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A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e o presidente Alberto Fernández participam do encerramento da campanha da Frente de Todos em Buenos Aires, Argentina, 11 de novembro
A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e o presidente Alberto Fernández participam do encerramento da campanha da Frente de Todos em Buenos Aires, Argentina, 11 de novembro| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

O governo de esquerda de Alberto Fernández na Argentina se preocupa com uma possível derrota nas eleições legislativas deste domingo (14), após um duro recado das urnas das eleições primárias de setembro. As eleições, que ocorrem no meio do mandato presidencial, são vistas como um referendo à gestão do governo federal e definem o equilíbrio de forças no Congresso que acompanham o presidente até o final do seu mandato.

A campanha eleitoral terminou na última quinta-feira, em uma reta final marcada por crescentes tensões cambiais e insegurança.

As duas maiores coalizões, a Frente de Todos e a oposição Juntos pela Mudança, encerraram suas campanhas com comícios em massa na província de Buenos Aires, o maior distrito eleitoral do país, com 37% do eleitorado.

Nas primárias de setembro, que foram usadas para eleger candidatos a deputados e senadores e são consideradas uma grande pesquisa nacional, o Juntos pela Mudança obteve mais de 40% dos votos em todo o país, enquanto o Frente de Todos obteve pouco mais de 30%.

Nessas primárias, o peronismo sofreu uma derrota histórica. O partido governista perdeu apoio em praticamente todos os distritos, incluindo a província de Buenos Aires, seu principal reduto eleitoral, onde ganhou 32,5% dos votos, contra 37,3% dos rivais.

A derrota levou a uma crise na chapa governista e a uma ofensiva de Kirchner, que fez duras críticas à política econômica do presidente e pressionou por uma mudança de gabinete.

Para responder às críticas e tentar reconquistar os votos perdidos, Fernández apostou em medidas para colocar dinheiro no bolso dos argentinos, e em um congelamento dos preços de cerca de 1,6 mil produtos por três meses. O governo também mirou em políticas para o eleitorado jovem, que está insatisfeito com a gestão de Fernández e tem buscado outras opções de voto.

Incerteza

Nestas eleições legislativas, 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados e 24 das 72 cadeiras do Senado serão renovadas. No caso de uma repetição dos resultados das primárias, o partido governista perderia a sua maioria no Senado e poderia reduzir sua presença na Câmara para praticamente o mesmo número, ou mesmo abaixo, do Juntos pela Mudança.

Entretanto, o maior desconhecido é o que acontecerá com a economia argentina na próxima segunda se a derrota do governo for confirmada, uma circunstância que poderia precipitar, segundo alguns analistas, uma maior desvalorização da moeda argentina.

Descontentamento dos jovens argentinos

Mais de 10 milhões de cidadãos da Argentina com menos de 30 anos estão aptos a votar nas eleições legislativas do próximo domingo, um pleito que medirá o descontentamento da parcela populacional mais afetada pela crise socioeconômica que o país vivencia desde meados de 2018.

Nas primárias de setembro, a apatia dos jovens em relação à classe política tradicional cristalizou-se em forte apoio às opções da outra ponta do espectro ideológico em alguns distritos, como foi o caso do libertário Javier Milei, que obteve 13,66% dos votos na capital.

"É um eleitorado que está irritado com o kirchnerismo, que não está contente – com o que aconteceu com o macrismo, mas entende que algo tem que ser mudado. Nessa questão de modificar algo, ocorre uma dispersão total dos votos, que foi a que impulsionou Milei em Buenos Aires", disse Esteban Regueira, analista da consultoria Clivages, à Agência Efe.

Jovens e a crise econômica

Como são os jovens argentinos com menos de 30 anos? A maioria é de estudantes e trabalhadores que cresceram em um país devastado pela crise de 2001, viveram a recuperação do primeiro período kirchnerista no poder e começaram suas vidas adultas em meio a uma nova recessão, com quedas dramáticas no poder de compra e no emprego formal.

Segundo um estudo do Observatório da Dívida Social Argentina, 18,9% dos jovens entre 18 e 34 anos estavam desempregados no final de 2020, um percentual que contrasta com a taxa de desemprego de 12,1% entre os adultos entre 35 e 59 anos de idade.

Da mesma forma, a taxa de pobreza geral foi de 40,6% no primeiro semestre deste ano, saltando para 48,5% entre a população de 15 a 29 anos, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos.

Toda essa realidade macroeconômica e social teve um impacto sobre as perspectivas futuras dos jovens: a Universidade Argentina da Empresa (UADE) e a consultora Voices! estimam que 70% dos argentinos de 15 a 24 anos prefeririam viver em outro país, mais do que qualquer outra faixa etária.

Ciente desta insatisfação, o governo argentino lançou vários programas para estimular a incorporação dos jovens no mercado de trabalho ("Te Sumo") e incentivar suas habilidades de programação ("Argentina Programa").

