Acompanhei por vários anos a zona de exclusão aérea na Bósnia. Assisti também aos muçulmanos bósnios serem massacrados enquanto as forças da OTAN patrulhavam os céus. A zona de exclusão aérea foi criada pelo Conselho de Segurança da ONU em outubro de 1992. O massacre de Srebrenica ocorreu em julho de 1995. Acho que já disse o bastante.
A zona de exclusão aérea bósnia foi uma tentativa de acalmar os ânimos do Ocidente após o banho de sangue muçulmano causado pelos sérvios nos primeiros seis meses da guerra. Não se tratava de salvar vidas. Tudo se resumia a permitir que os políticos em Washington e em Paris sentissem que haviam feito algo, não importa quão falho fosse, a respeito do genocídio.
Todavia, existe outra lição histórica. Ruanda pagou o preço por ter furado a intervenção imposta pelos EUA na Somália. O genocídio ruandês de 1994 aconteceu sem que os EUA fizessem nada para intervir, em partes devido ao fiasco da Somália ter deixado os americanos propensos a não intervenção. Podemos então permitir que o fiasco do Iraque impeça uma intervenção ocidental na Líbia, enquanto o clã de Kadafi faz correr "rios de sangue"?Vamos estabelecer alguns argumentos prós e outros contrários a uma intervenção militar ocidental na Líbia:
Contra
1 O esmagador poder moral da Primavera Árabe vem da sua qualidade autóctone. Isso representa árabes superando o medo de se tornarem agentes de sua própria transformação e libertação. Nada envenenaria a raiz deste movimento mais rápido do que o colonialismo ocidental em uma nova roupagem.
2 A intervenção norte-americana na Líbia só irá reforçar o velho argumento de que os EUA só se envolvem nas questões do Oriente Médio para garantir interesses petrolíferos.
3 Os EUA não podem entrar em uma terceira guerra em um país muçulmano. Quando rompeu a guerra bósnia, as grandes nações ocidentais representavam cerca de 70% da economia global. Hoje a cifra mal passa dos 50% e está diminuindo.
4 A intervenção criará um longo entrave militar que irá distrair o Ocidente do que deve ser seu principal objetivo estratégico: um resultado democrático decente no Egito.
5 A legalidade de qualquer intervenção pode ser dúbia.
A favor
1 Obama e outros líderes ocidentais não podem declarar que almejam remover Kadafi do poder e ficar incólumes ao massacre das pessoas que estão se rebelando para derrubá-lo. Isto é tão criminoso como encorajar os xiitas do Iraque a resistir em 1991 e vê-los serem massacrados por Saddam.
2 As repetidas declarações de Obama de que preza por direitos humanos universais se tornarão mentira se Kadafi permanecer no poder. O povo de Benghazi carece de auxílio.
3 Kadafi, assim como Milosevic, é um valentão fraco. O ditador está atacando uma linha costeira estreita. O apoio dado a ele é superficial.
4 A Primavera Árabe no Norte da África será interrompida em um ponto crítico se Kadafi conseguir se recuperar. Quando machucada, uma fera encurralada pode revelar seu lado mais bestial.
5 Kadafi é um assassino em massa que derrubou o voo 103 da Pan Am (matando 280 pessoas) e o 772 da UTA (com 170 vítimas), crimes hoje confirmados pelo ministro da justiça líbio. O ditador matou milhares do seu próprio povo nas últimas décadas.
O que fica claro para mim é que não existe meio-termo. A dúvida sobre a invasão só existirá enquanto o Ocidente, mesmo apoiado e contando com a participação da Liga Árabe, titubear sobre a decisão de que irá, brutalmente, paralisar, derrotar, remover e, se necessário, matar Kadafi. Não acredito que a determinação possa ser forjada. Apenas se ela puder é que a intervenção faz sentido.
Tradução: Thiago Ferreira



