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O Tribunal Especial no Iraque que julga os responsáveis pelo massacre de milhares de curdos em 1988 condenou neste domingo (24) à morte por enforcamento Ali Hassan al-Majid, o "Ali Químico", primo de Saddam Hussein e principal réu do caso.

Ali al-Majid ocupava o quinto lugar da lista de 55 iraquianos mais procurados pelos EUA e era o "rei de espadas" no baralho publicado pelo Pentágono que simbolizava os principais colaboradores do regime de Saddam.

Na época, "Ali Químico" era uma autoridade de primeiro escalão do Partido Baath no norte do Iraque.

Mais cedo, o tribunal condenou à pena de morte o então ministro da Defesa, Sultan Hashim Ahmed, e o ex-chefe da Guarda Republicana Iraquiana, Hussein Rachid al-Tikriti.

Dois do total de seis réus foram condenados à prisão perpétua: Saber Abdul Aziz, ex-chefe dos serviços de Inteligência, e Farhan al-Jibouri, ex-oficial de inteligência. Já Taher Mohammed al-Ani, ex-governador da província de Ninawa, foi absolvido das acusações.

Todos os processados eram acusados das acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. "Ali Químico", além desses, acumulava a acusação de "genocídio".

O "caso Anfal", como ficou conhecido no país, julgava os ataques contra povoados curdos do nordeste do Iraque entre 1987 e 1988. Milhares de pessoas teriam morrido devido à utilização de armas químicas em massa, um procedimento cuja concepção foi atribuída a "Ali Químico".

Homem de confiança

"Ali Químico", primo do ditador e um dos principais homens de confiança do regime, nasceu em 1941 em Tikrit (Iraque), a mesma cidade natal de Saddam. O local dá nome ao clã familiar que professou lealdade inquestionável ao dirigente enquanto ele esteve no poder.

Além de ter grande semelhança física com Saddam, Ali viveu politicamente à sombra do primo durante mais de 24 anos. A pertinência dele ao clã Al-Tikriti valeu o cargo de ministro da Defesa, bem como sua inclusão no Conselho do Comando Revolucionário, a instância suprema de poder do antigo regime.

Ele estava à frente do Exército em 1988, quando não duvidou em utilizar gás venenoso para reprimir a sublevação do Curdistão iraquiano. Segundo organizações de direitos humanos, o massacre terminou com a morte de milhares de pessoas.

A feroz repressão valeu então o apelido de "Ali Químico", com o qual ainda é identificado e que simboliza a maior atrocidade que cometeu enquanto esteve no poder.

Em 1990, o Iraque invadiu o Kuwait e Saddam premiou a fidelidade do primo ao regime nomeando-o governador do território ocupado. Mas o governo de Ali à frente da denominada "19ª província do Iraque" foi efêmero.

Nos meses anteriores à invasão norte-americana de março de 2003, Ali dirigiu as operações do Exército no sul do país e realizou uma viagem por várias capitais árabes, em busca de apoio contra a invasão iminente.

Grupos defensores dos direitos humanos pediram então que ele fosse detido por crimes de guerra, mas o rastro de "Ali Químico" foi perdido no início da disputa.

Veículos de comunicação chegaram a afirmar que ele tinha morrido em um bombardeio britânico-americano em Basra. As dúvidas sobre isso ficaram esclarecidas após sua prisão, em 23 de agosto de 2003, pelas forças americanas no Iraque.

Genocídio

A "campanha militar Al-Anfal", que teve oito fases e aconteceu no final dos anos 80, passou à história como uma das mais sangrentas do regime de Saddam Hussein e um dos piores símbolos do ódio racial.

A campanha começou em 1986 e durou até 1989. Calcula-se que pode ter custado a vida de até 182.000 civis principalmente em zonas rurais do Curdistão iraquiano, segundo relatórios elaborados por duas das mais respeitadas organizações de direitos humanos: a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Os cálculos mais modestos dão conta de pelo menos 50 mil civis mortos.

Estes fatos, que levaram a Saddam e seis funcionários de alto escalão ao banco dos réus por genocídio, foram os primeiros na região em que se utilizaram armas de destruição em massa contra uma comunidade sem a justificativa de uma guerra.

A campanha militar foi conduzida por Ali Hassan al-Majid, primo de Saddam Hussein, e incluiu ofensivas terrestres, bombardeios, destruição sistemática de aldeias, deportações em massa, campos de concentração, pelotões de fuzilamento e - o fato inovador - armas químicas.

Os ataques alcançaram o clímax em 18 de março de 1988. Nesse dia, o povoado de Halabja, próximo à fronteira com o Irã, foi atacado com gases químicos.

Calcula-se que só ali morreram 5.000 pessoas pelos efeitos químicos, até tal ponto que o nome de Halabja se transformou em símbolo das atrocidades do regime de Saddam.

Ali Hassan al-Majid, que foi promovido a ministro da Defesa no início dos anos 90 (o que alguns viram como "prêmio" por sua atuação em Al-Anfal), contara durante a campanha com plenos poderes concedidos pelo ditador, seu primo, e de fato agia como uma espécie de vice-rei no norte do país.

"Anfal" (que significa "manchas") é o nome de uma passagem do Alcorão que estabelece as leis da guerra no Islã e como os muçulmanos devem se comportar com os inimigos quando praticam a guerra santa.

Embora não se saiba por que Saddam escolheu este nome para descrever sua campanha contra os curdos, alguns analistas sugerem que ele simplesmente quis dar uma justificativa religiosa para os ataques.

Saddam e os subordinados argumentaram então que foram obrigados a lançar essa campanha e usar todos os meios ao alcance para defender o país das tentativas do Irã - contra quem o Iraque esteve em guerra de 1980 a 1988 - de ocupar o norte do país através do território curdo.

A zona da campanha é o nordeste do Iraque, junto à fronteira iraniana, e os curdos são a população quase exclusiva de ambos os lados da fronteira.

Saddam disse que os famosos combatentes curdos não merecem o nome de "peshmergas" (que em curdo significa "mártires"), pois não são mais que simples terroristas e traidores do próprio país.

Paradoxo

Um dos principais derrotados na campanha "Al-Anfal" foi Jalal Talabani, que hoje é presidente do Iraque. As forças do Exército de Saddam esmagaram os "peshmergas" da União Patriótica do Curdistão que seguiam Talabani.

Saddam condenou Talabani à morte várias vezes por "alta traição" e por inúmeras tentativas de sublevar contra seu regime, e nunca usou seu poder de clemência para levantar essas penas.

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