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Turquia quer ser centro global de arte, mas a liberdade é limitada | Contemporary Istanbul
Turquia quer ser centro global de arte, mas a liberdade é limitada| Foto: Contemporary Istanbul

Em um magnífico jantar em uma ilha no Bósforo recentemente, Ali Gureli, presidente da Contemporary Istanbul, feira anual de arte da cidade, disse a centenas de colecionadores, galeristas e artistas internacionais que Istambul havia garantido seu lugar como capital global da arte.

Esta metrópole, pulsando com energia, dinheiro e autoconfiança, parece provar que ele está certo. Há uma abundância de galerias. A Bienal de Design de Istambul está em pleno andamento. Três novos museus de arte privados estão em funcionamento. O rock e o jazz prosperam.

Mas sob a superfície, há uma paisagem diferente. Artistas dizem que estão cada vez mais sujeitos à pressão ou intervenção do Estado, ou cortes de financiamentos do governo, que é liderado pelo partido fundado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, cujo capitalismo desenfreado ajudou a fortalecer o boom criativo, mas cuja conservadora sensibilidade muçulmana alterou o tom nacional, após décadas de governo da elite secular no país.

Depois que os protestos de junho de 2013 no parque Gezi revelaram a profundidade da insatisfação pública com uma administração cada vez mais autoritária, integrantes do meio cultural descrevem um clima de ansiedade e autocensura, pois os padrões do que é considerado ofensivo pelo governo continuam mudando.

"Existem esses limites invisíveis", disse a artista Iz Oztat, de 33 anos, que foi forçada a remover uma menção ao genocídio armênio de 1915 em um livreto que havia escrito para uma exposição em Madrid no ano passado, que recebeu financiamento do governo turco. "Você não sabe que estão lá até cruzar com eles."

Omer Celik, ministro da Cultura e do Turismo, minimizou as preocupações. "Pelo contrário, há censura dentro dos círculos de cultura e arte já estabelecidos", disse ele recentemente.

Hoje, os funcionários de teatros estatais dizem que precisam enviar sinopses para aprovação do governo, e que personagens gays raramente aparecem no palco. Trajes de balé são mais longos.

Professores de escolas públicas foram investigados por terem usado livros de John Steinbeck e Amin Maalouf.

"O partido do governo introduziu um clima na Turquia, no qual a pessoa crente é um cidadão mais aceitável", disse Baris Uluocak, diretor de um ramo do sindicato dos professores em Istambul.

Em 2006, a romancista Elif Shafak foi julgada e mais tarde absolvida de acusações criminais por ter "insultado a cultura turca" com o romance "O Bastardo de Istambul", que trata da morte dos otomanos armênios pelos turcos em 1915, fato que a Turquia não reconhece como genocídio.

"Todo escritor, jornalista ou poeta na Turquia no fundo sabe que as palavras podem causar problemas", disse Shafak . O romancista turco ganhador do prêmio Nobel, Orhan Pamuk, também foi julgado e absolvido das mesmas acusações.

"Sempre foi assim na Turquia, mas agora está pior. Pensamento crítico é algo claramente dispensável. A diversidade e a liberdade dos meios de comunicação encolheram visivelmente. Como resultado, há muita autocensura", acrescentou Shafak.

No ano passado, o governo propôs uma nova lei que iria criar um conselho de 11 pessoas, nomeado diretamente pelo governo, para financiar as artes, projeto por projeto. Agora, o governo aloca dinheiro para instituições culturais que podem usá-lo como quiserem, livremente.

Desde que chegou ao poder nacional em 2002, o Partido da Justiça e Desenvolvimento de Erdogan se considera o defensor dos hábitos muçulmanos e da Turquia rural, e recentemente retratou teatro, balé e ópera patrocinados pelo Estado como vestígios do passado secular. Em um discurso em 2012, ele criticou as elites seculares pela valorização da cultura.

"O teatro neste país é seu monopólio? Vocês são as únicas pessoas que podem falar sobre artes neste país? Esses dias acabaram", disse ele. E disse também: "Se for privatizado, vá em frente e faça uma peça sobre o que quiser. Se houver necessidade de financiamento, nós, como governo, patrocinaremos e apoiaremos as peças que quisermos."

No ano passado, o governo vendeu a um grupo de empresas privadas dois importantes teatros em Ancara, que juntos atraiam um público de mais de meio milhão de pessoas por ano.

"No teatro, você sempre pode estar sujeito à pressão e censura, mas dá para achar uma maneira de contornar isso. Mas se você destruir as instituições e acabar com os locais que o artista tem para se apresentar, acabou o espaço para lutar, e essa é a forma mais perigosa de opressão", disse o experiente Bilgin Lemi, hoje com 58 anos, que foi demitido do cargo de diretor dos teatros estaduais em 2013.

Mesmo assim, a sociedade civil evolui. As manifestações do Parque Gezi deram coragem aos jovens. Minorias étnicas têm sido reconhecidas, se não totalmente fortalecidas. Em 2008, a emissora estatal turca adicionou um canal de TV e uma estação de rádio curdos, além de árabe e em outras línguas regionais.

"É mais fácil falar sobre o passado agora, mas ainda é problemático falar sobre o presente", disse o romancista Kaya Genc.

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