Os resultados preliminares das eleições para o conselho distrital de Hong Kong de domingo (24), divulgados na segunda-feira (tarde de domingo no Brasil), mostram uma onda de apoio aos partidos pró-democracia, indicando um endosso significativo do movimento de protesto e uma recusa ao establishment pró-Pequim, visto por muitos como responsável pelos meses de agitação na cidade.
Milhões de pessoas foram às urnas, em número recorde, para votar na única eleição totalmente democrática no território chinês, um sinal de que os eleitores queriam mandar uma forte mensagem ao seu governo e ao Partido Comunista em Pequim.
Os resultados preliminares compilados pelo jornal South China Morning Post (SCMP) mostravam os partidos pró-democracia ocupando 108 dos primeiros 120 assentos a serem declarados e os partidos pró-Pequim ocupando apenas 12. Várias figuras proeminentes no movimento de protesto venceram; vários políticos pró-establishment perderam seus assentos.
A participação - mais de 69% dos 4,13 milhões de eleitores qualificados já haviam votado uma hora antes do fechamento das urnas - foi significativamente maior do que nas eleições locais de 2015, em que 1,4 milhões de eleitores votaram. O registro de eleitores também foi um recorde, impulsionado em parte por 390 mil eleitores que votaram pela primeira vez.
"Os cidadãos de Hong Kong consideram a eleição um referendo e eles expressaram claramente que estão descontentes com a forma como Hong Kong e Pequim têm lidado com os protestos em andamento nos últimos seis meses", disse Kelvin Lam, que ganhou um assento em um dos distritos eleitorais, segundo o SCMP.
Lam foi convocado para disputar a vaga pelo campo pró-democracia depois que o proeminente ativista Joshua Wong foi impedido de disputar as eleições.
Em 2015, os partidos pró-Pequim conquistaram pouco mais de 54% dos votos e 298 das 452 cadeiras para assumir o controle de todos os 18 conselhos distritais. Eles tendem a ser mais bem financiados e organizados do que os grupos pró-democracia, com fortes vínculos com a elite empresarial e o establishment político que lhes permitem argumentar que estão em melhor posição para realizar ações pelos seus eleitores.
Os grupos pró-democracia conquistaram 40% dos votos e 126 cadeiras em 2015. Os independentes ficaram com o restante.
Mas desta vez, as eleições que normalmente tinham como centro do debate questões como trânsito, coleta de lixo e o incômodo de pragas como os javalis, se tornaram um referendo sobre a questão mais fundamental do território: o posicionamento com o movimento que luta por liberdades democráticas, ou com o establishment pró-Pequim que controla a ex-colônia desde que o Reino Unido a devolveu à China em 1997.
Muitos esperaram horas em filas que serpenteavam pelos quarteirões da cidade, uma experiência incomum para os moradores de Hong Kong. Quase todos os bairros da cidade viram violentos distúrbios em algum momento durante os seis meses de protestos, com a polícia disparando gás lacrimogêneo e balas de borracha e manifestantes respondendo com coquetéis molotov e projéteis.
As responsabilidades dos conselheiros distritais são em grande parte locais, mas eles recebem 117 assentos no comitê eleitoral de 1.200 membros, dominado por grupos e interesses comerciais pró-Pequim, que seleciona o chefe executivo de Hong Kong.
"Todo mundo apenas pergunta de que lado você está, pró-democracia ou pró-establishment", disse Sabrina Koo, uma candidata pró-democracia. "Somente depois disso eles nos perguntam quais são nossos planos para a comunidade e sobre questões locais".
Os eleitores, aproveitando a oportunidade para expressar seus direitos democráticos, não ficaram incomodados com as filas. Gloria Lai, 40 anos, levou seus dois filhos a uma estação de votação perto de um grande ponto de protestos em Wan Chai: uma rua que nos últimos meses viu gás lacrimogêneo, canhões de água e incêndios em massa. Eles esperaram uma hora para votar.
"Quero que meus filhos sempre lembrem que o voto é direito deles, é direito deles expressar sua opinião, e isso é algo a ser valorizado", disse ela. "Não temos o direito de votar em nosso chefe do executivo, mas temos isso".
A disputal para o conselho distrital é a única eleição totalmente democrática em Hong Kong. O líder da cidade não é eleito diretamente. Apenas metade do Conselho Legislativo, o órgão legislativo, é escolhido pelo povo.
O bem-financiado campo do establishment espera ter o apoio de uma "maioria silenciosa" que tem ficado desconfortável com a violência dos protestos em Hong Kong.
Alguns eleitores expressaram desejo de retornar à paz nas ruas da cidade e disseram que votariam em candidatos experientes.
"Nada é mais importante do que melhorar a vida das pessoas comuns", disse um apoiador pró-Pequim de 74 anos que deu seu sobrenome como Chow. "A responsabilidade de nossos jovens é estudar muito, e não tornar a sociedade uma bagunça."
Outros disseram que o movimento de protesto os fez mudar de opinião. Dois eleitores em Sai Wan Ho, onde um jovem manifestante levou um tiro a queima-roupa este mês, disseram que foram profundamente influenciados pelo que viram.
"Não consegui dormir bem ontem à noite, estou esperando essa eleição há tanto tempo", disse um homem de 52 anos que deu seu sobrenome como Wong. "Eu realmente espero que essas eleições possam mudar a situação e mudar o desenvolvimento político de Hong Kong."
A eleição foi majoritariamente pacífica e ordenada, tornando esse um raro fim de semana sem violência ou ação policial em Hong Kong. Agentes da polícia de choque com uniformes verdes, alguns usando máscaras, foram vistos em algumas seções eleitorais, mas a atmosfera estava em geral calma.
Fora isso, parecia um fim de semana típico na cidade antes do início dos protestos em junho: famílias fazendo compras, passeando e pessoas com seus afazeres. As semanas que antecederam a votação viram a maior escalada de violência desde que os protestos começaram, há mais de cinco meses, com centenas de manifestantes presos depois que a polícia tomou um câmpus universitário que havia se tornado uma base para o movimento.
Dois manifestantes ainda abrigados na Universidade Politécnica realizaram uma entrevista coletiva pedindo às pessoas que votassem.