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Montevidéu (AE) – Aos 35 anos da primeira edição do seu livro As Veias Abertas da América Latina, que marcou a literatura e a resistência do continente, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, de 65 anos, fala de sua atual visão da América Latina e da decepção que é a crise política brasileira. Autor de 14 livros e várias antologias, ele é lido em mais de 20 idiomas em todo o mundo.

(AE) – Sua visão sobre o continente na época em que escreveu As Veias Abertas da América Latina é a mesma de hoje?Eduardo Galeano – O essencial, sim. Não me arrependo de uma só palavra, mas claro que mudei, estou vivo. Recentemente o reli para corrigir alguns pequenos detalhes e o reli com alegria. O texto não estava errado, a realidade lhe deu a razão. E tem uma pergunta essencial: o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é conseqüência do desenvolvimento alheio? O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro.

A crise política no Brasil o decepciona ou era previsível?Decepção e dor. O Brasil é um país que sinto como se fosse meu, é uma velha ligação... O que mais me dói nisso tudo, mais que esse escândalo, que para mim foi imprevisível, é essa explicação que circula: "Por que tanta confusão se isso sempre aconteceu?". Se o PT chegou ao governo, como uma força nova encarnando a esperança coletiva, não era para repetir a história. Era para mudá-la. Nenhuma força tem o direito de maltratar assim a esperança da qual é portadora. Quando jovem trabalhava no semanário uruguaio Marcha, e meu mestre em jornalismo foi Carlos Quijaño. Ele sempre dizia: "Está proibido pecar contra a esperança. É o único pecado que não tem perdão." Não se pode brincar com a fé do povo, essa expectativa popular da transformação da realidade dentro da ordem democrática que Lula encarnou. O pecado contra a esperança vira pecado contra a democracia. É gravíssimo o que está acontecendo.

A América Latina vive uma grande ebulição neste momento, com crises políticas e sociais no Brasil, Argentina, Venezuela e Bolívia, por exemplo. Qual o problema, não estamos prontos para viver a democracia?Quando estava no exílio, na Espanha, soltei o coelho-da-Índia da minha filha, que vivia enjaulado e me dava pena. Aproveitei que íamos sair. Horas depois, quando voltamos, o bichinho estava tremendo em um canto da jaula, com medo da liberdade. A liberdade dá muito medo, ao bichinho e a nós também. Mas, nesses últimos anos, movimentos sociais têm defendido a participação popular, tentando estender o conceito de democracia além do direito de votar cada quatro ou cinco anos. Nisso, acho que houve um grande avanço, há um desenvolvimento de base muito mais articulado, há uma vontade democrática de expressão.

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