. 

Alívio

Thomas Heilmann, um membro do CDU no Bundestag, o parlamento alemão, disse que os representantes eleitos do partido ficaram aliviados com a decisão de Merkel. 

“Isso nos dará a oportunidade de ter um relançamento muito natural, que é definitivamente necessário”, disse Heilmann, que representa Berlim. 

“Sou muito leal a ela. Ela merece”, disse ele. “Mas essa lealdade não me impede de ver a realidade, e a realidade é que os resultados dela não estão tão bons quanto costumavam ser”. 

Merkel disse que tomou sua decisão no verão, mas eventos recentes provavelmente solidificaram a escolha. 

No domingo, o partido sofreu grandes perdas nas eleições no estado de Hesse, onde fica a cidade de Frankfurt, capital financeira da Alemanha, e há muito tempo um termômetro da nação. Embora o partido tenha ficado em primeiro lugar e vá continuar a governar o estado, o desempenho da CDU foi o pior em mais de meio século. Na segunda-feira, Merkel descreveu os resultados como “amargos” e “decepcionantes”. 

Há apenas duas semanas, o partido irmão da CDU, a União Social Cristã, sofreu uma erosão de apoio similar em seu estado natal, a Baviera. 

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O anúncio de Merkel causou especulação na mídia alemã sobre quem iria segui-la como chanceler. 

Merkel resistiu por muito tempo preparar um sucessor, e ela não indicou um candidato na segunda-feira. Mas no início deste ano, ela parece ter dado sua bênção a Kramp-Karrenbauer, 56 anos, a ex-líder do estado de Saarland, no oeste da Alemanha, e agora secretária-geral da CDU. Conhecida como “mini Merkel”, Kramp-Karrenbauer representaria um voto de continuidade tanto na política quanto no estilo. 

Mas a ala conservadora da CDU também deve enfrentar um desafio. O ministro da Saúde Jens Spahn, 38 anos, e Friedrich Merz, 63 anos, ex-líder parlamentar da CDU, foram indicados na segunda-feira em reportagens alemãs como candidatos. 

Spahn, em particular, tem sido um crítico aberto de Merkel e defendeu que o partido se mova para a direita em relação à imigração para reconquistar os adeptos que desertaram para a AfD, de extrema direita. Ele tentará atrair apoio de membros da CDU frustrados com as tendências mais centristas de Merkel, incluindo o apoio a um salário mínimo e a proibição da energia nuclear. 

“Ela mudou a CDU decididamente para a esquerda, e isso causou ressentimento contra ela desde o primeiro dia”, Techau disse. 

Os candidatos terão pouco tempo para defender seu caso: a CDU selecionará seu novo líder no início de dezembro em uma conferência do partido na cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha. 

Antes do anúncio de segunda-feira, esperava-se que Merkel concorresse para a reeleição como líder do partido, embora já houvesse sinais de que o partido estava ficando inquieto com o seu governo. 

No último mês, Volker Kauder, líder de longa data de Merkel no parlamento alemão, foi inesperadamente derrotado em uma votação interna do partido. A perda para o antigo parceiro de Merkel marcou um raro momento em que os representantes eleitos da CDU desafiaram a vontade da chanceler. 

Mas, no geral, a CDU permaneceu relativamente unida atrás de Merkel, e houve pouca alegria na segunda-feira com o seu fim político. Em vez disso, houve gratidão por ela ter uma chance de sair mais ou menos com seus próprios termos. 

“Ela sabe que essa não é uma situação fácil”, disse Anja Karliczek, ministra da Educação de Merkel. “Mas ela quer mandar a mensagem de que a renovação tem precedência. Estamos caminhando para um novo futuro”.

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