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Akademik Lomonosov, a usina nuclear flutuante instalada em Murmansk, na Rússia | MAXIM BABENKO/NYT
Akademik Lomonosov, a usina nuclear flutuante instalada em Murmansk, na Rússia| Foto: MAXIM BABENKO/NYT

Ao longo da costa da Baía de Kola, no extremo noroeste da Rússia, ficam as bases para submarinos nucleares e quebra-gelos do país. Colinas rochosas descem rumo a uma orla industrial de docas, guindastes e trilhos de trem. Os submarinos estão há décadas na baía, cruzando as águas azuis, viajando entre o porto e as profundezas do oceano.

 Aqui, a Rússia está realizando uma experiência com energia nuclear que os apoiadores dizem ser uma façanha da engenharia, mas que os críticos chamam de imprudente. 

 O país implantou uma usina nuclear flutuante. Amarrada a um cais na cidade de Murmansk, a Akademik Lomonosov balança suavemente nas ondas. Feita com dois reatores em miniatura, de um tipo usado anteriormente em submarinos, é até o momento a única de seu tipo. 

A Rússia não está sozinha, mas lidera

 Mesmo que Moscou lidere a tendência, está longe de estar sozinha no desenvolvimento desse tipo de usina nuclear: duas empresas estatais chinesas estão construindo essas instalações, e os cientistas norte-americanos têm seus próprios planos. Os proponentes dizem que elas são mais baratas, mais ecológicas e, talvez paradoxalmente, mais seguras – e vislumbram um futuro no qual as centrais nucleares flutuarão na costa das grandes cidades ao redor do mundo. 

 "Eles estão anos-luz à nossa frente", disse Jacopo Buongiorno, professor de Engenharia Nuclear do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sobre o programa de energia flutuante russo. 

 A Rosatom, companhia nuclear estatal russa, exportou tecnologia vários anos, vendendo para a China, Índia e uma série de nações em desenvolvimento – mas os pequenos reatores colocados em boias podem ser montados mais rapidamente e instalados em uma ampla gama de locais. Além disso, é mais fácil conectá-los a redes elétricas que dependem cada vez mais da energia eólica e solar. 

 O projeto russo envolve o uso de reatores de submarino instalados em embarcações, com uma escotilha perto da proa para ligá-los a redes elétricas locais. Juntos, vão gerar 70 MW da eletricidade, ou o suficiente para abastecer aproximadamente 70 mil lares. A Rosatom planeja produzir essas usinas flutuantes em série, e está explorando vários planos de negócios, incluindo a manutenção da posse dos reatores, vendendo apenas a eletricidade gerada. 

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 A estrutura volumosa e retangular se assemelha a uma grande caixa, apenas com um emblema nuclear de um átomo na lateral. Lá dentro, o reator é um labirinto de corredores apertados, escadarias íngremes, tubos, fios e sinais de advertência escritos em caracteres cirílicos. 

 As autoridades planejam rebocar uma embarcação para as cidades costeiras que precisem de eletricidade, quer seja momentaneamente, quer seja uma adição em longo prazo. Ela pode transportar urânio enriquecido suficiente para alimentar os dois reatores durante 12 anos, antes de ter que ser rebocada, sem combustível, de volta para a Rússia, onde os resíduos radioativos serão processados. 

Uma tripulação rotativa de cerca de 300 russos, incluindo seguranças particulares, vai operar a usina. A Rosatom está considerando um cronograma de trabalho onde eles permanecerão a bordo por quatro meses, seguidos por uma pausa também de quatro meses. O Akademik Lomonosov vai começar a servir Pevek, um porto remoto na Sibéria, no ano que vem. 

 Na embarcação, a tripulação civil terá acesso a uma série de amenidades, tornando a estrutura uma espécie de cruzamento entre o set de "Caçada ao Outubro Vermelho" e um navio de cruzeiro. Quem estiver a bordo poderá nadar em uma piscina decorada com fotos de uma praia tropical, jogar squash ou, estranhamente, dada a importância aparente da sobriedade, tomar um drinque em um bar. 

 "Essa fonte local de energia elétrica, que pode ser facilmente transportada para locais de difícil acesso, é economicamente eficaz", disse Vitaly A. Trutnev, diretor do programa do reator flutuante da Rosatom, em uma entrevista na cabine do capitão. 

 Ideia não é nova

O uso de reatores nucleares para propulsão marítima, ou em usinas flutuantes, não é novidade: os Estados Unidos usaram um deles instalado em uma barcaça para gerar eletricidade para a zona do Canal do Panamá de 1968 até 1976, e a Westinghouse, fabricante americana de reatores, planejou, mas nunca construiu, duas usinas flutuantes na costa de Nova Jersey nessa mesma época. 

 A ideia ganhou suporte inesperado após o tsunami japonês de 2011. O desastre arruinou a usina costeira de Fukushima, inundando os geradores a diesel que seriam usados para a refrigeração no caso de um desligamento de emergência. 

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 Um reator flutuante, dizem os defensores da ideia, sobreviveria às ondas do tsunami. E se um desligamento de emergência fosse necessário, o acesso ao resfriamento seria mantido, algo que é mais fácil de fazer quando na água, em vez de depender de bombas. A Rosatom, em um comunicado, insistiu que sua usina era "invulnerável a tsunamis". 

 Até agora, a empresa não divulgou o custo da construção, ou quais países estão interessados em comprar eletricidade, mas estima que cada unidade levará quatro anos para ser construída, em comparação com quase uma década para muitas usinas nucleares. 

 Outros também estão explorando a tecnologia: a China quer construir 20 usinas nucleares flutuantes, e a primeira será lançada daqui dois anos. Uma companhia francesa projetou um reator chamado Flexblue que não flutuaria, mas submergiria e permaneceria no chão do oceano. 

 Ambientalistas criticam projeto

Porém, alguns grupos ambientais, mesmo aqueles abertos a aceitar a energia nuclear como substituta para as centrais energéticas tradicionais, estão céticos. 

 Eles não estão convencidos das garantias de segurança dadas pela Rosatom. Os críticos temem que, durante um tsunami, a estrutura de aço de 21 mil toneladas não consiga se manter flutuando. Em um cenário pior, ela poderia se soltar de suas amarras e chegar à terra, derrubando construções até parar, fumegante e amassada, e com dois reatores ativos a bordo, bem longe de sua fonte de refrigeração. 

 Nessa situação, diz a Rosatom, uma fonte de energia e refrigeração sobressalente a bordo impediria que os reatores derretessem, pelo menos nas primeiras 24 horas. "Durante esse tempo, pensaríamos no que fazer", disse Dmitri Alekseyenko, vice-diretor do programa de reator flutuante da Rosatom. Os reguladores nos Estados Unidos exigem que os reatores em terra operem durante 72 horas no caso de um desligamento de emergência sem abastecimento externo de água. 

 E o fato de que a tecnologia foi bem testada em navios russos não consola os críticos, dada uma longa história de derramamentos e acidentes envolvendo submarinos e quebra-gelos movidos a energia nuclear e operados pelas marinhas soviética e russa. 

 "A questão é: será que os clientes da Rússia vão se sentir à vontade com um negócio desses parado no cais de uma grande cidade?", questionou em uma entrevista telefônica Matthew McKinzie, diretor do programa nuclear do Conselho de Defesa de Recursos Naturais em Washington. 

 

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