
Depois de uma vitória que sob vários aspectos ficará marcada para a história, Barack Obama herdou um governo com problemas de proporções também históricas. O último presidente que encarou desafios tão grandes a partir da posse foi Franklin Roosevelt, que assumiu em 1933, o auge da Grande Depressão. Na prática, Obama tem a missão de reanimar uma economia paralisada pelo pior choque dos últimos 50 anos e, ao mesmo tempo, reatar relações diplomáticas estremecidas durante os oito anos militares da era Bush isso tudo sem deixar de olhar para a própria retaguarda, que não por coincidência ainda vive com medo de outro atentado terrorista em solo nacional.
A "nova diplomacia" prometida pelo presidente eleito, portanto, precisa ser abrangente e multidisciplinar. "Não tem como escolher, ele vai ter de enfrentar todos esses desafios ao mesmo tempo. Qualquer líder de uma superpotência não pode se dar ao luxo de dividir os assuntos e lidar com uma coisa de cada vez; de primeiro tentar resolver os conflitos do Oriente Médio para depois voltar a dialogar com os parceiros da América Latina, Ásia e África", avalia o vice-presidente da comissão jurídica da Organização dos Estados Americanos, Ricardo Seitenfus.
De acordo com ele, apesar da importância de intervir no "ponto nevrálgico" do terrorismo, Obama precisa desenvolver freios para as ações exaustivamente focadas na segurança nacional depois de setembro de 2001. "A diferença esperada é que Obama consiga levar ao governo a prometida filosofia da cooperação e do diálogo, e não a intervenção baseada em forças militares", afirmou, adicionando à receita o fortalecimento das instituições internacionais como ONU, FMI e Otan nesse processo.
A professora da relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Cristina Pecequilo lembrou que é o momento de se reconciliar com os próprios aliados: a União Européia já fez questão de expressar seus anseios de fazer "um novo acordo para um mundo novo", conforme solicitou o presidente da Comissão Européia José Manuel Barroso. "Um exemplo dessa carência é a carta que a Europa lançou, pedindo ao novo presidente uma atitude diferente da praticada pela gestão anterior", ressalta Cristina.
As relações com a Rússia, que vêm se tornado espinhosas desde a guerra da Geórgia, foram minimizadas pelos especialistas. Mesmo com o presidente russo Dmitri Medvedev espalhando diariamente ameaças que lembram a guerra fria já logo após as eleições norte-americanas, Cristina diz que são "uma reação de afirmação, típica de um governo novo que defende sua condição de potência, que é o caso do Medvedev". Seintenfus também avalia que a Rússia não é uma ameaça verdadeira. "Medvedev está testando Obama para ver quais os novos caminhos que o país vai seguir", diz. De acordo com ele, a Rússia já se integrou bem com a comunidade internacional depois da dissolução da União Soviética, especialmente nas relações comerciais.
Em vez dos soviéticos, Seintenfus avalia como "fundamental" a melhoria das relações dos Estados Unidos com Cuba e o desenvolvimento de instrumentos que reintegrem o arquipélago à comunidade norte-americana. Da mesma forma, também interessa muito às relações internacionais dos EUA um caminho para a resolução do vizinho Haiti, cuja crise de governo persiste desde 1986 e se intensificou em 2004, com ocupação militar assistida por tropas brasileiras. "É importante que se encontre uma solução socioeconômica, e não apenas manutenção por força militar", sugeriu.
Tríade da guerra
No campo real da segurança nacional, os principais desafios para Obama continuam sendo o "núcleo duro" da guerra contra o terrorismo, com a guerra no Iraque, e a violência insurgente no Afeganistão e no Paquistão sem falar nos programas nucleares iraniano e norte-coreano.
Os dois especialistas avaliam que o gargalo das relações no Oriente Médio passa pelo acordo de paz entre Israel e os palestinos. "É a grande questão da política externa norte-americana, que condiciona todas as demais", avalia Seitenfus. É uma solução que envolve o retorno de refugiados, fronteiras seguras e o futuro da cidade de Jerusalém. "Muitos presidentes tentaram intervir, mas até agora não surtiram em nada além de promessas", ressalta, lembrando que nessa semana os Estados Unidos admitiram que o prazo do acordo prometido para o fim da gestão Bush não será cumprido.
Para resolver esse assunto, a agenda de Barack Obama deve se manter mais neutra e não tão pró-Israel como ficou marcada a abordagem até então, avalia Cristina. "O partidarismo de Bush nesse assunto cria reações dos dois lados, e isso afasta a possibilidade de acordo. Para Obama será importante manter uma postura mais centralizada quando tratar do acordo de paz", opina. No equilíbrio da balança de negociações, pesa Israel, considerado o único país no Oriente Médio que possui armas nucleares.



