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Emir do Catar
Tamim bin Hamad Al Thani, emir do Catar (à esquerda), assiste à abertura da Copa do Mundo ao lado do presidente da FIFA, Gianni Infantino, em 20 de novembro de 2022.| Foto: EFE/ Rodrigo Jiménez

Catar, o rico pequeno país que sediou a Copa do Mundo FIFA em 2022, é a principal força subestimada e raramente mencionada por trás do financiamento do grupo terrorista Hamas. A afirmação é de Udi Levi, 60 anos, um dos maiores especialistas em terrorismo do mundo e ex-chefe de divisão do Mossad, em uma coletiva de imprensa da qual a Gazeta do Povo participou na manhã desta quarta-feira (1º). O dinheiro vem também do Irã, de empresas de investimento do Hamas e de doações — muitas delas em criptomoeda. Ele também afirmou que os terroristas dispõem de uma infraestrutura formada por empresas de fachada em toda a América Latina, incluindo o Brasil.

Respondendo à reportagem, Levi disse que “é inacreditável o que está acontecendo” na América Latina. “Há centenas de empresas de fachada [do terrorismo] sendo abertas no Equador, Paraguai, Argentina, Chile e Brasil”. A presença das organizações terroristas, exemplificada pela relação entre o Primeiro Comando da Capital e o Hezbollah, equivale a uma “infraestrutura” que ameaça a segurança da região.

O israelense lamenta a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “há muitas reclamações, [mas] é a política dele”. Fazendo uma crítica mais geral à postura que atribui equivalência aos dois lados da guerra Israel-Hamas, ele diz que “você pode se opor a Israel, mas pelo menos não apoie o terrorismo”.

Catar: principal fonte de financiamento para o Hamas

O israelense, que se diz agora um “cidadão privado”, afirma que “o Catar é a cabeça da serpente” dos fundos usados pelo Hamas e outros grupos terroristas. O Hamas teria recebido 1,5 bilhão de dólares (R$ 7,5 bilhões na cotação atual) do país árabe desde 2015. Este investimento catariano bilionário no Hamas teria três vias: por bancos na Turquia como o Kuveyt, que seria ligado à Irmandade Muçulmana, pelo Banco Islâmico do Catar, e por organizações humanitárias de fachada. Os catarianos “estiveram envolvidos desde o 11 de setembro [de 2001]”, e “compraram o mundo”. Udi Levi também os acusa de terem inventado a tática de cobrança de resgate dentro do terrorismo. É na capital Doha que líderes do Hamas como Ismail Haniyeh, cabeça do ataque terrorista do mês passado, vivem uma vida luxuosa, longe do conflito.

Há muitos interesses econômicos e militares relacionados ao relativo silêncio a respeito da participação do Catar no terrorismo. Dispondo de uma fortuna derivada do petróleo, os catarianos, além de assegurar o maior evento do futebol internacional e sediar grandes eventos da Fórmula 1, compraram muitos bancos e participação importante em muitas empresas ocidentais. A Autoridade de Investimento do Catar comprou ações da Volkswagen, British Airways, Deutsche Bank e do banco britânico Barclays. São donos até de parte do Empire State Building, famoso arranha-céu de Nova York. A influência dos 300 mil cidadãos do emirado em todo o mundo é desproporcional.

Escrevendo para a revista Newsweek no mês passado, o embaixador de Israel na Alemanha, Ron Prosor, disse que o Catar conseguiu a Copa do Mundo porque “contratou hackers, muitos deles treinados nos EUA, para invadir os computadores pessoais de oficiais importantes da FIFA que haviam criticado a candidatura” do país árabe para sediar o evento. “Quase todas as campanhas de investimento de soft power do Catar foram manchadas por suborno, chantagem e intimidação”, acusa o diplomata. “O Catar colocou o alvo no estimado valor liberal da liberdade de expressão, usando sua influência econômica e gosto pela chantagem para silenciar ocidentais que ousem criticar o emirado”.

Os israelenses não estão sozinhos em suas acusações. Um grupo de 330 refugiados sírios abriram em 2020 nas cortes britânicas um processo judicial contra o Banco de Doha e contra dois residentes catarianos, Moutaz e Ramez al-Khayyat, pelo apoio financeiro dado a organizações terroristas na Síria. Os refugiados moram no Reino Unido, Países Baixos, Suécia, Alemanha, entre outros países. Eles são representados pela firma de advocacia Richard Slade & Co em Londres e pedem compensação pela perda de estabelecimentos comerciais e por danos pessoais e mentais. Os autos do processo afirmam que alguns foram vítimas de tortura.