Jovens abandonam kirchnerismo

Neste contexto de crise, o apoio dos jovens às duas forças políticas majoritárias está diminuindo, especialmente em relação ao kirchnerismo, ala peronista liderada pela ex-presidente (2007-2015) e atual vice, Cristina Kirchner.

Esta é a opinião do cientista político Julio Burdman, que observa um certo "envelhecimento" do kirchnerismo, tanto por causa da idade de seus líderes como por causa dos códigos culturais – o retorno da democracia, o rock nacional, a figura de Diego Armando Maradona – "bastante ligados a uma Argentina que não é mais como antes".

"As pesquisas mostram que os jovens eleitores de hoje não são kirchneristas. Nas universidades, o kirchnerismo tem caído bastante, e nas eleições parece que outros candidatos que apelam para o voto jovem são mais bem-sucedidos, especialmente na área urbana de Buenos Aires, que é muito importante em termos eleitorais", afirmou Burdman, diretor da consultora Observatório Eleitoral Consultores, à Agência Efe.

Libertário, Javier Milei conquista simpatia dos jovens

Quem mais se beneficiou deste descrédito foi Javier Milei, candidato a deputado pela cidade de Buenos Aires, cujo discurso antissistema conquistou a simpatia do eleitorado mais jovem.

"Quando se analisa o voto em Milei, há muitos jovens eleitores que o apoiam, mas, conforme a faixa etária cresce, os votantes se afastam cada vez mais dele", afirmou Esteban Regueira.

Para Julio Burdman, uma chave para explicar o bom desempenho de Milei, além de seu uso massivo de redes sociais, é que "ele conseguiu obter algumas mensagens que se relacionavam com os problemas dos jovens de hoje", especialmente sua defesa do autoemprego em uma Argentina com altos níveis de informalidade.

"As críticas do kirchnerismo à forma como os jovens se empregam não se encaixam bem no que a sociedade e a realidade permitem. De alguma forma, os libertários justificam ou legitimam as coisas que os jovens podem fazer", apontou Burdman.

Sem grandes surpresas

Ambos os especialistas concordam que as eleições legislativas do próximo domingo repetirão o tom dos resultados das primárias de setembro, quando o partido governista obteve apenas um terço dos votos em nível nacional.

De qualquer forma, o governo do presidente Alberto Fernández ainda terá dois anos pela frente para consolidar a incipiente recuperação econômica e, além disso, seduzir milhões de jovens que hoje veem seu futuro longe do país.

Na reta final da campanha, governo defende gestão

Diante da perda de apoio, o presidente Alberto Fernández defendeu sua administração. Em discurso na quinta-feira, último dia da campanha, ele afirmou que o país está avançando no caminho ditado pelo governo: mais produção nacional e mais emprego registrado.

"Vamos tentar dar passos firmes para que o crescimento que vemos alcance todos os homens e mulheres argentinos. Não é suficiente para nós que o PIB cresça mais de nove pontos se a vida dos argentinos não melhorar", disse o presidente na cerimônia de encerramento da campanha do Frente de Todos, realizada na cidade de Merlo, na província de Buenos Aires.

Essa recuperação econômica e o progresso do plano de vacinação foram os principais marcos que o chefe de Estado reivindicou em seu discurso, que incluiu numerosas críticas à oposição.

O chefe de Estado também foi acompanhado pela ex-presidente e atual vice-presidente do país, Cristina Kirchner, cuja presença esteve em dúvida até o último instante devido a uma operação cirúrgica a que foi submetida na semana passada.

Esperança da oposição

A preocupação dentro do partido governista com os resultados de domingo contrasta com o otimismo dos candidatos do Juntos pela Mudança, uma coalizão formada pelo PRO – o partido de Macri –, a União Cívica Radical (UCR) e a Coalizão Cívica.

"Neste 14 de novembro discutiremos que país queremos, se queremos um país com progresso ou estagnação, se queremos liberdade ou opressão", disse o chefe da lista de candidatos a deputados do Juntos pela Mudança para a província de Buenos Aires, Diego Santilli, que começou seu discurso em meio a gritos de "vamos voltar!".

A oposição concentrou seu discurso na má situação econômica do país, que registrou uma inflação anual de 52,1% em outubro e está passando por sérias tensões cambiais, com o dólar atingindo um novo recorde no mercado informal nesta quinta-feira (206,5 pesos).

"Pedimos empregos ao governo e eles responderam com pequenas mudanças, como se pudessem comprar nossa dignidade", afirmou Santilli, referindo-se à ajuda social enviada pelo governo após sua derrota nas primárias.

Outra das questões abordadas pelo chefe de legenda foi a insegurança, uma questão que se tornou particularmente relevante na reta final da campanha devido à morte a tiro de um proprietário de quiosque de 45 anos na província de Buenos Aires.

No final de seu discurso, o candidato destacou a necessidade de reformar o código penal, a fim de pôr fim aos benefícios da prisão que "significam que estupradores e assassinos não cumprem suas sentenças".

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