Já Dubai e os Emirados Árabes Unidos não recebem acusações de financiamento direto do terrorismo por parte do especialista israelense. Para ele, “infelizmente, o Hamas, o Hezbollah e o Irã abusam do sistema financeiro dos Emirados. Espero que isso mude. Dubai é um centro financeiro do mundo”.

Como o Irã, o mercado financeiro e doações ajudam o Hamas

A fonte mais conhecida de financiamento do terrorismo é a teocracia do Irã. Neste caso, Udi Levi afirmou que as sanções não estão sendo respeitadas. Autocracias como a China encontram formas de driblar as sanções internacionais. O Irã tornou o maior especialista em lavagem de dinheiro, ganhando fortunas com a pirataria de medicamentos e tráfico de drogas, segundo Levi. Ele estima que o regime faturou com drogas US$ 13 bilhões somente em 2022 (R$ 65 bilhões).

Nesta quinta-feira (2), o Irã se tornará chefe de um fórum de direitos humanos das Nações Unidas, nomeado em maio para essa posição pela presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A perseguição da “polícia moral” do regime levou à morte de mulheres por se recusarem a usar o véu islâmico.

No mês passado, o Departamento de Tesouro dos EUA anunciou novas sanções contra dez membros e operadores financeiros do Hamas ligados a um portfólio de investimentos secreto. Levi calcula que este portfólio rende anualmente ao grupo terrorista US$ 700 milhões (R$ 3,5 bilhões).

O ex-chefe do Mossad denuncia um grande volume de doações por bitcoin para os terroristas, de duas formas principais. Uma é a doação a organizações humanitárias de fachada que escapam das autoridades mudando de nome. Um exemplo é o CBSP (Comitê pelo Bem-estar e Ajuda aos Palestinos), com escritórios em Paris e três outras cidades francesas. No começo dos anos 2000, a ONG foi acusada pelos Estados Unidos e por autoridades da França de ser um braço do Hamas. Levi diz que a ONG continua em operação, se esquivando de sanções mudando seu nome, mas mantendo a equipe. O Reino Unido e a Malásia são outras fontes importantes de doações.

O que mais surpreendeu Levi em sua apuração do financiamento das doações foi o montante enviado aos terroristas via Bitcoin: o valor pode chegar ao equivalente a US$ 1 bilhão para o Hamas, sem contar o que é recebido pelo Hezbollah. “O mundo das criptomoedas se tornou crítico”, comentou, “e corretoras como a Binance não estão checando as carteiras” das quais o dinheiro é enviado.

Outro problema que ele enfrentou por anos foi a insistência de órgãos e observadores internacionais de distinguir entre a ala militarizada do Hamas e suas atividades missionárias islâmicas (conhecidas pelo termo dawa). A distinção é usada por quem doa dinheiro para a última ala na esperança de conter a primeira. “As crianças crescem com o Hamas e se tornam a ala militar”, explica Levi, “tentei convencer os Estados Unidos e países europeus disso por anos”.

Evidência disso está em um vídeo de 2016, que voltou a circular no mês passado, de escolas para palestinos administradas pela UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo): “Temos que fazer guerra para provar que somos mais fortes que os judeus”, diz uma menina de sete anos. “Estou preparado para ser um homem-bomba”, diz um menino de 13 anos.

Levi é ex-chefe da Divisão de Guerra Econômica no Mossad, famosa agência de inteligência de Israel em operação há 73 anos. Em 2003, sob o governo de Ariel Sharon, ele liderou um comitê especial para combater o financiamento do terrorismo. Para ele, Israel e o Ocidente falharam em ter conhecimento e controle do dinheiro que vai parar nas mãos de terroristas do Hamas e do Hezbollah. Esta “é a ferramenta mais importante para lutar contra o terrorismo”, diz o especialista. “Eu culpo a nós mesmos [em Israel] e os países europeus” pelo mau estado dessa linha de combate, ele acrescenta. “Talvez os derrotemos em solo, mas, se não os derrotarmos financeiramente, teremos de lidar por muitos anos com o mesmo monstro do 7 de outubro”.

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